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Souza e Szelbracikowski: Reforma no controle de constitucionalidade

A pandemia da Covid-19 tem diuturnamente testado o sistema do Direito. Desde questões relacionadas à competência e aos limites de cada ordem parcial de governo para planejar e promover a defesa contra a calamidade pública decorrente de problema de saúde pública (artigo 21, XVIII, da CF) às obrigações trabalhistas, cíveis e tributárias das empresas (que já sofrem os efeitos econômicos da crise sanitária), passando pelos problemas vivenciados na esfera penal (em que, de um lado, há de se preservar a segurança pública e, de outro, a integridade física dos detentos que se amontoam no falido sistema carcerário brasileiro), não há um único ramo do Direito que não tenha sido provocado a dar respostas constitucionalmente válidas para as perplexidades sociais ora vivenciadas.

Especificamente na esfera tributária chamaram nossa atenção decisões proferidas por juízes de primeiro grau que deferiram pleitos de suspensão de exigibilidade de tributos, por prazo certo, mediante a aplicação “emprestada” da teoria do “fato do príncipe” conforme noticiado pela ConJur. Seria possível interpretar que as liminares constituem verdadeiras “moratórias”, o que somente poderia ser decretado pelo ente federativo competente para a instituição do tributo. Se assim fosse, além de afrontar o artigo 152 do CTN, as decisões teriam quebrado o princípio da separação dos poderes. Por outro lado, poder-se-ia compreender que, à luz de fatos relevantes, urgentes e devidamente comprovados pelo contribuinte, o Judiciário teria competência própria para, com base no artigo 151, V, do CTN e visando a preservar princípios constitucionais relevantes, julgar presentes os requisitos para deferir mera suspensão da exigibilidade do crédito tributário, sem obstar sua válida formação e posterior cobrança pelo ente competente tão logo cessassem as razões de fato justificadoras da medida.

Sem prejuízo do acerto técnico, ou não, de tais decisões sob a ótica estritamente tributária, o fato é que os juízes que decidiram dessa forma não estavam diante de ações corriqueiras. Precisamente por se tratar de pleitos deduzidos em ambiente de absoluta excepcionalidade no qual estavam (e ainda estão) em jogo valores fundamentais previstos constitucionalmente, tais como, de um lado, o dever fundamental de pagar tributos, e de outro, o dever de valorização social do trabalho como expressão da livre iniciativa e meio para a erradicação da pobreza, os processos julgados eram verdadeiros hard cases que conduzem a uma reflexão maior em torno do controle de constitucionalidade no Brasil.

Embora o controle concentrado de constitucionalidade deva coexistir com o difuso, parece-nos necessária uma reforma no modelo para que juízes de primeiro grau possam provocar a Suprema Corte, após juízo prévio de admissibilidade pelo tribunal local, naqueles casos sensíveis que exijam predominantemente a interpretação de princípios constitucionais abertos.

O pós-positivismo tem sido caracterizado pela conceituação do direito não apenas como um conjunto de regras, mas também de princípios (diretivos ou princípios em sentido estrito/sobreprincípios [1]) emanados pelo Estado. As regras trazem pautas específicas de conduta, isto é, descrevem um comportamento obrigatório, permitido ou proibido. Os princípios são mandados de otimização do sistema que estabelecem um “estado ideal de coisas a ser buscado” [2], expressando as decisões políticas fundamentais de um País. Por consubstanciarem “a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico” [3], os princípios são aplicados mediante ponderação. As regras, por serem mais rígidas e específicas, aplicam-se dentro de um modelo de “tudo ou nada” [4].

Dadas essas características e distinções, se um juiz se deparar com a incompatibilidade entre uma regra infraconstitucional e uma regra constitucional, caberá a ele, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, declarar inconstitucional a primeira. Trata-se de um juízo de escolha da regra constitucional em detrimento da regra infraconstitucional orientada por uma questão de hierarquia sistêmica. Embora as regras comportem interpretação, usualmente [5] há um “menor grau de ingerência do intérprete na atribuição de sentidos aos seus termos e na identificação de suas hipóteses de aplicação” [6]. Considerando que a Constituição Federal de 1988 possui inúmeras normas jurídicas decorrentes de regras [7], não seria prudente retirar do juiz a possibilidade de declarar uma regra inconstitucional quando esta contrariasse uma regra prevista pela Constituição.

