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Hospital indenizará transexual por identificá-la como homem

Hospital que ignora o gênero de paciente transexual, tratando-o pelo nome civil em vez do nome social, fere direitos de personalidade assegurados no artigo 5º da Constituição (intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas). Logo, tem o dever de indenizá-lo, como prevê o artigo 927 do Código Civil.

Nome social da paciente não constava do sistema de atendimento do Hospital
Reprodução

Com este entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou os termos da sentença que condenou a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, um dos hospitais mais tradicionais do estado, a pagar R$ 10 mil a título de danos morais a uma paciente transgênero.

Risos e deboches

A autora, embora tenha registro de nascimento com nome masculino, apresenta-se socialmente como mulher, possuindo identidade com nome social feminino. No dia da consulta médica, quando chamada pela atendente do médico pelo nome civil, disse que se sentiu humilhada e discriminada, pois seu nome social não constava no prontuário médico — apenas refletia o registro civil.

Depois de ser alvo de risos e deboches por parte de dois médicos, ela resolveu se queixar na direção da Santa Casa. Acompanhada do secretário-coordenador de Diversidade Sexual e Gênero do Município de Porto Alegre, Dani Boeira, ela buscou saber por que motivo seu nome social não constava do sistema de atendimento. Em resposta, o hospital admitiu, à época dos fatos, que não havia a possibilidade de inclusão do nome social no cadastro de pacientes.

No primeiro grau, a juíza Keila Silene Tortelli, da 1ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, julgou totalmente procedente a ação indenizatória, que tramitou sob segredo de justiça. Para a juíza, os fatos que geraram o abalo extrapatrimonial foram confirmados por depoimentos de terceiros. A testemunha Dani — destacou a juíza — relatou que “esse tipo de tratamento despendido a pessoas transexuais afeta sobremaneira a psique, levando alguns, inclusive, ao suicídio”.

Nome social no prontuário

No segundo grau, a relatora da apelação no TJ-RS, desembargadora Isabel Dias Almeida, afirmou que o simples fato da autora não ser tratada pelo gênero feminino — quando a aparência dizia tudo — já é capaz de gerar abalo à dignidade, ensejando o dever de indenizar.

A desembargadora também destacou que o hospital deixou de observar os artigos 3º e 4º do Decreto 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento de identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais. Diz o artigo 4º: “Constará nos documentos oficiais o nome social da pessoa travesti ou transexual, se requerido expressamente pelo interessado, acompanhado do nome civil’”.

Administrativamente, desde 2009 — observou a julgadora —, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria 1.820, já contemplava a necessidade de um campo específico para colocar o nome social do usuário da rede pública. Segundo o inciso I do parágrafo único do artigo 4º da Portaria, em todo o documento do usuário do sistema público de saúde deve ter um campo para se registrar o nome social, ‘”independente do registro civil, sendo assegurado o uso do nome de preferência”’.

Falha na prestação de serviço

Para a desembargadora, a falta de clareza no prontuário da usuária gerou uma situação desagradável e desnecessária que, inclusive, perdurou até a data da audiência judicial. Nessa cerimônia, registrou no voto, os prepostos da parte ré ainda referiam-se à autora pelo gênero masculino “ele”.

‘”Logo, resta verificada a falha na prestação de serviço operada pela parte ré [artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor], pois, tal como especificado na Portaria supracitada, todo o usuário do sistema de saúde tem o direito a um atendimento ‘humanizado e acolhedor’, sendo que o direito rudimentar da autora, uso do nome social da pessoa travesti ou transexual, restou violado’”, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 6 de abril.

Clique aqui para ler o acórdão

Clique aqui para a íntegra da Portaria 1.820/2009

Apelação cível 70083614735

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

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Juiz de SP reduz em 80% valor de aluguel, por 90 dias

Por Covid-19 e assalto

Juiz de São Paulo reduz em 80% valor de aluguel, por 90 dias

Por 

Em virtude da edição de decretos pelo município e estado de São Paulo — que determinaram a suspensão das atividades de atividades consideradas não essenciais — o juiz Carlos Bortoletto Schmitt Corrêa, da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa, na capital paulista, determinou desconto de 80% no valor mensal de aluguel, por 90 dias.

