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TJ-SP analisa pedidos de alunos e escolas sobre serviço na epidemia

O Judiciário paulista tem sido acionado para resolver questões envolvendo alunos e instituições de ensino durante a epidemia de Covid-19. São estudantes com dificuldades para pagar as mensalidades ou ter acesso às plataformas de ensino à distância.

Dollar Photo ClubTJ-SP decide questões envolvendo alunos e instituições de ensino na epidemia

O desembargador Salles Vieira, da 24ª Câmara de Direito Privado, aplicou a teoria da imprevisão para conceder 30% de desconto na mensalidade de uma escola, que está fechada desde 18 de março e vem oferendo aulas online. Segundo ele, trata-se de uma situação “de força maior, imprevisível e excessivamente onerosa, e que se arrasta por período indeterminado no Estado de São Paulo”.

Ao conceder a liminar, Salles Vieira também citou os artigos 393, parágrafo único, c.c. 303, do NCPC, os artigos 476 a 479 do NCCB e o artigo 6º, V, do CDC. Em caso de descumprimento da decisão, a escola está sujeita à pena de incidência de multa diária.

Acesso à plataforma EaD

Em outro caso envolvendo instituição de ensino na epidemia, o desembargador José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, da 37ª Câmara de Direito Privado, autorizou um estudante de medicina a ter acesso à plataforma de aulas à distância mesmo estando inadimplente com as mensalidades da universidade.

“Defiro efeito suspensivo ativo, seguindo modificada a decisão com deferimento da tutela antecipada, pois no caso ora telado os elementos de convicção que o agravante coligiu aos autos evidenciam a probabilidade do direito, requisito necessário ao provimento da tutela de urgência, e o dano é evidente na descontinuidade das aulas do curso de medicina”, disse.

Matrícula garantida

A desembargadora Ana Lucia Romanhole Martucci, da 33ª Câmara de Direito Privado, negou recurso de uma universidade e manteve decisão de primeiro grau que permitia a matrícula de uma estudante de medicina em determinada matéria do curso, na modalidade EaD, sob pena de multa diária de R$ 500.

“Não se vislumbra, por ora, fundamentação relevante que evidencie a probabilidade de ocorrência do direito invocado, nem mesmo a presença de risco de danos irreparáveis ou de difícil reparação ao interesse do agravante que justifique, em juízo de cognição sumária, a concessão da tutela recursal pleiteada”, afirmou a relatora.

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Angelo Pitombo: Medidas tributárias dos estados na Covid-19

Diante da imprevisível crise econômica global procedente da pandêmica Covid-19, sucederam-se providências emergenciais para preservar a saúde econômica das empresas, muitas delas voltadas para as obrigações tributárias de curto prazo.

Em que pesem as limitadas alternativas, fruto dos efeitos da crise sobre suas receitas, é oportuno assentar que os estados e municípios adotaram medidas tributárias, basicamente adstritas ao Simples Nacional, de vigor insuficiente para abrandar o impacto econômico, consequente do declínio do faturamento e fluxo de caixa de seus contribuintes. 

Com amparo nos levantamentos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), 73% das empresas precisarão de crédito para capital de giro no montante de 43% de seu faturamento. Do total desses créditos obtidos, 89% serão destinados ao pagamento de salários, 63% para insumos e 39% para custo de energia. Essas não são as mesmas necessidades de outras atividades econômicas voltadas ao comércio e serviços, bem como de regiões distintas do país, contudo é um indicativo.

Com efeito, nesse período de contração generalizada do fluxo de caixa das empresas o Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), que é de competência dos estados e do Distrito Federal, produz o maior impacto na carga tributária de seus contribuintes e passa a ter equivalente relevância para a higidez financeira dessas empresas.

Em linhas gerais, a obrigação de pagar o aludido imposto nasce após a ocorrência de seu fato gerador, comumente a venda das mercadorias ou prestação dos serviços que estão inseridos em seu campo de incidência.