Por outro lado, como os princípios funcionam “como uma instância reflexiva, permitindo que os diferentes argumentos e pontos de vista existentes na sociedade, acerca dos valores básicos subjacentes à Constituição, ingressem na ordem jurídica e sejam processados segundo a lógica do Direito” [8], se o juiz se deparar com alguma questão constitucional em que haja colisão entre princípios, deverá ele suspender o julgamento e submeter a questão ao tribunal ao qual está jurisdicionado.

Em outras palavras, tratando-se de questão constitucional que demande a obtenção de uma regra para o caso concreto em função, por exemplo, da técnica da ponderação a partir da máxima da proporcionalidade (Alexy [9]) ou mediante a primazia de um dos princípios em função do balancing realizado à luz das circunstâncias do caso (Dworkin [10]), é recomendável submeter ao tribunal o juízo de conveniência e oportunidade de levar a matéria diretamente ao Supremo.

Com isso, evita-se o recrudescimento do já verificado “panprincipialismo” [11] e do “ativismo judicial”, cujos efeitos são quase sempre nefastos ao primado da isonomia. De fato, dados os diversos princípios abertos [12] previstos na Constituição (vg.: artigo 1º, III, dignidade da pessoa humana; 37, caput, moralidade; proteção à confiança e segurança jurídica, artigo 5º, etc.), os juízes que se deparam com questões complexas como as do aborto; pesquisas com células tronco; obrigação do Estado no fornecimento de medicamentos ou tratamentos de saúde; casamento homoafetivo, etc., dificilmente decidem da mesma forma e raramente seguem o mesmo método decisório (ponderação, balancing, subsunção, etc.) para chegar ao seu entendimento. Em casos tais, denominados por boa parte da doutrina de hard cases [13], parece recomendável submeter a questão ao tribunal de segundo grau, de modo que a matéria possa eventualmente ser levada diretamente ao Supremo para a pacificação e uniformização da controvérsia no território nacional.

Nesse sentido, embora não diferenciem regras de princípios para fins de acesso à Corte Constitucional, tanto a Alemanha [14] quanto a Áustria [15] preveem a possibilidade de os Tribunais ordinários encaminharem questões constitucionais surgidas em casos concretos às Cortes Superiores para que as apreciem em sede de controle concentrado.

Nos casos de Espanha [16], Itália [17] e Uruguai [18], há previsão para que um juiz de primeiro grau (ou qualquer órgão judicial) instaure o controle de constitucionalidade perante a Suprema Corte. Trata-se de uma modalidade híbrida de controle quanto à forma, em que se submete a matéria diretamente à Corte Constitucional (de forma concentrada), mas mediante um incidente criado a partir de um processo subjetivo (caso concreto). Do exame em concreto surge uma questão incidental abstrata a ser submetida à análise da Corte Constitucional. Nesses países não há previsão para o próprio juiz da causa afastar a norma por inconstitucionalidade, razão por que, ao contrário do que ocorre no Brasil, não se trata de controle difuso, mas de controle concentrado.

A proposta ora apresentada não é tão abrangente quanto o modelo verificado em Espanha, Itália e Uruguai  relativamente aos legitimados para acessar o Supremo. Em síntese, sugerimos: 

1  A manutenção do controle difuso de constitucionalidade para conflito entre regras (o que não existe nos supracitados países) e a possibilidade de o juiz submeter a questão ao tribunal de segundo grau para a apreciação da relevância do tema quando se tratar da definição de conceitos constitucionais abertos ou ponderação entre princípios;

2 — O tribunal encaminhará a questão ao STF se entender tratar-se de questão constitucional relevante; 

— Se o tribunal entender que se trata de regra constitucional ou mesmo de aplicação de conceito cuja relevância não mereça apreciação do STF ou que já tenha sido definido por aquela corte, devolverá o processo para que o juiz prossiga com o julgamento; 

— Não se cogita de permissão ao juiz de primeiro grau para acessar diretamente o STF;

5 — Em qualquer caso, o interessado poderá recorrer de decisões do juiz de primeiro grau ao Tribunal, tanto quando a matéria for decidida ao entendimento de que se trata de regra constitucional quanto se se entender cuidar-se de princípios.

— O acórdão do Tribunal no sentido de tratar-se de matéria constitucional relevante deve ser breve e atender a requisitos a serem expressamente previstos de forma a evitar considerações discursivas. Desse acórdão — independente da conclusão alcançada não caberá recurso;

7 — Se o STF entender que não há relevância, devolverá o processo para continuidade de julgamento em primeira instância.