Principal motivação da decisão foi crise causada pela epidemia de Covid-19Kateryna Kon

Os decretos (59.283, da cidade de São Paulo, e 59.285, normativa estadual) foram editados com o objetivo de enfrentar a crise sanitária decorrente da epidemia de Covid-19.

A autora da ação é empresa que atua no ramo de joalheria e foi defendida pelos advogados Bruno de Carvalho Silva e Graziella dos Santos Dias. Eles invocaram as teses da teoria da imprevisão, fato do príncipe e onerosidade excessiva.

Além da queda vertiginosa no faturamento — causada pela suspensão das atividades comerciais —, a empresa demonstrou ter sido vítima de um assalto, no início do ano, o que também contribuiu para sua situação de penúria.

Ao deferir parcialmente o pedido cautelar,o juiz também suspendeu a ordem de despejo e/ou aplicações das multas e restrições ao crédito, até deliberação final. 

Clique aqui para ler a decisão

1004363-06.2020.8.26.0004

 é editor da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 1 de maio de 2020, 17h13

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TJ-MG suspende pensão de filha de militar que vive em união estável

Justiça confirma decisão de Instituto de Previdência dos Servidores Militares que suspendeu benefício de filha de militar
Jintana Pokrai

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a decisão do Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM) de cancelar a pensão que uma mulher recebia desde julho de 1970 pelo falecimento de seu pai, que era major da Polícia Militar de Minas Gerais.

O benefício passou a ser questionado assim que o IPSM tomou conhecimento de que a pensionista vivia em união estável e instaurou procedimento administrativo para investigação da notícia. A filha de militar tem direito à pensão apenas se for solteira ou viúva.

Insatisfeita com a suspensão do benefício e do plano de saúde, a pensionista acionou a justiça, mas perdeu em primeira instância. No recurso, ela argumentou que não mora com o pai de seus dois filhos; contudo, os magistrados entenderam que ela vive em união instável com o companheiro.

Foram colhidos depoimentos de vizinhos que confirmaram o fato, além de a mulher ter perfil em redes sociais em que se apresenta com o sobrenome do companheiro. Conforme o relator do recurso, o juiz convocado José Eustáquio Lucas Pereira, a união estável foi reconhecida pela Constituição Federal de 1988 como entidade familiar, equiparada ao casamento pela semelhança entre ambos.

“Há em ambos o comprometimento e assistência mútuos, a comunhão de vida e do patrimônio do casal, a divisão de responsabilidades e os contornos de entidade familiar; divergindo os institutos somente quanto ao modo de constituição, já que a união estável nasce da consolidação do convívio, prescindindo de qualquer formalidade legal para seu início”, afirmou.

O magistrado ainda analisou que, no procedimento administrativo instaurado pelo IPSM, foram incluídas diversas provas nas quais a mulher e/ou seu companheiro se identificaram com o estado civil de casados.

Algumas fotos anexadas ao processo também demonstraram que o casal mantém relacionamento público, porque aparece junto em imagens divulgadas nas redes sociais. Há fotografias em vários eventos, mostrando a constituição da união estável.

“Este fato foi corroborado pela oitiva dos vizinhos da recorrente, os quais afirmaram que o homem é companheiro da agravante e que ambos residem juntos”, concluiu o relator. Os dados do processo não serão informados para resguardar a identidade da autora. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MG.

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Crise do coronavírus aumenta procura por financiamento de litígios

O financiamento de litígios está em alta na crise do coronavírus. O volume aumentou 600% em comparação com o período pró-crise, disse a empresa do ramo Pró Solutti ao jornal Valor Econômico.

Coronavírus fez com que empresas buscassem aumentar dinheiro em caixa
Reprodução

Nesse mercado, o financiador repassa ao autor da ação um percentual de 30% a 70% do valor que ele receberia se ganhasse a causa. A porcentagem é definida com base na chance de êxito, considerando-se, por exemplo, a jurisprudência sobre a controvérsia e o tempo médio para se chegar a uma decisão final. Se perder a ação, o financiador não será reembolsado.