Não obstante, por meio do Regime de Substituição Tributária associado à Antecipação do ICMS (RST/AT), que, para a maior parte dos estados, está incluída mais da metade do valor das mercadorias neles comercializados, o imposto é pago antes mesmo que ocorram as saídas das mercadorias, fruto de suas vendas.

Nessa senda, o pagamento do ICMS de toda cadeia econômica, da produção até o consumo, deve ser realizado pelo contribuinte, em geral, que der início à circulação da mercadoria nas operações interestaduais ou internas, a depender da origem da mercadoria e da existência de acordos interestaduais ou enquadramento do produto no regime interno do estado.

Mesmo em ocasiões de estabilidade econômica, a operacionalização do RST/AT exige um significativo esforço de caixa dos contribuintes para anteciparem o pagamento do imposto, além da consequência de reduzir a competitividade daquelas com menor disponibilidade de capital de giro.

Em período de crise com tamanha e generalizada desidratação do fluxo de caixa das empresas, ajustes precisam ser efetuados para que se assegure o funcionamento regular do sistema.

Importa lembrar que o Estado de Santa Catarina, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), visando a reduzir os pedidos de restituição e demandas jurídicas relativas à base de cálculo do RST/AT, bem como atrair empresas e oferecer oxigênio para as já existentes, antecipou-se em 2019 e promoveu a mais ampla mudança nesse intricado microssistema tributário.

No rol das medidas adotadas pelo Estado de Santa Cataria se destacam as exclusões de diversos produtos RST/AT, a exemplo de materiais de construção e congêneres, materiais elétricos, produtos de papelaria, produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos, tintas, vernizes e outras mercadorias da indústria química, lâmpadas, reatores e starters, ferramentas, máquinas e aparelhos mecânicos, elétricos, eletromecânicos e automáticos.

Outros estados, como Goiás e Rio Grande do Sul, adotaram também algumas modestas iniciativas e, por razões semelhantes, em alguns aspectos, excluíram produtos desse mecanismo de arrecadação.

Em momento de crise econômica, manter e até incrementar a receita tributária exige amplo alinhamento entre os órgãos técnicos que se ocupam do desenvolvimento econômico e aqueles que dirigem a administração tributária. A máquina de arrecadação precisa ser calibrada com sabedoria.

Nesse sentido, convêm realçar que o Regime de Substituição Tributária com Antecipação encurta a disponibilidade de caixa, por meio do pagamento dos tributos antes mesmo de serem realizadas as vendas das mercadorias com a ocorrência do fato gerador, e, para lhe conceder o imperativo fundamento de validade, foi necessária uma emenda que inseriu o §7º no artigo 150 da Constituição Federal. Esse fato provocou uma expansão desregrada do regime, com a inclusão de inúmeros e desnecessários novos produtos, além de regras de difícil operacionalidade.

É importante sublinhar que esse é um momento oportuno e necessário para que os estados, detentores de detalhadas informações sobre as operações que envolvem esse regime, o reavaliem, repensem e adotem providências para reduzir a sua aplicação a um rol de produtos que originariamente dele faziam parte.

Necessário, portanto, examinar a exclusão dos itens que são irrelevantes para a arrecadação, os que têm oscilações constantes no preço final de venda a varejo, além dos produtos que não se ajustam à forma apropriada para esse tratamento tributário, a exemplo daqueles com quantidade elevada de contribuintes substitutos em detrimento dos substituídos e os que concentram maior número de substitutos dentro do próprio estado.

Trazendo essas considerações para o campo prático, a exclusão de produtos demanda análises e estudos que são de fácil realização, tendo em vista o volume de informações disponíveis nas Secretarias de Fazenda, sobre a participação de cada produto na arrecadação, suas margens de valor agregado, a estabilidade dos preços finais de vendas a varejo, o número e a localização dos contribuintes substitutos e substituídos e a eficiência dos sistemas de controle e acompanhamento da arrecadação. Elas, contudo, podem demandar mudanças em acordos interestaduais que envolvem outros estados signatários.