8 — Entendendo-se haver relevância, o STF determinará o processamento da questão com o mesmo rito e consequências das ações diretas de (in)constitucionalidade. Finalizado o julgamento, o STF devolverá o processo à origem para continuidade de julgamento das demais (e eventuais) questões infraconstitucionais subjacentes à lide.

Em conclusão, se há algo de positivo decorrente de momentos graves e excepcionais como o de que ora se cuida é que eles trazem consigo a possibilidade de reflexão em torno de conceitos (e procedimentos jurídicos) de certa forma naturalizados. Nesse sentido, visando a abreviar o tempo de definição de questões constitucionais relevantes, bem como impedir a prolação de decisões conflitantes sobre temas sensíveis ao país, conclamamos a comunidade jurídica a refletir em torno da criação de sistema em que juízes (indiretamente) e tribunais ordinários (diretamente) instaurem, mediante procedimento específico, o controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal nos denominados hard cases.

 


[1] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional Tributário. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, 93/94.

[2] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional Tributário. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 92.

[4] ATIENZA, Manueal, O sentido do direito, Escolar Editora, 2013, p. 90.

[15] STRECK, 2013:419 e ss.

 é advogado, fundador dos escritórios Dias de Souza Advogados Associados (SP) e Advocacia Dias de Souza (DF) e especialista e mestre em Direito Tributário pela USP.

 é sócio da Advocacia Dias de Souza, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especialista em Direito Tributário.

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Prescrição de férias atrasadas começa ao fim do período concessivo

Direito ao pagamento

Prescrição de férias atrasadas começa no término do período concessivo

O prazo prescricional em relação a férias se inicia a partir do término do período concessivo. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou o pagamento em dobro das férias de uma monitora de creche que somente recebeu os valores devidos após o fim do descanso. 

TRT-15 havia considerado que início do prazo prescricional se deu após gozo das férias

A Turma afastou a prescrição do direito da monitora de pleitear o pagamento, que havia sido declarada pelas instâncias inferiores. Para o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, o pedido de remuneração em dobro das férias do período aquisitivo 2011/2012 estava prescrito, porque as férias haviam sido usufruídas em dois períodos (de 2 a 16/1 e de 2 a 16/7/2012), e a ação fora proposta em agosto de 2017, mais de cinco anos depois.

O relator, ministro Alberto Bresciani, explicou que, de acordo com o artigo 149 da CLT, a contagem do prazo prescricional em pedidos relativos a férias se dá a partir do término do período concessivo — que, no caso, ocorreu em 12/1/2013. O ministro concluiu, assim, que foi observado o prazo de cinco anos previsto no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição da República. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

RR-11746-70.2017.5.15.0115

Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2020, 19h22

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Humberto Martins é eleito presidente do STJ; Jorge Mussi, vice

Por aclamação, o ministro Humberto Martins foi eleito presidente do Superior Tribunal de Justiça em sessão plenária nesta terça-feira (5/5), feita por videoconferência. Atual corregedor nacional de Justiça, ele substitui o ministro João Otávio de Noronha no final de agosto.

Corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins foi eleito presidente do STJ
STJ

A vice-presidência e a corregedoria da Justiça Federal será ocupada pelo ministro Jorge Mussi, que atualmente integra a 5ª Turma do STJ. Ele substituirá a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que por sua vez atuará como corregedora nacional de Justiça.

A sessão ainda definiu o ministro Og Fernandes, da 2ª Turma, como novo presidente da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, em substituição ao ministro Herman Benjamin. O Gabinete da Revista do STJ, por sua vez, passará a ser comandado pelo ministro Benedito Gonçalves, da 1ª Turma.

Perfil conciliador

Ao anunciar seu sucessor no cargo, o ministro Noronha exaltou os predicados que potencialmente farão de Martins um grande presidente: é operoso, correto e extremamente conciliador. “É muito importante que a corte tenha na presidência alguém que possa nos unir, manter a conciliação e que possa continuar a investir, sobretudo em tecnologia para que o tribunal atinja essa posição de ponta.”

Em seu discurso, o futuro presidente concordou. Anunciou que planeja um gestão participativa e agregadora, em que os ministros da casa tenham oportunidade de opinar e participar ativamente das decisões a serem tomadas. 