Outro tipo de financiamento é semelhante a um empréstimo. Ou seja, o financiador antecipa a quantia e cobra juros durante a tramitação do processo. Nesse caso, porém, a parte deve devolver o adiantamento se for derrotada.

Há diversas vantagens para empresas financiarem litígios. Entre elas, assegurar valores (afinal, o ganho nunca é totalmente garantido em um processo), manter o balanço patrimonial intacto, o que preserva o preço das ações, e evitar destinar capital de giro para ações.

A crise econômica causada pelo coronavírus aumentou a necessidade de empresas terem dinheiro em caixa para pagar empregados e fornecedores. Para isso, muitas têm ido à Justiça pedir a substituição de depósitos judiciais por seguros-garantia. Outra opção tem sido vender créditos de ações.

Advogados trabalhistas e sindicatos vêm sendo os maiores clientes de financiadores na crise, disse Rodrigo Valverde, sócio da Pró Solutti, ao Valor Econômico. Ele afirma que a medida é importante para advogados que vivem de êxito, pois, com os prazos suspensos, os profissionais estão sem receber.

Casos que envolvem a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins – tese já decidida pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda pendente de modulação – têm sido constantemente financiados, afirmou ao Valor Marcos Oliveira, sócio-fundador da Juscredi. Contudo, ele ressalta que, com a crise, entes estatais podem demorar a pagar precatórios.

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CNJ, CNMP, TJ-SP, OAB e especialistas discutem regras da crise

Freio de arrumação

CNJ, CNMP, TJ-SP, OAB e especialistas discutem regras da crise

Na segunda-feira (20/4), gestores em cargos estratégicos da Justiça e estudiosos do Direito encontram-se na TV ConJur, a partir das 15h para falar das opções viáveis, dentro do quadro jurídico vigente, para tentar equacionar os dramas advindos da epidemia que quase parou o Brasil.

Na Mesa, o corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça, Humberto Martins, também ministro do STJ; o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz; o presidente do TJ-SP, Geraldo Pinheiro Franco; a conselheira e o conselheiro do CNMP Sandra Krieger e Otavio Luiz Rodrigues; o civilista Sílvio Venosa, sócio do Demarest Advogados; e o professor da USP Fernando Campos Scaff.

O seminário As Regras Emergenciais em Tempos de Covid-19 tem a curadoria do também professor da USP Otavio Luiz Rodrigues, que fará a mediação do evento. Segundo o professor, que coordenou a redação da versão inicial do Projeto de Lei 1.179, a meta do webinário, em sua quarta edição, não é sugerir novas leis ou revogar leis existentes, “mas identificar o que seja o bom senso no enfrentamento dessa crise, com o uso das normas em vigor.”

O evento abordará a forma como o sistema de justiça vem atuando para fazer frente à pandemia do coronavírus. Os oradores ocupam posições estratégicas. O CNJ baixou recomendações na área de direito privado. O TJ-SP e seus magistrados estão agindo com firmeza para manter a segurança jurídica dos contratos. O CNMP, com um grupo especial para centralizar as ações em torno do coronavírus, tem buscando centralizar a ação dos diferentes ramos do Ministério Público. A OAB se manifestará sobre como a advocacia deve se portar no momento atual. Os efeitos do PL 1.179 sobre a vida em condomínios serão abordados por Silvio Venosa e Fernando Campos Scaff.

Acompanhe aqui o seminário, a partir das 15h de segunda-feira (20/4):

Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2020, 15h20

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Instituição deve indenizar por sequestro em suas dependências

Falha do instituto

Instituição de ensino deve indenizar por sequestro em suas dependências

Por 

O estabelecimento, comercial ou de ensino, tem obrigação de guarda e vigilância de veículos estacionados em suas dependências. Com esse entendimento, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou uma instituição de ensino a indenizar em R$ 70 mil um aluno que foi sequestrado no estacionamento da empresa. A Câmara manteve a sentença de primeiro grau.

