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Direitos instituídos na nova lei trabalhista e o PLC 15/2020

O presente artigo tem por escopo rápida e objetiva abordagem dos principais trechos do Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020 (fruto da MP 936), após a aprovação pelo Congresso, a fim de oferecer visão trabalhista panorâmica e estratégica aos gestores de empresas e operadores do direito, assim como dar conhecimento aos trabalhadores de direitos instituídos.

A Medida Provisória 936, do último dia 1º de abril, teve por objeto a instituição do Programa Emergencial do Emprego e da Renda e dispôs acerca de medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública, nomeadamente instituição do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, combinada com a redução proporcional de jornada e de salários e/ou a suspensão temporária do contrato de trabalho. 

Durante o trâmite legislativo, já convertida no Projeto de Lei de Conversão 15 de 2020, passou a tratar em seu art. 32, de matérias abarcadas pela MP 905[3]. Tais temas, no entanto, foram impugnados ao argumento de tratar-se de assuntos estranhos ao escopo da MP 936, ficando rejeitados por maioria.

Acabou por abarcar, no entanto, a Lei 10.101 de 2000, que cuida da participação nos lucros e resultados, especialmente para autorizar a instituição de programa de resultados para entidades do terceiro setor, tal como já defendíamos dado o direito constitucional do empregado de tais entidades.[4]

O principal ponto do PLC 15, contudo, diz respeito à possibilidade de ampliação do prazo das medidas emergenciais previstas na MP 936, consoante se passa a abordar.

Possível ampliação do período das medidas
A MP 936, consoante redação dos arts. 7º e 8º, prevê a redução de jornada e salário proporcionais por até 90 (noventa) dias e a suspensão dos contratos de trabalho por até 60 (sessenta) dias, respectivamente. Tais medidas podem ser combinadas, desde que respeitado o prazo máximo de 90 (noventa) dias.

A novidade do aprovado PLC 15 está nos artigos 7º, §3º; 8º, §6º; 16; 16, parágrafo único; e 18, parágrafo único, que outorgam ao Executivo a faculdade de prorrogar o prazo máximo de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão de contratos inicialmente previstos, o que espera-se seja levado a efeito já nos próximos dias[5], após a sanção da lei pelo Presidente da República.

Aplicação setorial das medidas
O texto final aprovado pelo Congresso espanca qualquer dúvida quanto à possibilidade de uso das medidas de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e/ou suspensão de contratos, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, tal como previsto em seus arts. 7º e 8º, o que confere ao empregador a possibilidade de gerir o negócio por área ou setor, de acordo com as necessidades do mercado, tomando-se o cuidado com práticas que possam ter conotação discriminatória ou não isonômica.  

Contribuição do segurado
O art. 7º, § 2º do PLC 15 permite a complementação dos valores de recolhimento pelo segurado do INSS durante a redução da jornada de trabalho e de salário, ou mesmo o recolhimento como segurado facultativo nos casos de suspensão de contrato de trabalho.

Dedução de IR no pagamento da ajuda compensatória
A exemplo da previsão constante do texto original da MP 936, voltada à empresa que recolhe imposto de renda com base no lucro real, os valores da ajuda compensatória podem também ser deduzidos para efeito de apuração de IR quando se trata de rendimentos do trabalho não assalariado da pessoa física,[6] empregador doméstico e o resultado da atividade rural.[7]

Gestante
O art. 22, a exemplo do art. 10 do texto aprovado, deixa indene de dúvidas a possibilidade de a empregada gestante, inclusive a doméstica, participar do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, observadas as condições estabelecidas no PLC 15.

Na forma dos §§ seguintes, e por evidente, se ocorrido o evento caracterizador do início do benefício de salário-maternidade, o empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia, e a empregada ingressará em auxílio maternidade, pago com base no salário de contribuição, considerado para tanto o valor relativo ao período anterior à redução de jornada e salário e/ou suspensão de contrato, valendo a mesma regra, na forma do art. 22, para a adoção de criança.

Garantia de emprego gestante
A garantia de emprego prevista pela MP 936, relativa ao período de aplicação das medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos, deve ser computada para a gestante, na forma do art. 10, inciso III, a partir do término da garantia legal de emprego já existente nesta condição, ou seja 5 meses após o parto, consoante alínea b do inciso II do caput do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Impossibilidade de negociação individual
Empresas com faturamento superior a R$ 4.800.000
Em sua redação original, a MP 936 previa que o acordo poderia ser firmado com qualquer empregado, desde que limitada a 25% de redução de jornada e salário, ou sem essa limitação, desde que o empregado percebesse menos do que três salários mínimos (R$ 3.145) ou detivesse a condição de autossuficiente (salários superiores a dois valores do RGPS e portador de diploma de nível superior).

Há importante modificação no texto final aprovado. Com efeito, consoante art. 12, fica vedado o acordo individual para empregado com salário igual ou inferior a R$ 2.090, na hipótese de o empregador ter auferido, no ano-calendário de 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000, observada a ressalva do §1º do mesmo artigo.

Com efeito, ainda que não enquadrado nas condições admissíveis para o acordo individual, este pode ser firmado quando do acordo não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste valor o Benefício Emergencial, a ajuda compensatória mensal e, em caso de redução da jornada, o salário pago pelo empregador.

Aposentados
Considerada a regra de vedação de percepção do BEm (Benefício Emergencial) pelos aposentados, e conforme art. 12, § 2º, a redução de jornada e salários e/ou suspensão de contratos só será admitida para empregados em gozo de aposentadoria quando, além do enquadramento em alguma das hipóteses de autorização do acordo individual de trabalho, o empregador pagar ajuda compensatória mensal, equivalente no mínimo ao benefício que o empregado receberia se não houvesse a vedação ao percebimento, tomando o seguro desemprego como base de cálculo.

Já se a empresa teve faturamento superior a R$ 4.800.000 em 2019, a ajuda compensatória mensal deverá ser no mínimo igual aos 30% que o empregador já deveria arcar, somado ao valor da ajuda compensatória equivalente ao seguro desemprego que caberia não fosse a vedação.