Por isso, anunciou que planeja a criação de seis comitês compostos por cinco ministros cada para atuar nas áreas de gestão, saúde, segurança e transporte, tecnologia da informação, assuntos legislativos e orçamento e finanças. Assim, todos os 33 ministros da corte estarão envolvidos na administração.

“Exercer o cargo de presidente do Tribunal da Cidadania é uma grande honra, pois significa conduzir um dos grandes tribunais superiores do país, responsável pelo julgamento de inúmeros casos, seja na área política, social, econômica, que impacta a vida de milhões de cidadãos brasileiros. Como tribunal de interpretação de direito federal, forma jurisprudência que deve ser observada por grande parcela do Judiciário brasileiro”, apontou.

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Desconto por auxílio pago a mais não pode ser feito em conta

Divulgação

O Banco do Brasil terá de devolver R$ 10 mil descontados da conta corrente de um gerente de negócios, a título de auxílio-doença pago a mais pela instituição financeira. O ato foi considerado ilegal pela 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, pois a norma coletiva determinava o desconto apenas em folha de pagamento. 

O bancário disse, na reclamação trabalhista, que o banco efetuou débitos em sua conta pessoal em julho, setembro e novembro de 2009 e em janeiro de 2011. Segundo ele, ao procurar explicações, foi informado que a dedução se referia a pagamentos feitos pelo banco durante o período em que esteve em licença previdenciária. 

O relator do recurso de revista, ministro Vieira de Mello Filho, observou que havia norma coletiva que autorizava o ressarcimento com determinação expressa de que o desconto fosse efetuado em folha de pagamento e, portanto, caberia ao banco adiar a cobrança para o mês em que houvesse saldo de salário suficiente. Para Vieira de Mello, a iniciativa de efetuar os descontos diretamente do saldo da conta do funcionário foi abusiva. 

Em razão dos descontos, o gerente pediu o pagamento de indenização de R$ 370 mil por danos morais porque, no seu entendimento, o banco havia confundido a relação de emprego com a relação com cliente. Ele também sustentou que os descontos haviam resultado na inclusão de seu nome em cadastro de inadimplentes, pois sua conta corrente passou a apresentar saldo negativo. 

Nesse ponto, todavia, o relator manteve a decisão das instâncias anteriores no sentido da improcedência do pedido. Segundo o ministro, o dano moral não está relacionado automaticamente com a infração contratual e depende de prova — situações como atraso no pagamento de contas, lesão à imagem do empregado ou comprovada impossibilidade de arcar com necessidades elementares, o que não ficou demonstrado no caso. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

ARR-8850-88.2011.5.12.0037

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Lewandowski Libertuci: Ainda o imposto sobre grandes fortunas

Em artigo meu publicado pela ConJur, expus entendimento de não ser apropriada a criação do imposto sobre grandes fortunas, ainda mais nos tempos atuais, em que o empobrecimento dos países resultado da propagação de Covid-19 é iminente. Comentei que a criação do referido imposto deflagaria fuga de capitais e que a tributação sobre patrimônio vigente no Brasil é expressiva, mesmo que comparada a países  ricos, como é o caso dos Estados Unidos.

O tema provocou debates, principalmente no tocante à comparação que fiz em relação à tributação sobre herança. A alíquota aplicável em São Paulo é de 4%. Não cheguei a mencionar que nos Estados Unidos é de 40%, o que poderia passar a impressão de que estava sendo tendenciosa ao omitir referida informação. Não é o caso. Mas importante esclarecer que ninguém paga alíquota, mas imposto, que como se sabe é a aplicação da alíquota sobre base de cálculo. E no que se refere aos Estados Unidos, o imposto incide sobre o que exceder a US$ 11,580 milhões.

Partindo disso, importante fazer algumas comparações. Exemplo: herança de US$ 12 milhões. A base de cálculo é de US$ 420 mil. Sobre a alíquota de 40%, chegamos a US$ 168 mil. Acontece que a alíquota efetiva nesse caso é de 1,4% (168 mil sobre 12 milhões) , quase três vezes maior do que a aplicada em São Paulo.

Muitos poderiam contra-argumentar no sentido de que fortunas expressivas obviamente são mais tributadas nos Estados Unidos do que no Brasil. Concordo. Mas aí teríamos que analisar caso a caso. Mas não podemos afastar o argumento de que 4%, sem deduções importantes, implica, sim, tributação bem expressiva e não raras vezes bastante superior ao que acontece em países ricos.