Na apelação, a instituição de ensino alegou ser injustificada qualquer responsabilização pelo ato criminoso e de extrema violência praticado por terceiros. O argumento foi afastado pelo TJ-MG. Segundo o relator, desembargador Alberto Henrique, restou configurada a falha na prestação de serviço, “uma vez que a instituição ré não ofereceu a segurança adequada a parte autora”.

“Incontroverso nos autos que os alunos da universidade utilizam o estacionamento, sendo assim, a relação jurídica estabelecida não se restringe ao contrato de ensino como faz crer a parte ora apelante, uma vez que abarca todas as relações dele oriundas”, afirmou o relator. Ele citou depoimentos de testemunhas que confirmam a precariedade da vigilância no estacionamento do instituto.

Além disso, afirmou que a instituição precisa zelar pela integridade física e segurança de seus alunos sempre que estiverem dentro de suas dependências. “É evidente a responsabilidade de compensação ao usuário do estacionamento da universidade pelos danos sofridos, especialmente porque a instituição não foi diligente no dever que lhe competia, agindo com inegável culpa in vigilando”, completou.

Segundo o desembargador, é admissível a doutrina, no sentido de afastar a tese levantada pelo instituto quanto ao fortuito externo e força maior, visto que ela facilitou a ação delitiva. Assim, Henrique concluiu que ficou clara a falha na prestação de serviços, uma vez que a instituição não ofereceu a segurança adequada ao seu aluno, restando devidamente demonstrado que a não agiu com a devida cautela, contribuindo para a ocorrência do evento danoso. 

1.0000.19.142984-4/001

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2020, 15h15

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Relação entre Facebook e usuário é de consumo, decide juiz

Relação de consumo

Relação entre Facebook e usuário é de consumo, decide juiz

A relação entre o Facebook e o usuário é de consumo e, portanto, ao usuário cabe a proteção constitucional. Com esse entendimento, o juiz Fernando Moreira Gonçalves, do 8º Juizado Especial Cível da Comarca de Goiânia, determinou que o Facebook restitua o acesso a dois perfis — um pessoal e outro comercial — de Palla Leles.

Juiz manda Facebook devolver acesso a usuária que teve seu perfil hackeado

A conta pessoal da reclamante dispõe de mais de 3 mil seguidores e a comercial ,181 mil. Os perfis foram invadidos por um hacker que exigia valores em criptomoedas para devolver o acesso de seus perfis.

A advogada da reclamante, Nycolle Soares, alega que ela tentou resolver a questão de diferentes formas com o Facebook, mas não teve sucesso.

Ao analisar o caso, o magistrado entendeu que a relação entre a usuário e o Facebook é de consumo e que cabe ao consumidor a proteção constitucional.  O juiz acolheu o pedido e determinou que a empresa envie um link para recuperação de acesso para o e-mail da usuária no prazo de 10 dias.

Clique aqui para ler a decisão

5603449.80.2019.8.09.0051

Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2020, 13h20

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PL do Direito Privado protege locatário, mas pode prejudicar locador

Aprovado pelo Senado nesta sexta-feira (3/4), o Projeto de Lei 1.179/2020, que suspende temporariamente regras do Direito Privado enquanto durar a epidemia do coronavírus no Brasil, protege, ainda que de forma insuficiente, locatários em um momento em que eles estarão mais fragilizados financeiramente. Por outro lado, interfere indevidamente em relações entre particulares e prejudica locadores. É o que avaliam especialistas ouvidos pela ConJur.

PL suspende liminares de despejo até o fim do ano de 2020
Nattawut Thammasak

O PL proíbe, até 31 de dezembro de 2020, liminar de despejo em ações ajuizadas a partir de 20 de março, data estabelecida como marco inicial da pandemia no país. 

Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, elogia a proibição de liminares de despejo, mas acredita que, num cenário de crise como o causado pela pandemia do coronavírus, seria preciso também suspender sentenças do tipo.