Nesse contexto, visando a harmonizar o recebimento das vendas e serviços com o pagamento do aludido imposto, são necessárias providências precedentes que alarguem os prazos ou parcelem o recolhimento do imposto exigido antecipadamente, almejando uma sincronia entre o prazo de seu pagamento e o giro dos estoques, bem como, fruto dos efeitos da crise no comércio, reavaliar, por meio dos atuais preços de venda a varejo praticados, a base de cálculo do regime para cada produto.

Acrescente-se ainda outras alternativas disponíveis para os estados, a exemplo da revogação temporária da antecipação parcial do ICMS, cuja manutenção é impensável nesse momento; celeridade nos processos de restituição de impostos pagos a mais indevidamente, inclusive em relação à diferença de base de cálculo na Substituição Tributária; flexibilização para transferências de créditos fiscais acumulados para outros contribuintes; dilação da vigência de benefícios fiscais com vencimento neste ano de 2020; suspensão temporária das execuções fiscais, além de conter medidas que possam restringir o acesso das empresas a linhas de créditos.

As medidas elencadas no campo tributário alcançam apenas a restrita competência dos estados e Distrito Federal, que devem se somar a outras tributárias, bem como de ordem macro e microeconômicas, dirigidas a mitigar os efeitos da crise, especialmente sobre as empresas de pequeno e médio porte, na medida em que enfrentarão dificuldades para manter o faturamento e empregos, cumprirem tempestivamente suas obrigações tributárias e, sob os efeitos da consequente redução da economia de escala, manterem-se no mercado obtendo razoáveis condições nas aquisições de insumos e mercadorias.

 é advogado tributarista, sócio-fundador do escritório Angelo Pitombo Advogados Associados, auditor aposentado, conselheiro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomercio-SP, ex-conselheiro do Contencioso Administrativo Tributário da Bahia (Consef) e doutorando em Direito.

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Superendividamento dos consumidores: Vacina é o PL 3.515 de 2015 (página 1 de 3)

A pandemia de Covid 19, além de acarretar o colapso nos sistemas de saúde de diversos países, tem trazido diversos efeitos colaterais derivados da crise econômica a ela associada. No Brasil, infelizmente, a situação não é distinta e já mergulhamos em recessão econômica, com o consequente incremento do já alto índice de desemprego[1].

O cenário tende, inexoravelmente, a deteriorar ou — em um número cada vez mais intenso de casos — inviabilizar a capacidade dos consumidores quitarem as suas dívidas em razão da perda de renda ocasionará por um evento absolutamente imprevisível. E se o consumo das famílias é responsável por 65% do PIB da economia brasileira[2] (algo em torno de 4,5 trilhões de reais!),[3] é preciso agir rápido para assegurar um mercado de consumo saudável no pós-pandemia causada pela Covid-19.[4]

A realidade é ainda mais dramática ao se verificar que o endividamento das famílias brasileiras já vinha experimentando uma efetiva ascensão e alcançou o recorde histórico ao atingir o percentual de 66,6% em abril de 2020, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), elaborada pela Confederação Nacional do Comércio. O nível de inadimplemento por seu turno alcançou o patamar de 25,9%, o mesmo de março do corrente ano, mas superior ao de abril de 2019, que foi de 23,3%.[5]  Antes da Pandemia causada pela Covid-19, o Idec estimava que destes, cerca de 30 milhões de pessoas seriam superendividados.[6]

Ademais há tendência de aumento do nível de endividamento, pois uma das medidas tomadas foi justamente o aumento da liquidez dos bancos para que fosse possível aumentar empréstimos e conceder suspensões temporárias de pagamentos de determinados contratos de mútuos[7]. Segundo o Instituto ‘Locomotiva’, 91 milhões de brasileiros deixaram de pagar pelo menos uma conta em abril de 2020.[8]

Os “acidentes de vida” mais comuns que motivam o superendividamento são doenças, redução de renda e desemprego[9]. A atual crise combina as duas causas e assim há a potencialização do risco de que haja um substancial aumento do superendividamento, principalmente tendo em vista que a crise econômica tende a ser mais duradoura do que a crise sanitária[10].