Outro ponto que merece destaque é minha afirmativa de que a instituição do imposto sobre grande fortunas implicará fuga de capitais. Reafirmo que isso efetivamente se apresentará não por uma questão econômica, mas por conta da estrutura jurídica vigente no Brasil. Explico. Implementado o imposto sobre grandes fortunas no Brasil, o residente no Brasil terá que submeter à tributação o patrimônio existente no Brasil e no exterior ante o status de contribuinte no Brasil.

Evidentemente, o não residente se submeterá à tributação apenas sobre o patrimônio localizado no Brasil. Enquanto não residente, o patrimônio do exterior não será atingido pela tributação brasileira ante as limitações tributárias aplicáveis ao não residente e em níveis mundiais. Se é assim, se o brasileiro se transferir definitivamente ao exterior e se desfizer do patrimônio aqui existente, não terá seu patrimônio atingido pela tributação da mesma forma. No contexto, será um não residente sem patrimônio no Brasil. Evidente que cada caso terá de ser analisado com suas particularidades, equivale dizer, prova de efetiva transferência oa exterior e inexistência de patrimônio no Brasil. Contudo, por hipótese, me parece que o imposto sobre grande fortunas tende sim a ser um veículo estimulador ao desfazimento de patrimônio no Brasil, o que, em tempos de empobrecimento mundial, não me parece ser estratégia sensata.

E, por último, para que duvidas não pairem em termos ideológicos, afirmo que não tenho dúvida de que o sistema tributário justo é aquele que tributa menos a produção e mais a concentração de renda. Mas essa é uma outra discussão que deve ser enfrentada no âmbito da reforma tributária. Não no contexto isolado do patrimônio. Projeções bem feitas falam que justamente porque a concentração da riqueza se encontra concentrada em universo restrito, o máximo que o imposto sobre grandes fortunas conseguiria importar em termos de arrecadação seria algo em torno de R$ 6 bilhões. Certamente, uma reforma tributária eficiente importaria em cifras bem mais atrativas e em cenário ideal sem distorções.

O debate é sempre muito bem-vindo.  Que outros argumentos surjam para que eu possa avaliar, concordar ou discordar.

Elisabeth Lewandowski Libertuci advogada em São Paulo, sócia de Lacaz Martins, Gurevich, Pereira Neto & Schoueri e conselheira do Conjur da Fiesp.

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Freitas Coelho: Impacto da Covid-19 nas relações locatícias comerciais

Inegavelmente a recente situação mundial de pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) está impactando diversos setores da sociedade, demandando a criação de planos emergenciais tanto pelo setor público quanto pelo setor privado, no plano nacional e internacional.

Considerando o estado de calamidade pública decretado pelos governos Federal, estaduais e municipais, especialmente pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e ainda o quanto previsto pela Lei 13.979/2020, com a determinação de medidas como o isolamento e a quarentena, inúmeras relações contratuais e comerciais foram diretamente afetadas em razão da crise econômica instalada no país.

O lockdown decretado pelas autoridades, mediante a determinação de fechamento de portos, aeroportos e rodovias, de shoppings centers, centros de compras, galerias, academias de ginástica, clubes sociais, esportivos e similares, buffets infantis, casas de festas, casas noturnas, danceterias, bares e estabelecimentos congêneres, bem como igrejas e templos de qualquer culto e de todas as atividades não essenciais, tem devastado a economia e já é tido como causa de uma recessão econômica em 2020.

Esse cenário de incertezas a respeito das consequências e dos efeitos negativos desta crise sem precedentes, bem como por quanto tempo durará a pandemia, tem gerado impactos para comerciantes, indústrias e prestadores de serviços não essenciais, fazendo com que empresários interrompam pagamentos a fornecedores, parceiros e colaboradores e suspendam o fechamento de novos contratos.

Com isso, locatários se veem de mãos atadas quanto à obrigação de pagar aluguel, e a tendência é que a inadimplência cresça, caso não haja a imediata revisão dos contratos de locação comercial, mediante modificação das condições negociais durante o período em que perdurar a crise.