Digitalização
Observado o cenário de digitalização, inaugurado mais fortemente com a Lei da Liberdade Econômica, e na forma do Decreto 10.278, somado ao isolamento social, o art. 12, § 3º, expressamente prevê que os acordos individuais escritos poderão ser realizados por quaisquer meios físicos ou eletrônicos eficazes.

Conflito de conteúdo entre normas coletivas e acordos individuais
O art. 12, §5º, do PLC 15, expressamente prevê que o acordo individual produz seus efeitos até que sobrevenha norma coletiva, passando a partir de então a se observar o teor do acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, salvo se o acordo individual for mais benéfico, quando este prevalecerá.

Ultratividade da norma coletiva
Consoante art. 17 do texto aprovado, as cláusulas das convenções coletivas ou dos acordos coletivos de trabalho vencidos ou vincendos[8] no período do estado de calamidade pública, permanecerão sendo aplicados aos contratos individuais de trabalho, salvo se sobrevier novo instrumento coletivo.

Vedação da dispensa de pessoa com deficiência
Como norma de proteção, o art. 17, inciso V, expressamente veda a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência. Antes da MP 936, a dispensa já poderia ser objeto de discussões judiciais, especialmente quando implicasse em descumprimento de cota. Com a medida, gera-se uma obrigação inescusável para o empregador em prol do social.

Opção pelo melhor benefício

Como se sabe, é vedada a cumulação do BEm (Benefício Emergencial para Manutenção do Emprego e da Renda) com auxílio emergencial. Disciplina, no entanto, o art. 18, § 5º, a garantia do direito ao melhor benefício.

Cancelamento do aviso prévio
Nem precisaria, pois já albergado pela autonomia da vontade,  mas o art. 23 do PLC 15 expressamente prevê que empregador e empregado podem, em comum acordo, optar pelo cancelamento de aviso prévio em curso.

Repactuação de operações bancária
Visando preservar a dignidade dos trabalhadores atingidos por medidas de redução de jornada e salário e/ou suspensão de contratos de trabalho, ou mesmo contaminado pela Covid-19,[9] o art. 25 do PLC 15 prevê durante a vigência do estado de calamidade pública, a opção pela repactuação das operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil contraídas com o desconto em folha ou remuneração, de que trata a Lei nº 10.820.

E ainda, se repactuado, garantido o direito à redução das prestações na mesma proporção da redução salarial, com carência de até 90 (noventa) dias, e mantidas as condições financeiras de juros e encargos, ou mesmo diminuídas se a instituição assim entender.

Empregados dispensados até 31 de dezembro de 2020, a seu turno, terão direito à novação das operações para um contrato de empréstimo pessoal, com o mesmo saldo devedor anterior e as mesmas condições de taxa de juros, encargos e garantias originalmente pactuadas, acrescida de carência de até 120 dias.

Garantia de mínimo existencial
Na forma do art. 28 do PLC 15, o empregado, inclusive o doméstico, dispensado sem justa causa durante o estado de calamidade pública, perceberá o valor de R$ 600 durante três meses, se não preencher os requisitos de habilitação ao seguro-desemprego.[10]

Na mesma esteira de garantia de um mínimo existencial, o beneficiário que tenha direito à última parcela do seguro-desemprego, nas competências de março ou abril do ano de 2020, fará jus ao recebimento do benefício emergencial, no valor de R$ 600 mensais, pelo período de três meses a contar da competência de recebimento da última parcela.

Fato do Príncipe — Inaplicabilidade
Lembram da manifestação do Presidente da República de que “se o governador ou prefeito mandarem fechar o comércio … tem um artigo lá na CLT que diz que eles pagam a conta!”

Referia-se o Presidente ao art. 486 da CLT, que cuida do fato do príncipe, utilizado por várias empresas que demitiram trabalhadores sequer observando o pagamento das verbas rescisórias previstas no diploma que trata da matéria.

Pois bem, o art. 30 do texto aprovado deixa claro que o art. 486 da CLT não se aplica na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, para o enfrentamento do estado de calamidade pública.

Benefícios fiscais
O PLC 15 trata ainda da prorrogação dos benefícios fiscais de 17 setores, dentre os quais tecnologia e construção civil, o que servirá, espera-se para auxiliar as empresas na manutenção de empregos e da atividade econômica, e na retomada do crescimento.

Considerações finais
Em rápidas pinceladas, sem a menor ousadia de esgotar a matéria, julga-se cumprida a missão de oferecer um panorama geral sob o viés trabalhista quanto ao texto aprovado no Projeto de Lei de Conversão 15, de 2020.

[3] Que foi retirada de pauta pelo Governo ante o anúncio do Senado de que não a votaria dentro do prazo legal. Dentre as medidas, alteração da jornada dos bancários, compensação dos valores pagos a título de gratificação de função para bancários, na hipótese de deferimento de horas extras, regras de negociação coletiva para os bancários; além de alteração do art. 457 e outros dispositivos da CLT a fim de deixar clara a natureza não salarial da alimentação; assim como fixação da correção monetária dos débitos trabalhistas para após a sentença; previsão expressa de uso do depósito recursal para diminuição de valores de condenação trabalhista e substituição do depósito recursal a qualquer tempo por fiança bancária ou seguro judicial, sem exigência de acréscimo no valor do depósito, dentre outros.

[8] salvo as que dispuserem sobre reajuste salarial e sua repercussão nas demais cláusulas de natureza econômica,

[10] Já o intermitente, diante das regras próprias do art. 18, não perceberá o benefício emergencial na hipótese de extinção de contrato de trabalho.

Célio Pereira Oliveira Neto é doutor, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor em cursos de pós-graduação, membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ), da Comunidad para la Investigación y el Estudio Laboral y Ocupacional, coordenador do Conselho de Relações do Trabalho da Associação Comercial do Paraná, do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Paraná, diretor jurídico da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, vice-presidente da Comissão da Agenda 2030 do IAB, presidente do Instituto Mundo do Trabalho (IMT) e sócio fundador da Célio Neto Advogados.