Portanto, o país tem que estar preparado para lidar com o aumento do superendividamento. E infelizmente não está, ao contrário do que ocorre com os Estados Unidos[11] e a Europa[12] – justamente as duas regiões mais afetadas pelo Coronavírus.

A necessidade de lidar com os efeitos do superendividamento não reverte exclusivamente em benefício do consumidor. Muito pelo contrário, os credores também são beneficiados se a lei for bem concebida. Sem a lei — e o consequente plano de pagamento dos débitos — há o sério risco de diversos credores (os com menores garantias) ou até mesmo a totalidade deles (tendo em vista que muitas vezes são credores sem garantia) nada receberem.

Ademais, restrições acessórias possuem um efeito devastador para a retomada da viabilidade econômica do consumidor. Pensemos na principal delas, a inscrição em cadastros de proteção ao crédito. A negativação importa em dificuldades efetivas para conseguir um emprego (já que normalmente as empresas consultam os cadastros antes da contratação e nada indica, muito pelo contrário, que deixarão de dar preferência a contratação de pessoas não negativadas.

A medida em que o consumidor não consegue o emprego, aumenta exponencialmente a dificuldade não apenas de quitação da dívida (o que se tornará absolutamente improvável), como de consumo até mesmo do mínimo existencial.

Assim o superendividamento afeta não apenas o consumidor e sua família, com fortes privações do mínimo existencial e abalos morais e psicológicos, mas também aos credores e a economia como um todo, pois o aumento do patamar de consumo é essencial para a retomada da economia, o que é impossível para o superendividado.

Há ainda o aspecto preventivo absolutamente essencial para os tempos atuais. O aumento de liquidez induz agressividade das instituições financeiras na oferta de novos empréstimos e novos produtos e, assim, a ampliação da educação para o consumo e de regras de vedação de publicidade e oferta enganosa são essenciais para evitar acesso insustentável ao crédito, que por ser concedido a quem não necessitaria ou não teria condições de adquirir novo crédito, acaba redundando em superendividamento[13].

Ainda que haja algumas normas esparsas, acórdãos de tribunais superiores[14] e iniciativas de programas de tratamento de superendividamento[15]  há intensa necessidade de uma norma sistematizadora, sendo a atualização do Código de Defesa do Consumidor, por intermédio do Projeto de Lei  nº 3515/2015 o veículo ideal para tal desiderato.

Podemos dividir em três âmbitos a proteção efetivada no âmbito do Projeto de Lei nº 3515/2015: normas de natureza preventiva, repressiva e de tratamento. Assim são vacina (prevenção) e tratamento/remédio (repressiva e de cura) do superendividamento do consumidor pessoa física, excluídos das possibilidades da falência e recuperação extrajudicial. As normas do PL 3515,2015 forma inspiradas no modelo francês de conciliação em bloco do consumidor com todos seus credores e a elaboração de um plano de pagamento, não havendo no caso brasileiro, perdão de dívidas, mas sim um plano compulsório para os que não conciliarem.[16]

No âmbito preventivo destacamos as normas do PL 3515,2015 que ampliam a educação para o consumo consciente e que aprofundam a exemplificação a informação a ser prestada pelas instituições para a concessão de crédito responsável, sempre pautados pela preservação do mínimo existencial. [17]

Destacamos, inclusive a expressa previsão da obediência ao princípio da boa-fé no conceito de superendividamento, que, seguindo exemplos de direito comparado[18] e adaptando-os à realidade nacional, é definido da seguinte forma pelo Projeto de Lei nº 3515/2015: “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação (art. 54-A,  § 1º)”. [19]

 é professora titular de Direito Internacional Privado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e mestre em Direito (L.L.M.) pela Universidade de Tübingen (Alemanha). É presidente do Comitê de Proteção Internacional dos Consumidores e da International Law Association (Londres). Ex-presidente do Brasilcon e da Asadip (Paraguai).