Importante observar que os dois lados da relação locatícia serão atingidos pelos impactos econômicos advindos da pandemia, sendo o acordo a solução mais viável, a fim de manter o equilíbrio econômico e a boa-fé contratual. Assim, em caso de revisão do contrato através do acordo extrajudicial, a conduta ideal seria firmar um termo aditivo ao contrato de locação por meio de um advogado, garantindo segurança jurídica ao feito.

Nesse sentido, o artigo 18 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) prevê que as partes, de comum acordo, podem renegociar novo valor de aluguel, bem como inserir ou modificar a cláusula de reajuste de valor.

Assim, locador e locatário podem acordar, por exemplo, a concessão de desconto no valor do aluguel, por prazo determinado ou enquanto perdurar a pandemia, com prorrogação do pagamento do valor para período posterior. Outra saída é convencionar que não haverá reajuste no contrato, no corrente ano.

Recomenda-se a ambas as partes, na hipótese de renegociação contratual, que considerem as particularidades da relação contratual, com realização de análises periódicas do ônus suportado pelas partes, visando sempre que possível à promoção do equilíbrio contratual.

Entretanto, não raras vezes, a composição entre as partes é inviável. Diante desse cenário, surge a questão: o que fazer quando as partes não chegam a um consenso através da solução negociada?

Primeiramente, é preciso levar em consideração que diante de uma relação contratual regida pela simetria entre as partes contratantes, como os contratos de locação comercial, a regra que impera é a da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual.

É essa a diretriz adotada pelo Código Civil, com as alterações promovidas recentemente pela Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que traz nova redação aos artigos 421 e 421-A.

Entretanto, em decorrência de um fato imprevisível e extraordinário, como a pandemia da Covid-19, é notório que há uma mudança brusca das condições econômicas do contrato.

Nesse sentido, o Código Civil contempla a hipótese excepcional de que, não havendo consenso de renegociação entre as partes, o Poder Judiciário promova a intervenção com vistas a contemplar a revisão contratual, diante da onerosidade excessiva para o locatário e vantagem desmedida para o locador, nos termos da Teoria da Imprevisão, consubstanciada nos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil.

Tais dispositivos têm o objetivo de tutelar o sinalagma e o equilíbrio contratuais, regra clara de justiça comutativa, a impor aos contratantes iguais sacrifícios e benefícios. Trata-se, na realidade, de preceito que se espraia por toda a codificação, avessa ao enriquecimento de um indivíduo em detrimento irrazoável por parte de outro [1].

Portanto, a revisão de contratos é admissível em casos especialíssimos, pois impera o princípio da força obrigatória, já que nos contratos locatícios presume-se que as partes envolvidas, de forma prudente e sensata, avaliaram os riscos da contratação e vincularam-se. Supõe-se que, no momento da celebração da avença, os contratantes entenderam que o contrato ser-lhe-ia vantajoso naquelas condições estipuladas.

Ocorre que, no caso da pandemia, é evidente que tal situação configura-se como força maior, não havendo de se falar em responsabilidade do devedor pelos danos causados decorrente da mora no cumprimento da obrigação, nos termos do artigo 393, parágrafo único do Código Civil, assim redigido:

“Artigo 393  O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único  O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

Assim, entendemos pela plena possibilidade de revisão dos contratos de locação diante dessa situação excepcional, incumbindo ao Poder Judiciário, portanto, intervir em relações jurídicas privadas para equilibrar os prejuízos, caso fique evidente que uma das partes ficará exclusivamente com todo o ônus financeiro resultante da atual situação da pandemia da Covid-19.

Importante mencionarmos, ainda, a aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei 1179/2020, proposto pelo senador Antonio Anastasia, baseado em iniciativas semelhantes aprovadas recentemente pelos parlamentos dos Estados Unidos, da Alemanha, da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia.

Atualmente, referido projeto de lei se encontra na Câmara dos Deputados aguardando despacho do presidente da Casa.

Inicialmente, o PL reconhece a ocorrência da pandemia da Covid-19 como um evento de força maior, reconhecido pelo Governo Brasileiro em 20 de março, sendo idôneo justificar a excepcional medida da revisão contratual, aplicando-se a Teoria da Imprevisão.

Na redação original do PL, estava prevista a possibilidade de os locatários deixarem de pagar aluguel, ao prever que “locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira” pudessem “suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos aluguéis vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020”, sendo que o pagamento das parcelas atrasadas seria realizado a partir de novembro, juntamente com o vencimento dos aluguéis dos meses correntes.