 é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital “Coronavírus e os Impactos Trabalhista” (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book “Nova Reforma Trabalhista” (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas “Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista” (Editora LTr, 2019) e “Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada” (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital “Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões” (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos “in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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Eliseu Belo: A emenda da vaquejada e o efeito backlash

Introdução
Em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a Lei cearense nº 15.299/2013, a qual regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural no Estado do Ceará. A ementa do referido julgamento ficou assim redigida:

PROCESSO OBJETIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. (…). VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada” (ADI 4983, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/2016).

Alguns meses depois, sobreveio a Emenda Constitucional nº 96, de 6 de junho de 2017 [1], que acrescentou o §7º ao artigo 225 da Constituição Federal, com a seguinte redação: “Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo [2], não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos”.

Sem a menor dúvida, essa reforma constitucional, ao lado da Lei federal 13.364/2016, constitui uma rápida e forte reação legislativa do Congresso Nacional àquela decisão do STF, na ADI 4983, visando a refutar, de forma clara, o entendimento da corte quanto à inconstitucionalidade da prática conhecida como “vaquejada”.

Curioso notar que essa reação legislativa, por sua vez, desencadeou, logo em seguida, o ajuizamento de duas ADIs no STF: I) ADI 5728, ajuizada pelo Forum Nacional de Proteção e Defesa Animal, de relatoria do ministro Dias Toffoli; II) ADI 5772 [3], ajuizada pelo procurador-geral da República, de relatoria do ministro Roberto Barroso; ambas ainda pendentes de julgamento.

O presente trabalho, diante desse contexto, tem por objetivo apontar, de maneira fundamentada, se a reação legislativa, levada a efeito pelo Congresso Nacional por meio da EC nº 96/2017, é ou não constitucionalmente válida, o que poderá, inclusive, contribuir com o debate que haverá no STF quando do julgamento das duas ações diretas indicadas no parágrafo anterior.

Clique aqui para ler a íntegra do texto

 é promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes-RJ e professor de Direito Constitucional na pós-graduação em Direito Público do Instituto Goiano de Direito (IGD).

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Márcio Luiz Silva: O ‘novo normal’ eleitoral

O presidente da República subscreveu nota na qual se lê: “As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p.ex. a tomada de poder. Também não aceitam tentativas de tomada de poder por outro poder da República, ao arrepio das leis, ou por conta de julgamentos políticos”.

É de conhecimento ordinário que o juízo político, por atender aos imperativos da conveniência e da oportunidade, e porque não lhe exige a Constituição, prescinde de motivação ou fundamentação expressa para sua validade. O mesmo raciocínio não se aplica às decisões judiciais, que precisam sempre ser fundamentadas. E a validade da decisão judicial atende aos requisitos cuja avaliação cabe exclusivamente ao Poder Judiciário…

A Lei Complementar 64/90 dispõe textualmente que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.

Essa disposição normativa não foi imposta pelo Poder Judiciário, apesar de claramente inspirada pela evolução jurisprudencial, mas votada pelo parlamento em 2010. Parlamento esse do qual fora integrante um certo chefe do Executivo.

O juízo político a que a nota faz menção é aplicável ao processo de impeachment para a deliberação eminentemente política quanto à ocorrência de um entre os tantos crimes de responsabilidade perpetrados (a lista é longa e vai desde a apologia à tortura até inépcia na condução de crise sanitária). Ao que indica a manifestação em apreço, não há ânimo por parte do presidente em submissão serena ao artigo 86 da Constituição Federal, por entender demasiado vaga eventual fundamentação por parte dos parlamentares. Isso já seria mais um motivo, nos expressos termos do artigo 85, II e VII, da Constituição…

No entanto, o que causa assombro é eventual insinuação de que o mandato outorgado pelos 55,13% dos votos válidos, presumidamente obtidos em processo legítimo, não possam ser passíveis de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral.

As regras do jogo orientam e integram o sistema democrático. Não basta auferir o maior número de votos se esses foram obtidos mediante vícios. Houve um tempo em que a “potencialidade” desses vícios influírem no resultado em interessante exercício de adivinhação era condição à cassação do mandato maculado. Como se lê a partir da redação da LC 135, de 4 de junho de 2010, o que se espera atualmente é que a regra valha para todos e seus parâmetros sejam efetivamente o limite de cada candidatura. Assim, hoje há o limite de gastos. Gastar um pouquinho acima do que permitido pode até não ser abuso econômico no sentido clássico, mas certamente o é no político. Registrar menos de 30% de candidaturas femininas é abuso passível de cassação de toda a lista de candidatos do partido, tenha individualmente o integrante da lista concorrido ou não para a irregularidade. Isso porque o sistema eleitoral assim preconiza e, portanto, deve ser obedecido.

Ora, atacar um endereço de opositores adulterando o sentido das mensagens durante o processo eleitoral (hoje sabemos o quão irremediáveis as consequências de fake news na formação de opinião) parece, s.m.j., constituir conduta grave.

Beneficiar candidatura por meio de impulsionamento de mensagens patrocinadas por empresários amigos sem que essa despesa haja integrado a prestação de contas também parece, novamente me penitenciando de eventual absurdo, conduta grave e tendente ao desequilíbrio em relação aqueles que obedeceram aos limites impostos.

Seja como for, ao Judiciário caberá analisar as provas produzidas e, fundamentadamente, decidir. Não há espaço ao juízo de mera conveniência ou a oportunidade de correção de rumos. Não é disso que se trata, mas do exercício regular da jurisdição que diz respeito à confiança geral no sistema político. Caso seja sinalizado que invadir endereços eletrônicos, espalhar falsidades e potencializar apoios externos sem controle de despesas é aceitável, abriremos as portas do caos.

Márcio Luiz Silva é advogado eleitoralista.