Roberto Castellanos Pfeiffer é professor da USP, procurador do Estado de São Paulo e ex-Presidente do Brasilcon — Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasília)

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Site deve cancelar reserva de hotel e estornar valor sem multa

Caso fortuito

Site deve cancelar reserva de hotel e estornar valor sem multa, decide juiz

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A epidemia do novo coronavírus se caracteriza como caso fortuito externo, cuja ocorrência era imprevisível por parte da ré e também da autora da ação, motivo pelo qual não se pode falar em culpa exclusiva do consumidor.

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Com esse entendimento, o juiz Udo Wolff Dick Appolo do Amaral, da Vara do Juizado Especial Cível de Barueri, condenou um site de reserva de hotéis a cancelar, sem multa, as reservas feitas por um consumidor, além de estornar o valor de R$ 5,5 mil previamente pago. A autora da ação alegou que o cancelamento da viagem ocorreu em razão da epidemia de Covid-19.

De acordo com o magistrado, diante do caso fortuito externo, “a obrigação de fazer concernente ao cancelamento das reservas é medida que se impõe à ré”. Ele determinou que o cancelamento da reserva seja feito sem a incidência de multa ou quaisquer abatimentos, sob pena de enriquecimento ilícito, pois, “repita-se, a autora não deu causa” a isso.

“A cláusula de reserva não-reembolsável não se aplica no caso vertente dada a completa imprevisibilidade do evento determinante para o cancelamento. Ademais, os próprios países que eram destinos do autor proibiram a entrada de turistas em seus territórios por causa da pandemia, o que inviabilizaria completamente a prestação dos serviços contratados”, concluiu.

1003997-66.2020.8.26.0068

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2020, 7h21

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Thaís Oliveira: Dispensa de licitação e “Lei do Coronavírus”

A imprevisível crise da pandemia do novo coronavírus gera fortes impactos sociais, econômicos e políticos. Por consequência, o regime de contratações públicas foi cabalmente afetado, em diversos âmbitos. Diante desse cenário, o poder público precisa adotar medidas urgentes para solução de problemas extraordinários de várias ordens. A urgência da situação clama pela flexibilização dos trâmites e exigências nos procedimentos administrativos.

Nesse contexto, foi publicada a Lei n.º 13.979/2020, popularmente conhecida como “Lei do Coronavírus”, que prevê nova hipótese de dispensa de licitação:

Artigo 4º — É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei”.

O §1º do supracitado artigo 4º estabelece que essa hipótese de dispensa é temporária, aplicando-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública. Trata-se, portanto, de lei excepcional, conforme prevê a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Segundo os juristas Luciano Elias Reis Marcus e Vinícius Reis de Alcântara, tal prazo não poderá ser superior ao que for declarado pela OMS [1].

Cumpre ressaltar que a referida lei é uma norma geral de licitações e contratos públicos, nos termos do artigo 22, XXVII, da Constituição Federal. Aplica-se, portanto, a Administração Pública direta e indireta, além de abranger todos os entes federativos, que poderão regulamentá-la, considerando suas respectivas competências. Importante esclarecer que, embora as estatais sejam regidas atualmente pela Lei 13.303/2016, a hipótese de dispensa também se aplica a estas, pois o diploma abrange todo e qualquer contrato necessário ao enfrentamento da emergência de saúde pública [2].

Frisa-se que essas contratações de objetos relacionados à solução da crise de enfrentamento não dispensam a observância aos princípios regentes da Administração Pública. Nesse sentido, leciona o professor Marçal Justen Filho:

A pandemia pode gerar situações de atendimento imediato, insuscetível de aguardar dias ou horas. Basta considerar hipóteses em que instalações ou serviços de terceiros sejam indispensáveis para tentar evitar o óbito de um sujeito ou para impedir a disseminação do vírus. É evidente que as regras constitucionais, que privilegiam o atendimento às necessidades coletivas e a realização do interesse público, impõem a adoção de medidas práticas e efetivas por parte da Administração Pública, independentemente, de formalização num procedimento administrativo burocrático” (JUSTEN FILHO, 2020, pg. 2) [3].