“A proibição de liminares de despejo é uma medida muito importante. A Lei 8.245/1991 prevê, no artigo 59, que a liminar nas ações de despejo deve ser concedida em 15 dias, independentemente de audiência para ouvir a parte contrária. É um procedimento bastante célere, cuja consequência é a desocupação imediata. Suspender a concessão de liminares é fundamental para que as pessoas possam continuar em suas casas em meio à pandemia. No entanto, diante de um cenário como esse seria preciso suspender não apenas as liminares, mas também as sentenças. Desabrigar pessoas neste momento, mesmo que de maneira não tão rápida, é contribuir para o acirramento das desigualdades sociais que foram esgarçadas com a pandemia”, avalia.

A professora opina que a suspensão de liminares de despejo não deveria valer apenas para ações movidas a partir de 20 de março, e sim para todos os processos que estivessem em andamento nesta data. Bianca avalia que as ações de reintegração de posse também deveriam ser paralisadas enquanto durar o estado de calamidade pública no país.

Por outro lado, o advogado Ulisses César Martins de Sousa, sócio do Ulisses Sousa Advogados Associados, entende que, ao buscar proteger os locatários, o PL 1.179/2020 pode acabar prejudicando os locadores.

“O projeto parte da premissa que o dono do imóvel possui uma posição jurídica privilegiada em relação ao inquilino. Contudo, nem sempre essa é a realidade. Em muitos casos o aluguel é a principal fonte de renda de algumas famílias. Será que essas famílias também não são merecedoras de atenção e proteção estatal?”.

Nessa linha, Rodrigo Ferrari Iaquinta, sócio coordenador do Departamento de Direito Imobiliário do BNZ Advogados, acredita que o projeto desequilibrou a relação entre locador e locatário, uma vez que suspendeu liminares de despejo sem comprovação da relação de causa e consequência entre a pandemia do coronavírus e descumprimentos contratuais. “A locação sempre é um contrato bilateral e o interesse de ambas as partes deve ser ponderado”.

“Fica claro que o PL traz em si boas intenções, mas é temerário, e merece cautela, quando o Estado passa a interferir de maneira mais invasiva nas relações privadas. O próprio ordenamento jurídico já possui institutos e elementos aplicáveis ao momento de crise que vivemos. Regulamentar demais pode criar travas às relações sociais e privadas”, afirma Iaquinta.

Carolina Xavier da Silveira Moreira, sócia da área contenciosa do Costa Tavares Paes Advogados, pensa que esse desequilíbrio ainda pode ser contornado. “Na Argentina, a suspensão do pagamento de locação e despejo é regra, mas há uma exceção: se a locação for importante para complemento de renda de idosos, o valor deve ser pago. Acho importante esse grãozinho de sal, porque você não pode só olhar o lado do locatário. Então, talvez seja necessária alguma regra mitigadora para tratar desse tema.”

Prescrição e decadência

O PL 1.179/2020 impede ou suspende os prazos prescricionais e decadenciais da data de vigência da lei até 30 de outubro. A regra não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico.

Ulisses Sousa elogia a medida. “Tanto a prescrição quanto a decadência dão origem à extinção de um direito em decorrência da inércia do seu titular. Falar-se em inércia do titular de um direito, em uma época em que as pessoas estão privadas da possibilidade do livre exercício de tarefas cotidianas, e até mesmo o Judiciário tem restrições de funcionamento, seria algo sem sentido. Seria negar a ideia de que o direito é feito para ser realizado.”

A fixação de um marco inicial para aplicação das regras do projeto — 20 de março — é essencial para evitar alegações de caso fortuito ou força maior para obrigações vencidas antes daquela data, ressalta o advogado.

Ana Luisa Ferreira Pinto, professora assistente da PUC-SP e advogada no escritório XVV Advogados, também considera a proposta positiva.

“O texto aprovado no Senado, ainda que com a supressão de alguns pontos polêmicos, deu passo relevante para a criação de regras emergenciais e transitórias a disciplinarem questões da vida cotidiana dos brasileiros em tempos de crise aguda em razão da Covid-19. Destacam-se as regras para contratos comerciais, civil, agrários e consumeristas, além da solução dada à urgente questão da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LPDG). Em tempos excepcionais, o Senado, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça mostraram-se importantes agentes na articulação de proposta de resposta concreta para questões de Direito Privado no país.”