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Reforma trabalhista não pode reduzir direito adquirido

A Constituição, em seu artigo 5º, protege o contrato, como ato jurídico perfeito, das inovações legislativas. Assim, novas leis não podem incidir sobre relações jurídicas que já estão em curso. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. A decisão foi proferida na última sexta-feira (5/6).

Para TST, Constituição protege ato contrato
Marcos Santos/USP Imagens

O caso concreto envolve um empregado que trabalhava em área de difícil acesso e que ingressou com pedido de horas extraordinárias referentes ao tempo gasto no trajeto entre sua casa e a empresa. 

Antes da reforma trabalhista (Lei 13.467/17), quando o contrato foi firmado, o deslocamento oferecido pela contratante era considerado hora in itinerere, incidindo sobre a jornada. Entretanto, a partir da vigência da reforma, isso parou de valer. 

Desta forma, a empresa solicitou que o pagamento extra se limitasse até o dia 11 de novembro de 2017, data de início da reforma. O TST, entretanto, indeferiu o pedido. 

“A lei não pode incidir sobre relações jurídicas em curso, sob pena de violar ato jurídico perfeito. A parcela salarial, porque integra o núcleo de irredutibilidade na contraprestação pecuniária devida em razão do trabalho, não pode ter a sua natureza retributiva modificada por lei, sob pena de violar direito adquirido”, afirma o relator do caso, ministro Augusto César Leite de Carvalho. 

Ainda segundo o magistrado, “é possível argumentar, com base em precedente vinculante da Corte IDH, que a titularidade de direitos humanos e fundamentais está assegurada apenas à parte vulnerável, ou contratualmente débil, dentre os sujeitos que compõem as relações jurídicas”. 

Desta forma, limitar o direito às horas extraordinárias para período anterior à reforma trabalhista contraria o princípio de proteção, segundo o qual deve prevalecer a condição mais benéfica ao trabalhador. 

Medida Provisória 808/17

De acordo com a empresa, a reforma trabalhista deveria ser imediatamente aplicada aos contratos em curso, levando em conta o disposto no artigo 2 da Medida Provisória 808/17. Segundo a norma, “o disposto na Lei 13.467/17 se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalhos vigentes”. 

Entretanto, segundo explica Ricardo Calcini, professor de pós-graduação da FMU, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e organizador do e-book Coronavírus e os Impactos Trabalhistas, a MP não mais subsiste no ordenamento pátrio, dado que a referida medida não foi convertida em lei ordinária, tendo perdido sua vigência em 2018. 

Ele também explica que o artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina que novas leis terão efeitos gerais e imediatos, desde que respeitado o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. 

“É importante frisar que não se está a afirmar aqui que a Lei da Reforma Trabalhista não seja aplicada aos contratos de trabalho antes em curso à época da produção de seus efeitos. O principal aspecto a ser analisado é saber se, no caso concreto, aquele direito que fora suprimido e/ou reduzido pelo legislador reformista está incorporado ou não ao patrimônio jurídico do trabalhador”, afirma.  

“Portanto”, prossegue, “se o reclamante sempre teve direito às horas extras in itinere, cuja supressão ocorreu após a lei 13.467/17, claro está que o ato jurídico perfeito da condição violadora ao direito não pode ser afetado pela nova disposição legal in pejus”.

Clique aqui para ler a decisão

1102-52.2016.5.22.0101

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Opinião: Processos sinalizam que conta da crise está pendurada

As lojas fechadas, os voos cancelados e os turnos reduzidos por causa da pandemia de coronavírus carregam consigo uma preocupação que vai além da queda imediata da receita ou do uso do caixa para pagar despesas operacionais.

Essas atitudes conduzem aos temidos afastamentos de empregados, redução de carga horária ou demissões. Tudo previsto em lei, ou em Medida Provisória, como é o caso da redução de salários e suspensão de contratos de trabalho (MP 936).

É na hora da demissão que o empregado vai à Justiça cobrar, por exemplo, por horas extras às quais julga ter direito. E a insegurança de renegociar contratos com base numa MP pode ser vista no recente caso da famigerada carteira verde e amarela, criada em 2019 pela MP 905, revogada há menos de um mês.

A medida presidencial, que reduzia os impostos na contratação de jovens, bem como o valor recebido por esses empregados em caso de demissão, caducou por falta de articulação entre governo federal e Congresso. Empregados e empregadores já consultam escritórios de advocacia sobre processos em potencial.

Esse é o tipo de conta que chega bem depois, na ressaca da crise. Demitidos têm até dois anos para processar seus antigos patrões. E processos trabalhistas demoram de 2 a 5 anos para chegar ao fim.

R$ 830 milhões na conta

Já é possível vislumbrar uma senhora fila de processos relacionados à pandemia se formando na Justiça do Trabalho. São 15,8 mil ações trabalhistas que citam, em suas petições iniciais, “covid”, “coronavírus” ou “pandemia”. Somados, os valores das causas chegam a praticamente R$ 830 milhões.

Os dados vêm do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, feito pelo site Consultor Jurídico, com a empresa Datalawyer e a instituição de ensino Finted. E isso é apenas um sinal do que está por vir. Os processos começaram a aparecer só em março.

Uma busca nos diários oficiais mostra que, contra a Petrobras, já são, pelo menos, 90 ações trabalhistas citando a pandemia. As causas somam R$ 8,9 milhões. Contra o Bradesco, são 79, avaliados em R$ 5,6 milhões. Contra o Santander, 60 processos, somando R$ 5,4 milhões.

Há ainda as ações milionárias do Ministério Público do Trabalho obrigando empresas a seguir normas de segurança específicas contra a Covid-19.

O Bradesco afirma que a maior parte das ações contra o banco registradas com base nesse cenário são coletivas e envolvem “aspectos organizacionais das agências”, em caso de incidência da Covid-19. As ações individuais, diz o banco, são “residuais”, com valores semelhantes aos das ações comuns.