Entretanto, referido dispositivo foi suprimido, após manifestação contrária dos senadores ao argumento de que o PL transferiria o problema de locatários para locadores, que muitas vezes dependem da renda dos aluguéis como complemento à aposentadoria e à renda. Foi questionado, ainda, o acúmulo do valor do aluguel após a pandemia, sob a justificativa de que poderia novamente complicar a situação dos locatários.

Por outro lado, foi mantido o artigo 9 do Projeto de Lei 1179/2020, que impede a concessão de liminares nas ações de despejo [2] até o dia 30 de outubro de 2020 nas demandas ajuizadas a partir de 20 de março, conforme previsto no parágrafo único do mencionado dispositivo.

Assim, veda-se a decretação de ordem de despejo até 30 de outubro, esperando-se que a essa época já tenha havido uma normalização dos efeitos econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19.

Portanto, o aludido projeto de lei flexibiliza as relações jurídicas privadas durante a pandemia de coronavírus.

Feitas essas ponderações, fato é que, quando da celebração dos contratos de locações comerciais, as partes não tinham como prever o advento de uma pandemia dessa envergadura, atingindo diversos setores da sociedade; é neste momento que caso não haja solução negociada entre as partes, o Estado deve atuar para fins de equilibrar as relações jurídicas, evitando maiores e profundos prejuízos a todos.

 


[2] A ação de despejo consiste na retirada, pelo proprietário, do inquilino do imóvel, motivado, sobretudo, pela falta de pagamento do aluguel.

Marcus Filipe Freitas Coelho é advogado, mestre em Direito (com bolsa Capes) pela Universidade Católica de Santos, professor de Direito Civil e Direito do Consumidor no Curso Proordem, em Santos.

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Plenário do STF vai julgar MP que libera troca de dados com IBGE

A pauta do Supremo Tribunal Federal desta quarta-feira (6/5) traz cinco ações que questionam a constitucionalidade da Medida Provisória 954. Editada durante a epidemia do novo coronavírus, a medida libera o compartilhamento de dados por empresas de telefonia com o IBGE.

Relatora das ADIs, Rosa Weber atendeu  OAB e suspendeu MP que permite compartilhamento de dados com IBGE
Carlos Moura/STF

A relatoria dos processos é da ministra Rosa Weber, que deu liminar para suspender a MP até referendo no plenário da corte. A ministra vislumbrou a possibilidade de danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel.

A MP prevê que as empresas de telefonia devem liberar para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a relação de nomes, números de telefone e endereços dos consumidores, pessoas físicas ou jurídicas. A norma é válida para as empresas prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e do Serviço Móvel Pessoal (SMP). 

O objetivo da mudança se apresenta como o melhor possível: o compartilhamento daria suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública.

No entanto, a OAB e partidos questionam a abrangência do compartilhamento e também seu objetivo estrito. A Ordem sustentou que a troca das informações viola o sigilo dos cidadão e coloca em xeque a proteção dos dados, “sendo inafastável seus prejuízos à sociedade e a cada um dos cidadãos lesados”.

Além das ações no Supremo, agora o sindicato da categoria (ASSIBGE) somou ao coro e emitiu nota em que afirma que a falta de diálogo e de transparência comprometem a imagem do instituto. De acordo com os servidores, não houve prévia informação de que a metologia para monitorar o avanço do coronavírus mudaria.

“Se os objetivos da pesquisa não estão claros para o corpo funcional de todo o IBGE, tendo em vista a forma atabalhoada em que está sendo feita, imaginem para a população e para os pesquisadores!?”, criticam os servidores em nota endereçada à presidente do IBGE, Susana Guerra.

Os servidores alegam que a entidade já tinha feito acordos de compartilhamento de dados com as telefônicas e pedem que os executores da pesquisa recebam “tratamento mais respeitoso”. Também pedem explicações adequadas e alegam que “não são meros executores de trabalhos impostos pela direção, de forma absolutamente insensível ao momento de pandemia e com objetivos nada compreendidos”.

ADIs 6.387, 6.388, 6.389, 6.390 e 6.393

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TST Saúde: informativo traz orientações para a higiene bucal das crianças

A Divisão Médica e Odontológica (DIMEOD) da Secretaria de Saúde do TST criou um informativo com orientações sobre os cuidados essenciais que devemos ter com a higiene bucal das crianças em tempos de Covid-19.