Feito a várias mãos

O PL 1.179/2020 foi apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG). O texto votado no Senado baseou-se no parecer da senadora Simone Tebet (MDB). Ela apontou a colaboração dos juristas. A inspiração foi compartilhada com o presidente do Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça, ministro Dias Toffoli.

Ao lado do ministro Antonio Carlos Ferreira e do conselheiro do CNMP e colunista da ConJur Otavio Luiz Rodrigues Jr., Anastasia e Toffoli basearam as medidas propostas na célebre Lei Faillot, de 21 de janeiro de 1918, que foi apresentada pelo deputado que lhe deu nome. A Lei Failliot criou regras excepcionais para a aplicação da teoria da imprevisão no Direito francês.

Também colaboraram para a redação do projeto os juristas Fernando Campos Scaff, Paula Forgioni, Marcelo von Adamek e Francisco Satyro, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; José Manoel de Arruda Alvim Netto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Rodrigo Xavier Leonardo, da Universidade Federal do Paraná, e Rafael Peteffi da Silva, da Universidade Federal de Santa Catarina, além dos advogados Roberta Rangel e Gabriel Nogueira Dias.

Leia abaixo alguns artigos publicados na ConJur sobre o PL:

Dias Toffoli, Simone Tebet e Antonio Anastasia: Uma lei emergencial para o direito privado

Simões: A disciplina das relações jurídicas de Direito Privado em tempos de pandemia

Liquidato: PL propõe criação do regime emergencial e transitório das relações jurídicas, parte 1
PL propõe criação do regime emergencial e transitório das relações jurídicas – Parte 2

Asfor Rocha Lima e Câmara Carrá: Projeto de Lei 1.179 ou de como tempos inusitados requerem medidas atípicas

Clique aqui para ler o parecer da relatora do projeto

PL 1.179/2020

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Necessidade de honorários não justifica retomada de prazo

A dependência da renda dos honorários advocatícios numa demanda indenizatória não configura situação de urgência definida pelo artigo 4º da Resolução 18/2020 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que determinou a suspensão de prazos judiciais e administrativos em função da pandemia de Covid-19.

Com este entendimento, a desembargadora Vânia Hack de Almeida, da 3ª Turma do TRF-4, indeferiu pedido para restabelecer a fruição de prazos processuais no curso de uma ação indenizatória julgada procedente contra a União, movida por um cidadão português. Ele ganhou danos morais e materiais por ter sido retido indevidamente no Aeroporto Internacional de São Paulo e, por consequência, perdido uma audiência criminal de Itajaí (SC).

Com a publicação da Resolução 18/2020, uma semana após as partes serem intimadas sobre os prazos recursais, a defesa do autor recorreu ao tribunal, requerendo o restabelecimento dos prazos. Sustentou que os advogados dependem do andamento do processo para receber os pagamentos dos honorários advocatícios. Afinal, a verba honorária tem caráter alimentar.

Situação de urgência

Para a relatora, a norma administrativa da Corte não objetiva penalizar as partes ou seus procuradores, mas preservar ao máximo o direito à saúde. Assim, a ‘‘situação de urgência’’ ressalvada no referido artigo da Resolução deve ser entendida como aquela em que há perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. E tal não se confunde com o pedido do advogado da parte vencedora, pois, após a suspensão, o processo retomará o seu curso normal, não comprometendo o direito já reconhecido.

‘‘Assim (…), mostra-se inviável seu deferimento, porquanto todas as demandas que tramitam no Judiciário dizem respeito a direitos importantes para quem as ajuiza, muitas delas decorrendo o arbitramento de honorários e condenações pecuniárias, sendo que afastar a suspensão do prazo neste feito implicaria ter de conferir tratamento isonômico a todos os demais processos, do que resultariam infrutíferas as medidas preventivas e emergenciais adotadas por esta Corte’’, justificou Vânia no despacho decisório. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4

Clique aqui para ler a íntegra da Resolução 18/2020.

Clique aqui para ler o despacho da desembargadora.

Processo 5011404-33.2018.4.04.7000/PR