Já a Petrobras aponta que muitas das ações classificadas como relacionadas à pandemia são para que a companhia tome ou deixe de tomar alguma atitude (“obrigação de fazer”), de forma que o valor atribuído ao processo não é algo preciso.

“A companhia está investindo mais de R$ 30 milhões em ações de saúde e prevenção para seus colaboradores. Entre as principais medidas adotadas estão a adoção do teletrabalho para cerca de 30 mil trabalhadores”, afirma a petroleira, em nota enviada à coluna.

Fora do caixa

Ainda que os atuais R$ 5 milhões de valor de causa não façam cócegas no lucro de quase R$ 26 bilhões do Bradesco, por exemplo, as três companhias com ação em bolsa já terem tantos processos relacionados ao tema mostram um relance de mais um dos efeitos da Covid-19 na vida do investidor.

É bom ressaltar que as empresas são obrigadas a provisionar os valores para as ações cuja perda é provável, de forma que o dinheiro sai do caixa já antes de qualquer condenação.

E como tirar dinheiro do caixa é sempre um problema, o ideal é estar atento a como a companhia na qual se investe tem se comportado com seus empregados durante a crise.

A situação atípica traz uma nova variável (mais uma!) para sua tomada de decisão na hora de comprar ou vender uma ação. A boa notícia, é que acompanhar o noticiário já pode ajudar nessa tarefa. E se você está lendo essa coluna, é sinal de que se preocupa com isso.

Para quem quiser ir mais fundo, as provisões para processos são listadas pelas companhias no formulário de demonstrações financeiras padronizadas (DFP), acessível pelo site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Se o histórico for de grandes provisionamentos, o “empurrãozinho” da Covid-19 pode se transformar num problemão.

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo.

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Cabral e Ramos: Investimento em ciência, tecnologia e inovação

Não há como enfrentar a crise atual sem reconhecer a essencialidade dos investimentos públicos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). É certo que trabalhar para apagar os incêndios é necessário: ampliar leitos de UTI, adquirir respiradores, kits de EPIs e de testagem e os demais insumos médico-hospitalares, de um lado; amparar os grupos sociais mais vulneráveis e evitar a quebradeira generalizada de empresas, de outro. No entanto, retomar imediatamente os investimentos em CT&I é central para respondermos aos desafios sanitários e econômicos suscitados pelo novo coronavírus.

Estudo de Priscila Koller, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que a tendência de queda do dispêndio do governo federal em pesquisa e desenvolvimento (P&D) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) remete a 2015 [1]. Trata-se do começo do segundo governo Dilma Rousseff, quando o Brasil entraria em recessão e Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda iniciando uma política de cortes de gastos. As políticas de CT&I sentiram na pele.

Em verdade, essa tendência de arrefecimento dos investimentos públicos em CT&I é historicamente observada sempre que há redução de receita decorrente de momentos econômicos de crise [2].

No atual governo, não é possível ignorar o flerte do presidente com posições aparentemente minoritárias no campo científico, que tendem a levar ao isolamento, conforme já reconhecem publicações internacionais [3]. Em termos práticos, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MTIC) foi severamente contingenciado. Em 2019, o MCTIC já tinha a menor previsão orçamentária em 14 anos; como se não bastasse, houve um congelamento de nada menos que 42%, restando apenas R$ 2,9 bilhões para a pasta [4].

Enquanto busca soluções imediatas para cuidar dos seus doentes, a Europa, implacavelmente castigada pela Covid-19, não deixa de considerar o fomento da inovação como estratégico à superação da crise. Em março, chamada foi divulgada pelo Conselho Europeu de Inovação para financiar tecnologias com potencial de contribuir ao tratamento, teste e monitoramento do vírus. As empresas beneficiadas serão startups e pequenas e médias empresas. Só nessa oportunidade, há 164 milhões de euros prometidos [5]. O edital tenta endereçar com tecnologia o drama atual e atende o propósito de estimular empresas de menor porte e de base tecnológica.

O Brasil vem atentando para o papel da CT&I para superarmos a crise? Lenta e, talvez, insuficientemente, mas, sim, a ficha começa a cair.

O Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério da Saúde lançaram edital para financiar pesquisas em distintas áreas de combate ao coronavírus. R$ 50 milhões foram reservados [6]. Voltada para pequenas empresas do estado de São Paulo, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) estruturaram chamada pública para o desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores que contribuam na luta contra a Covid-19. O financiamento é da ordem de R$ 20 milhões [7]. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou edital de R$ 70 milhões para apoiar projetos de pesquisa em áreas como epidemiologia, infectologia e imunologia [8]. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgou cinco linhas de atuação em vista dos efeitos econômicos do coronavírus. Nenhuma delas é explicitamente voltada para o financiamento da inovação, o que é um erro do banco. Contudo, duas parecem amplas e poderiam contemplar projetos inovadores: a “Mais capital de giro” (R$ 5 bilhões) e a “Linha emergencial setor de saúde” (R$ 2 bilhões) [9]. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) criou canal simplificado para financiar inovações que colaborem no diagnóstico, tratamento ou acompanhamento do vírus. R$ 6 milhões foram disponibilizados, sendo R$ 2 milhões voltados para startups e pequenas empresas [10]. Embora não envolvam propriamente financiamento, duas regulamentações recentes merecem nota: a portaria referente à Lei 13.969/2019, a nova Lei de Informática (Portaria MCTIC 1.294, de 26 de março de 2020), e a Lei da Telemedicina (Lei 13.988, de 15 de abril de 2020).

Esses, entre outros, são passos importantes que, porém, não devem ignorar uma agenda mais estrutural de retomada do papel do Estado como incentivador e promotor da CT&I, como estabelece a Constituição de 1988 e como fizeram os países que conseguiram alcançar desenvolvimento tecnológico e econômico.