O princípio da publicidade deve ser cabalmente observado, conforme dispõe o artigo 4º §2º, devendo o procedimento ser publicado em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet). Os professores Luciano Elias Reis e Marcus Vinícius Reis de Alcântara entendem que não é necessária a publicação em imprensa oficial, por não haver menção à utilização subsidiária da Lei nº 8.666/1993, além de considerarem a publicidade na internet mais eficaz e transparente do que a realizada no diário oficial [4].

Importante ressaltar que a lei não abre a possibilidade de dispensa de licitação para nenhuma outra necessidade pública senão às inerentes ao combate da  pandemia, no que se refere à “emergência de saúde pública”. Desse modo, é necessário avaliar se a hipótese de contratação realmente tem como causa à situação de calamidade, sob pena de burlar o dever constitucional de licitar.

As hipóteses de contratação direta no ordenamento jurídico brasileiro, em regra, são dispostas na Lei 8.666/93. A MP 926/2020, em seu artigo 4º-B, traz um elenco de situações com presunção absoluta de atendimento aos requisitos de contratação direta: a) ocorrência de situação de emergência; b) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência;  c) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;  e d) limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.      

Presume-se, portanto, preenchidas as circunstâncias autorizadoras de contratação direta, nas hipóteses listadas pelo supracitado dispositivo legal. O legislador teve a intenção de proteger o gestor público e o contratante de eventual responsabilização por eventual alegação de que a hipótese contratada não se trata de emergência ou calamidade pública.

A decisão se mostra necessária na medida em que a realização de um procedimento licitatório poderia inviabilizar o objeto do contrato, considerando a morosidade, seja na fase interna ou externa. Marçal Justen Filho leciona, contudo, que “alguma espécie de emergência deve existir para autorizar a dispensa de licitação”. A hipótese de dispensa não abrange um procedimento de contratação em que o serviço ou produto não possam ser efetivado em um curto intervalo de tempo.

Não obstante, a contratação direta deve observar os  princípios e normas básicas que regem a Administração Pública, de modo a atender a contratação mais vantajosa, isonomia, transparência e publicidade. Desse modo, necessária a abertura de um procedimento administrativo, para análise de preços de obras e serviços, sempre atendendo ao princípio da motivação, justificando a escolha do objeto e preço contratado.

O artigo 8º do Decreto Federal nº 10.024/2019 prevê, entre outras exigências, a apresentação de estudos preliminares nos processos que envolvem o pregão eletrônico. O artigo 4º-C da MP 926/2020, por sua vez, dispensou a elaboração destes estudos preliminares, quando se tratar de “bens e serviços comuns”. O conceito de bem ou serviço  comum é trazido pela Lei 10.520/2002, que define como “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”.

O artigo 4º-E da “Lei do Coronavírus” estabelece um procedimento simplificado para contratações, admitindo a apresentação do “termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado”. Exigem-se, no entanto, algumas condições para o termo como: a) declaração do objeto; b) fundamentação simplificada da contratação; c) descrição resumida da solução apresentada; d) requisitos da contratação; e) critérios de medição e pagamento; f) estimativas dos preços obtidos; e g) adequação orçamentária.

Em relação à estimativa de preços, a lei impõe o atendimento a, no mínimo, um dos parâmetros estabelecidos pelas alíneas do inciso VI, do §1º do artigo 4º-E, quais sejam: a) Portal de Compras do Governo Federal; b) pesquisa publicada em mídia especializada; c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) contratações similares de outros entes públicos; ou e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores.

Não obstante, o §2º do artigo 4º-E excepciona a exigência do atendimento a tais parâmetros: “Excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços de que trata o inciso VI do caput”. Essa exceção se aplica apenas a situações excepcionalíssimas, que não permitem a pesquisa da estimativa quanto ao preço.

“Artigo 4º-E, § 3º — Os preços obtidos a partir da estimativa de que trata o inciso VI do caput não impedem a contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

4º-F  Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do artigo 7º da Constituição”.

    Esse dispositivo é aplicável apenas quando não houver outro modo de atender a necessidade pública, senão contratando as empresas sem a regularidade fiscal ou trabalhista ou mais de um requisito para habilitação.