Hábitos simples, como lavar as mãos, antes e depois da higienização bucal, fazer uso do fio dental e limpar o dorso da língua, são medidas eficazes na prevenção de infecções na boca, uma fonte de contágio da doença.

A publicação alerta para os cuidados diários com a limpeza do ambiente familiar, uma vez que, geralmente, as crianças com idade de zero a três anos têm o hábito de sempre de levar objetos às suas bocas, narizes e olhos. Também é necessário fazer a limpeza diária dos brinquedos, usando água e sabão.

A DIMEOD ainda orienta evitar soprar a comida que está sendo dada ao bebê, pelo alto risco de contágio, e buscar manter uma alimentação equilibrada.  

Confira aqui:

(CF)

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UFRJ deve antecipar formatura de 14 alunos de medicina, manda TRF-2

Na epidemia do coronavírus, o direito à saúde prevalece sobre a autonomia universitária. Com esse entendimento, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) Aluisio Mendes ordenou, nesta terça-feira (5/5), que a Universidade Federal do Rio de Janeiro antecipe a colação de grau e expeça as certidões de conclusão do curso de medicina para 14 alunos do campus de Macaé.

Desembargador apontou necessidade de mais médicos para combater coronavírus 

Após a UFRJ negar o pedido de antecipação da conclusão do curso, os estudantes foram à Justiça, com o objetivo de serem autorizados a atuar como estagiários no combate ao coronavírus. O pedido foi negado em primeira instância, mas eles interpuseram agravo de instrumento.

Em sua decisão, Aluisio Mendes apontou que os alunos já ultrapassaram a carga horária mínima exigida pelo Ministério da Educação para o curso de medicina, que é de 7.200 horas. O magistrado ressaltou que as instituições de ensino superior têm poder para decidir sobre seus cursos, mas que, na atual epidemia do coronavírus, o direito à saúde deve prevalecer.

“Ponderando-se os valores constitucionais em colisão – autonomia universitária x saúde pública –, à luz do princípio constitucional da razoabilidade, deve ser prestigiada uma solução que priorize a saúde e o interesse públicos, garantindo-se atendimento adequado à sociedade e o reforço das equipes médicas, com força de trabalho adicional, possibilitando, inclusive, o suprimento de eventuais lacunas criadas por profissionais de saúde inseridos no grupo de risco ou que estejam se recuperando para voltar a atuar junto às unidades de saúde no enfrentamento à pandemia”, argumentou.

O desembargador federal também destacou que Medida Provisória 934/2020 e a Portaria 383/2020 do Ministério da Educação autorizam as instituições de educação superior a antecipar a conclusão de alguns cursos, entre eles, o de medicina. Isso desde que o aluno, cumpra, no mínimo, 75% da carga horária do internato ou estágio supervisionado.

“Tais atos normativos fortalecem a conclusão de que, diante da situação excepcional atualmente vivenciada – pandemia do novo coronavírus –, deve ser relativizada, neste momento, a autonomia universitária, a fim de que seja garantido reforço nas equipes de saúde para combate e contenção da pandemia”.

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Processo 5004340-06.2020.4.02.0000

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Moro reconhece que teve mensagens interceptadas por hackers

Vaza jato

Em depoimento à PF, Moro reconhece que teve mensagens interceptadas

No depoimento à Polícia Federal no último sábado (2/5) a que a ConJur teve acesso, o ex-ministro Sergio Moro admitiu que teve mensagens de celular interceptadas por hackers.

Moro prestou depoimento à PF no sábado
Dalmo Meireles/Divulgação

A oitiva foi determinada por Celso de Mello, em inquérito aberto para investigar as declarações do ex-ministro da Justiça referentes à suposta intervenção do presidente Jair Bolsonaro em investigações da Polícia Federal.

No ano passado, o The Intercept Brasil teve acesso a uma série de mensagens de Moro trocadas com procuradores do MPF e outras autoridades ligadas à força-tarefa da “lava jato” em Curitiba, em episódio que ficou conhecido como “vaza jato”. As mensagens reveladas colocaram em xeque a credibilidade do consórcio formado a partir da 13ª Vara Federal da capital paranaense na condução dos julgamentos.

Após a revelação das conversas, a Polícia Federal prendeu alguns dos supostos responsáveis pelo vazamento. Moro, à época já no cargo de ministro, tentou destruir o material encontrado nos dispositivos dos acusados.

Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2020, 17h52