Entre as medidas, precisamos de:

 Recuperação dos investimentos em escolas, institutos, universidades e demais Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) públicas, o que passa não só por recursos para a infraestrutura material, mas também por valorização do professor e do pesquisador público, até para mitigar o êxodo científico (brain drain);

II  Destinação robusta de recursos aos órgãos de fomento à pesquisa, como CNPq, CAPES e Finep, blindando-os, na medida do possível, das políticas de corte;

III — Assunção do financiamento da inovação como uma das estratégias centrais da atuação do BNDES;

IV  Reabilitação do debate a respeito da política industrial, notadamente quanto ao Complexo Industrial da Saúde [11], a fim de pensar a dinamização tecnológica de setores relevantes aos desafios atuais, mantendo no radar temas como indústria 4.0, inteligência artificial, internet das coisas e 5G [12];

 Utilização das encomendas tecnológicas para fomentar o enfrentamento do risco tecnológico pertinente ao desenvolvimento de medicamentos, vacinas e novos materiais;

VI  Busca de mais parcerias entre os setores público e privado, lançando-se mão, por exemplo, dos mecanismos de compartilhamento de laboratórios e equipamentos ou mesmo de capital intelectual de ICTs públicas, previstos na Lei de Inovação;

VII  Ampliação da presença do Estado em ambientes promotores da inovação, como parques tecnológicos e incubadoras, de modo a mapear as necessidades (de amparo financeiro e facilitação burocrática) de empresas de base tecnológica, especialmente startups;

VIII  Simplificação do acesso aos incentivos tributários da Lei do Bem, inclusive com alteração legal para que se deixe de exigir lucro real das empresas interessadas, sem prejuízo da discussão acerca de outras formas de estímulo fiscal à inovação;

IX  Manutenção dos investimentos em P&D das empresas estatais;

Esforço para a constituição da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, reconhecendo-se que, em tempos de distanciamento físico, a economia se torna, ainda mais, movida a dados, que também alimentam boa parte das soluções tecnológicas utilizadas no combate à pandemia, devendo-se coibir abusos e, ao mesmo tempo, refletir sobre como os dados podem contribuir à superação da crise [13];

XI  Ações no sentido da inclusão digital (ampliação da oferta de internet gratuita, políticas para a compra de smartphones por pessoas de baixa renda, implantação da identidade digital gratuita [14], etc.) e da inclusão financeira (permitindo à população de baixa renda acesso a serviços financeiros aqui, as fintechs e os caixas eletrônicos multibancos podem desempenhar relevante papel). Tais ações se mostram fundamentais para facilitar o alcance dos benefícios sociais do governo e aquecer as economias locais;

XII  Aproveitamento da inteligência de instituições como o Ipea para desenvolver estudos relacionados aos caminhos, do ponto de vista da inovação tecnológica, que podem ser trilhados para a recuperação econômica.

A falta de entendimento nos últimos anos por distintos governos, acentuando-se no atual de que CT&I devem estar entre as prioridades permanentes vai cobrar um preço. Como estamos constatando, optar pelo sucateamento da CT&I sai muito caro.

O Brasil está longe de participar da fronteira tecnológica em numerosos segmentos econômicos. Isso expressa nossa dependência tecnológica. Fruto da herança colonial e do lugar periférico em que nossa economia historicamente se situa, acostumamo-nos a exportar bens primários e importar tecnologia. Esquecemos que garantir investimentos estatais em CT&I é investir em autonomia tecnológica, a partir da dinamização do mercado interno, como consigna o artigo 219 da Constituição de 1988. Buscar mais autonomia tecnológica nos dará condições para o enfrentamento da presente crise e das próximas. Mais do que isso: é pressuposto para sermos soberanos.

 é advogado e doutor em Direito pela USP com doutorado-sanduíche na Universidade Bielefeld (Alemanha) e Fox Fellow pela Universidade Yale.

 é advogado, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Direito Econômico pela USP.

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Empregado que aderiu a PDI consegue manter plano de saúde

Dispensa incentivada

Empregado que aderiu a PDI tem direito de manter plano de saúde

A adesão ao Programa de Dispensa Incentivada (PDI) não impede a manutenção do plano de saúde, desde que o empregado já tenha participado dele por pelo menos dez anos e assuma integralmente o seu custeio. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso de uma empresa contra decisão que havia determinado a manutenção do plano de saúde de um ex-empregado que aderiu ao PDI.

ReproduçãoEmpregado que aderiu a PDI consegue manter plano de saúde

Na reclamação trabalhista, o aposentado relatou que trabalhou por mais de 40 anos na empresa e que rescindiu o contrato em 2013 por meio do PDI. Durante toda a relação empregatícia, ele e seus dependentes fizeram uso do plano de saúde oferecido pela empresa. No entanto, o programa de desligamento previa o encerramento do benefício. Por isso, ele entrou na Justiça.

O relator do recurso de revista, ministro Caputo Bastos, observou que a segunda instância decidiu conforme a jurisprudência do TST e a lei. De acordo com os artigos 30 e 31 da Lei 9.656/1998, que trata dos planos e seguros privados de saúde, o empregado pode manter o benefício nas mesmas condições da época da vigência do contrato de trabalho nos casos de rescisão sem justa causa, desde que assuma o pagamento integral e tenha contribuído para o plano por, no mínimo, dez anos.

De acordo com o relator, o TST também entende que, para a permanência na condição de beneficiário do plano de saúde, é irrelevante que o empregado tenha aderido ao PDI. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

RR-2508-51.2015.5.22.0002

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 19h55

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Parcelamento do FGTS pode ser suspenso por seis meses

O Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ajustou as normas de parcelamento de débitos de empresas levando em consideração os efeitos econômicos da epidemia de Covid-19. As novas diretrizes estão inseridas na Resolução 961/20, publicada na última quinta (7/5) no Diário Oficial da União

Resolução autoriza suspensão de parcelamento do FGTS por seis meses
Divulgação/Caixa

De acordo com o documento, as parcelas com vencimento entre março e agosto de 2020 que se encontram eventualmente inadimplidas não implicarão na rescisão automática do contrato de parcelamento. Ou seja, as empresas terão até seis meses a mais para recolher o FGTS em atraso. 