    Marçal Justen Filho leciona: “Admite-se o afastamento de apenas alguns requisitos de habilitação ou da sua generalidade. Anote-se que a MP 926, ressalvou os requisitos de habilitação exigíveis em nível constitucional. Não se admite a contratação de sujeitos em débito com a seguridade social ou que infrinjam limites atinentes à utilização do trabalho de menores” [5].

    Por fim, o artigo 4º-G da “Lei do Coronavírus” prevê disposições relativas à modalidade de licitação pregão:

    “Artigo 4º-G  Nos casos de licitação na modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade. 

    § 1º  Quando o prazo original de que trata o caput for número ímpar, este será arredondado para o número inteiro antecedente.

    § — Os recursos dos procedimentos licitatórios somente terão efeito devolutivo”.

    Marçal aponta que essa previsão do artigo 4º-G denota que nem sempre será necessário ao Administrador Público adotar a dispensa de licitação. Desse modo, a administração pode se utilizar também do pregão simplificado. O administrativista aponta o problema hermenêutico gerado, na medida em que  a lei trouxe presunções absolutas da possibilidade de dispensa para situações emergência [6]. Para compatibilizar o possível problema gerado, entende-se que existe competência discricionária da Administração Pública, para escolher entre as duas alternativas, tendo em vista o caso concreto. Para casos mais urgentes, o poder público poderá se valer da contratação direta. Para casos menos urgentes, o poderá ser realizado o pregão, se não houver risco para o interesse público.

    Se for realizado o pregão, este pode ser feito de modo simplificado, ou seja, adotando-se o termo de referência simplificado, trazido pela MP 926, além de prazos reduzidos pela metade e recursos apenas no efeito devolutivo. Assim, a lei do pregão, que prevê prazo mínimo de oito dias úteis entre a publicação do edital e o recebimento das propostas, será reduzido para quatro dias úteis.

    O prazo de apresentação das razões recursais passará a ser de um dia  útil. O  prazo de até três dias úteis anteriores à data de abertura da sessão pública para impugnação do edital, previsto pelo Decreto 10.024, será reduzido para apenas um dia útil.

    Por fim, cumpre ressaltar que a “Lei do Coronavírus” não afasta por completo o artigo 26 da Lei 8.666/93, que prevê formalidades a serem observadas na dispensa de licitação. Desse modo, a justificativa dos objetos contrato, sujeito e preço continua plenamente exigível, além da observância de todos os princípios regentes da Administração Pública. Por outro lado, os órgãos de controle deverão levar em consideração todos os obstáculos práticos enfrentados pela Administração, ao analisar as hipóteses de contratação direta, enquanto perdurar a crise do coronavírus.

    Referências bibliográficas
    FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 6. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

    JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

    JUSTEN FILHO, Marçal. Efeitos Jurídicos da Crise sobre as Contratações Administrativas, 2020. Disponível em: < https://www.justen.com.br/pdfs/IE157/IE%20-%20MJF%20-%20200318-Crise.pdf >. Acesso em 21/4/2020.

    JUSTEN FILHO, Marçal. Um Novo Modelo de Licitações e Contratações Administrativas?, 2020. Disponível em < https://www.justen.com.br/pdfs/IE157/IE%20-%20MJF%20-%20200323_MP926.pdf  > Acesso em 21/4/2020.

    LIMA, Edcarlos Alves. Aquisição de bens e insumos e contratação de serviços para o enfrentamento da emergência gerada pela pandemia do novo coronavírus. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 15 de abr. de 2020. Disponível em: < http://www.zenite.blog.br/aquisicao-de-bens-e-insumos-e-contratacao-de-servicos-para-o-enfrentamento-da-emergencia-gerada-pela-pandemia-do-novo-coronavirus > Acesso em 21/4/2020.

    MENDES, Renato Geraldo. Zênite Fácil, Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24. Disponível em: < http://www.zenitefacil.com.br. > Acesso em 21/4/2020.