A resolução também estabelece que, nos casos de quitação das parcelas, fica autorizada a reprogramação de vencimento para acomodar sequencialmente os valores que permanecem em aberto a partir de setembro de 2020, independentemente de formalização de aditamento contratual. Nessa modalidade, entretanto, haverá incidência de atualização, multa e demais encargos. 

Nos novos contratos de parcelamento que vierem a ser firmados até 31 de dezembro de 2020 poderá ser concedida carência de 90 dias para o início do vencimento das parcelas do acordo. Essa carência não se aplicará aos débitos de FGTS rescisórios.

Saneamento

O Conselho Curador do FGTS também autorizou na última terça (5/5) a suspensão temporária, por seis meses, de pagamentos relativos a financiamentos no setor de saneamento básico. 

A permissão não consta na recomendação do último dia sete e responde a uma proposta feita pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) em abril.  A medida busca mitigar os efeitos econômicos do novo coronavírus no setor, que sofre com a queda da arrecadação nos serviços municipais. 

Segundo a Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, a expectativa é gerar um alívio mensal no caixa de R$ 58 milhões para os serviços estatais e de R$ 57 milhões para os privados.

A medida vale para empresas públicas, mistas e privadas que foram atendidas pelo Programa Saneamento para Todos. Os interessados na suspensão devem entrar em contato com a Caixa para abrir solicitação. Com informações da Agência Brasil.

Clique aqui para ler a resolução

Resolução 961/20

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Ramos e Cabral: Investimento em ciência, tecnologia e inovação

Não há como enfrentar a crise atual sem reconhecer a essencialidade dos investimentos públicos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I). É certo que trabalhar para apagar os incêndios é necessário: ampliar leitos de UTI, adquirir respiradores, kits de EPIs e de testagem e os demais insumos médico-hospitalares, de um lado; amparar os grupos sociais mais vulneráveis e evitar a quebradeira generalizada de empresas, de outro. No entanto, retomar imediatamente os investimentos em CT&I é central para respondermos aos desafios sanitários e econômicos suscitados pelo novo coronavírus.

Estudo de Priscila Koller, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que a tendência de queda do dispêndio do governo federal em pesquisa e desenvolvimento (P&D) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) remete a 2015 [1]. Trata-se do começo do segundo governo Dilma Rousseff, quando o Brasil entraria em recessão e Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda iniciando uma política de cortes de gastos. As políticas de CT&I sentiram na pele.

Em verdade, essa tendência de arrefecimento dos investimentos públicos em CT&I é historicamente observada sempre que há redução de receita decorrente de momentos econômicos de crise [2].

No atual governo, não é possível ignorar o flerte do presidente com posições aparentemente minoritárias no campo científico, que tendem a levar ao isolamento, conforme já reconhecem publicações internacionais [3]. Em termos práticos, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MTIC) foi severamente contingenciado. Em 2019, o MCTIC já tinha a menor previsão orçamentária em 14 anos; como se não bastasse, houve um congelamento de nada menos que 42%, restando apenas R$ 2,9 bilhões para a pasta [4].

Enquanto busca soluções imediatas para cuidar dos seus doentes, a Europa, implacavelmente castigada pela Covid-19, não deixa de considerar o fomento da inovação como estratégico à superação da crise. Em março, chamada foi divulgada pelo Conselho Europeu de Inovação para financiar tecnologias com potencial de contribuir ao tratamento, teste e monitoramento do vírus. As empresas beneficiadas serão startups e pequenas e médias empresas. Só nessa oportunidade, há 164 milhões de euros prometidos [5]. O edital tenta endereçar com tecnologia o drama atual e atende o propósito de estimular empresas de menor porte e de base tecnológica.

O Brasil vem atentando para o papel da CT&I para superarmos a crise? Lenta e, talvez, insuficientemente, mas, sim, a ficha começa a cair.

O Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério da Saúde lançaram edital para financiar pesquisas em distintas áreas de combate ao coronavírus. R$ 50 milhões foram reservados [6]. Voltada para pequenas empresas do estado de São Paulo, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) estruturaram chamada pública para o desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores que contribuam na luta contra a Covid-19. O financiamento é da ordem de R$ 20 milhões [7]. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou edital de R$ 70 milhões para apoiar projetos de pesquisa em áreas como epidemiologia, infectologia e imunologia [8]. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgou cinco linhas de atuação em vista dos efeitos econômicos do coronavírus. Nenhuma delas é explicitamente voltada para o financiamento da inovação, o que é um erro do banco. Contudo, duas parecem amplas e poderiam contemplar projetos inovadores: a “Mais capital de giro” (R$ 5 bilhões) e a “Linha emergencial setor de saúde” (R$ 2 bilhões) [9]. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII) criou canal simplificado para financiar inovações que colaborem no diagnóstico, tratamento ou acompanhamento do vírus. R$ 6 milhões foram disponibilizados, sendo R$ 2 milhões voltados para startups e pequenas empresas [10]. Embora não envolvam propriamente financiamento, duas regulamentações recentes merecem nota: a portaria referente à Lei 13.969/2019, a nova Lei de Informática (Portaria MCTIC 1.294, de 26 de março de 2020), e a Lei da Telemedicina (Lei 13.988, de 15 de abril de 2020).

Esses, entre outros, são passos importantes que, porém, não devem ignorar uma agenda mais estrutural de retomada do papel do Estado como incentivador e promotor da CT&I, como estabelece a Constituição de 1988 e como fizeram os países que conseguiram alcançar desenvolvimento tecnológico e econômico.

Entre as medidas, precisamos de:

 Recuperação dos investimentos em escolas, institutos, universidades e demais Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) públicas, o que passa não só por recursos para a infraestrutura material, mas também por valorização do professor e do pesquisador público, até para mitigar o êxodo científico (brain drain);

II  Destinação robusta de recursos aos órgãos de fomento à pesquisa, como CNPq, CAPES e Finep, blindando-os, na medida do possível, das políticas de corte;

III — Assunção do financiamento da inovação como uma das estratégias centrais da atuação do BNDES;

IV  Reabilitação do debate a respeito da política industrial, notadamente quanto ao Complexo Industrial da Saúde [11], a fim de pensar a dinamização tecnológica de setores relevantes aos desafios atuais, mantendo no radar temas como indústria 4.0, inteligência artificial, internet das coisas e 5G [12];

 Utilização das encomendas tecnológicas para fomentar o enfrentamento do risco tecnológico pertinente ao desenvolvimento de medicamentos, vacinas e novos materiais;

VI  Busca de mais parcerias entre os setores público e privado, lançando-se mão, por exemplo, dos mecanismos de compartilhamento de laboratórios e equipamentos ou mesmo de capital intelectual de ICTs públicas, previstos na Lei de Inovação;

VII  Ampliação da presença do Estado em ambientes promotores da inovação, como parques tecnológicos e incubadoras, de modo a mapear as necessidades (de amparo financeiro e facilitação burocrática) de empresas de base tecnológica, especialmente startups;

VIII  Simplificação do acesso aos incentivos tributários da Lei do Bem, inclusive com alteração legal para que se deixe de exigir lucro real das empresas interessadas, sem prejuízo da discussão acerca de outras formas de estímulo fiscal à inovação;

IX  Manutenção dos investimentos em P&D das empresas estatais;

Esforço para a constituição da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, reconhecendo-se que, em tempos de distanciamento físico, a economia se torna, ainda mais, movida a dados, que também alimentam boa parte das soluções tecnológicas utilizadas no combate à pandemia, devendo-se coibir abusos e, ao mesmo tempo, refletir sobre como os dados podem contribuir à superação da crise [13];

XI  Ações no sentido da inclusão digital (ampliação da oferta de internet gratuita, políticas para a compra de smartphones por pessoas de baixa renda, implantação da identidade digital gratuita [14], etc.) e da inclusão financeira (permitindo à população de baixa renda acesso a serviços financeiros aqui, as fintechs e os caixas eletrônicos multibancos podem desempenhar relevante papel). Tais ações se mostram fundamentais para facilitar o alcance dos benefícios sociais do governo e aquecer as economias locais;

XII  Aproveitamento da inteligência de instituições como o Ipea para desenvolver estudos relacionados aos caminhos, do ponto de vista da inovação tecnológica, que podem ser trilhados para a recuperação econômica.

A falta de entendimento nos últimos anos por distintos governos, acentuando-se no atual de que CT&I devem estar entre as prioridades permanentes vai cobrar um preço. Como estamos constatando, optar pelo sucateamento da CT&I sai muito caro.

O Brasil está longe de participar da fronteira tecnológica em numerosos segmentos econômicos. Isso expressa nossa dependência tecnológica. Fruto da herança colonial e do lugar periférico em que nossa economia historicamente se situa, acostumamo-nos a exportar bens primários e importar tecnologia. Esquecemos que garantir investimentos estatais em CT&I é investir em autonomia tecnológica, a partir da dinamização do mercado interno, como consigna o artigo 219 da Constituição de 1988. Buscar mais autonomia tecnológica nos dará condições para o enfrentamento da presente crise e das próximas. Mais do que isso: é pressuposto para sermos soberanos.

 é advogado e doutor em Direito pela USP com doutorado-sanduíche na Universidade Bielefeld (Alemanha) e Fox Fellow pela Universidade Yale.

 é advogado, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Direito Econômico pela USP.

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Coronavírus justifica suspensão temporária de acordo trabalhista

Não se pode deixar de levar em consideração que o Brasil atravessa um momento de grande excepcionalidade por causa da epidemia do novo coronavírus e que isso tem impacto no funcionamento das empresas.

Clique aqui para acessar os dados

do Termômetro Covid-19 em tempo real

Com base nesse entendimento, o juiz Régis Franco e Silva de Carvalho, da 3ª Vara do Trabalho de Barueri (SP), suspendeu temporariamente o pagamento de parcelas de um acordo trabalhista. A decisão é desta terça-feira (5/5). 

O magistrado argumentou que o artigo 775, parágrafo 1 da CLT (Decreto Lei 5.452/43) prevê a possibilidade de prorrogação dos prazos acordados, “pelo tempo estritamente necessário, nas seguintes hipóteses: I — quando o juízo entender necessário; II — em virtude de força maior, devidamente comprovada”. 

“Neste aspecto, portanto, entende este juízo pela possibilidade de que os prazos para cumprimento de acordos homologados possam ser prorrogados, nas restritas hipóteses do  § 1º do artigo 775 da CLT”, afirma a decisão. 

Ainda segundo o juiz, “no caso em tela, a reclamada juntou aos autos documentos que demonstram a suspensão de contratos comerciais e serviços prestados, ocasionando expressiva redução do faturamento da empresa”. 

Número de processos que mencionam coronavírus crescem na Justiça do Trabalho
Kateryna Kon

Anteriormente, havia ficado acordado que a companhia, que atua no ramo da tecnologia, pagaria 10 parcelas de R$ 24 mil a uma ex-funcionária da empresa. Agora, conforme a decisão, a empresa deverá pagar as parcelas com vencimento em abril e maio apenas depois que for quitada a última parcela do acordo.

Aumento da judicialização

Desde que a epidemia começou, os processos trabalhistas, tanto movidos por empregados quanto por empregadores cresceu. É o que mostra o Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, plataforma criada pela ConJur em parceria com a instituição de ensino Finted e a startup Datalawyer Insights.

O levantamento leva em conta processos que possuem os termos “pandemia”, “coronavírus”, “covid” ou “covid-19”. Mais de 10 mil ações que possuem essa nomenclatura foram registradas na Justiça do Trabalho. 

Nesta semana, o valor total das causas ultrapassou os R$ 600 milhões.

Clique aqui para ler a decisão

0004145-42.2013.5.02.0203