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Direito ao trabalho e liberdade ao trabalho na calamidade

A MP 945/20, que dispôs de medidas temporárias durante a pandemia no âmbito do setor portuário, considerando que o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) é responsável pela escala de trabalhadores avulsos, determinou a proibição de escala de trabalhadores com sintomas de Covid-19 e dos trabalhadores com idade igual ou superior a 60 anos, além de gestante, lactante ou trabalhadores que apresentem risco em razão de doença que menciona (art. 2º).

A questão é de saber se a proibição ao OGMO de escala de trabalho ofende direitos individuais fundamentais do trabalhador portuário, em especial a liberdade ao trabalho assegurada como um dos direitos sociais no art. 6º da Constituição Federal. Em palavras outras, se o momento emergencial de saúde pública permitiria à União medidas de proteção ao grupo de vulneráveis a ponto de excluir de modo temporário o exercício profissional.

A pandemia do Covid-19 obrigou a novos e visíveis comportamentos sociais tomados pela preocupação ou medo. As relações trabalhistas foram afetadas diretamente quer do ponto de vista econômico, com encerramento ou paralisação de empresas e perdas de importantes postos de trabalho, levando ao desemprego crescente. Também naquelas atividades essenciais ou que se ajustaram à adequação do momento, com redução de salário e jornada ou suspensão do contrato de trabalho a incerteza está presente.

O bem jurídico cuja proteção está na primeira linha de preocupação é de natureza coletiva, tanto no que diz respeito no direito à vida (art. 5º da CF “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade….”) como o direito à saúde de todos(artigo 196 da CF “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”),observando-se o princípio de solidariedade, do direito à saúde e da obrigação do Estado.

Para dar conta da emergência de saúde pública foi aprovada a Lei nº 13.979/20 que, dentre outras recomendações trata do isolamento de pessoas doentes ou contaminadas e da quarentena com separação de pessoas suspeitas de contaminação. Ainda assegura a lei (art. 3º) “o respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional…” (Decreto 10.212/20). Para o fim de expandir a garantia de cuidados pessoais com a saúde as ausências ao trabalho motivadas pelo coronavírus as faltas tanto no serviço público como nas atividades privadas passaram a ser justificadas.

Os cuidados nas atividades laborais caminharam até aqui em dois alicerces: (i) manutenção do emprego e da renda e (ii) preservação da saúde dos trabalhadores, evitando riscos de contaminação e isolando a população com vulnerabilidade, dentre eles aqueles trabalhadores com mais de 60 anos e gestantes.

Na esfera trabalhista, a referência aos grupos risco pela OMS e Ministério da Saúde de pessoas com mais de 60 anos, pessoas com doenças crônicas e doenças cardiovasculares e gestantes, exigiu que os empregadores afastassem do trabalho os que estivessem nesse quadro de vulnerabilidade, recomendando que ficassem em casa, prestando serviços, se possível à distância com redução de jornada e salário ou com a suspensão do contrato.  Nestas hipóteses o empregado se habilitaria ao Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e da Renda, recebendo o Benefício Emergencial e efeito na garantia de emprego (MP 936/20).

Assim, colocado o tema, equacionado bem ou mal sob o plano trabalhista como socorro emergencial de suporte do Estado para as empresas e empregados, de fato, no âmbito dos trabalhadores avulsos que, pela Constituição Federal (art. 7º, XXXIV) têm equiparados seus direitos ao empregado com vínculo empregatício permanente, não poderiam ficar desamparados em razão das dificuldades econômicas próprias do setor de atividade. Esta a razão da MP 945 que dispõe no art. 2º:

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, o Órgão Gestor de Mão de Obra não poderá escalar trabalhador portuário avulso nas seguintes hipóteses:

I – quando o trabalhador apresentar os seguintes sintomas, acompanhados ou não de febre, ou outros estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, compatíveis com a covid-19:

a) tosse seca;

b) dor de garganta; ou

c) dificuldade respiratória;

II – quando o trabalhador for diagnosticado com a covid-19 ou submetido a medidas de isolamento domiciliar por coabitação com pessoa diagnosticada com a covid-19;

III – quando a trabalhadora estiver gestante ou lactante;

IV – quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a sessenta anos; ou

V – quando o trabalhador tiver sido diagnosticado com:

a) imunodeficiência;

b) doença respiratória; ou

c) doença preexistente crônica ou grave, como doença cardiovascular, respiratória ou metabólica.

Chama a atenção especialmente a proibição ao OGMO de escalar trabalhador em faixa etária superior a 60 anos. Inegável que o Estado está cumprindo o dever de natureza coletiva e preventiva da saúde da população no caso da emergência atual e de acordo com as melhores recomendações médicas.

A regra de proteção da saúde não permitiria alegações de violação de direitos individuais subjetivos porque apresenta concepção de ordem coletiva e as normas que buscam a prevenção de todos na sociedade parece ter preferência em relação a direitos individuais. A resistência ao cumprimento da norma rompe com a natureza coletiva do exercício público cujo objetivo é  dar efetividade à proteção da saúde da população.

Frise-se que, assim como outros direitos chamados fundamentais, o direito ao trabalho não é absoluto e não são poucos os exemplos que o direito do trabalho impõe restrições legais quanto à pessoa ou condições de trabalho em vista da proteção da saúde dos empregados. Da mesma forma, o direito à saúde, garantido pela Constituição, é pretensioso na expectativa que gera e o Estado seja onde for, encontra dificuldades na sua efetivação. Assim, resta ao direito da saúde estabelecer normas de proteção e de saúde pública de natureza coletiva mesmo que, em nome do bem jurídico da proteção da vida, exclua, tal como no caso, grupos de vulnerabilidade e que poderiam comprometer a própria saúde e dos demais com que convive.

 é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.

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Padaria de SP mantém desconto de 40% na conta de luz

Mas depois da epidemia, contas serão 15% mais caras, até quitação do débito
123RF

Uma padaria da capital paulista conseguiu liminarmente um desconto de 40% em sua conta de luz. A companhia de energia elétrica — Enel —, então, recorreu da decisão (proferida em tutela de urgência). O recurso, contudo, teve provimento negado pela 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão foi unânime.

Segundo o relator do caso, desembargador Roberto Mac Cracken, a padaria, que emprega 140 trabalhadores, conseguiu comprovar que as medidas de isolamento decorrentes da epidemia de Covid-19 reduziram em 40% seu faturamento. Também demonstrou que, caso o desconte na conta de luz não fosse feito, haveria dano de difícil reparação.

“Uma vez demonstrada a queda de um pouco mais de 40% do faturamento da agravada, a solução adotada pela Douta Magistrada a quo,

em sede de cognição sumária, mostra-se adequada e proporcional, já que concede 40% de desconto nos valores das faturas de energia elétrica até o fim da quarentena”, disse em seu voto o desembargador.

Além do desconto, a decisão do primeiro grau também determinou que, após a quarentena, a padaria deve pagar as contas mensais com um acréscimo de 15% da dívida pendente, até a quitação total do valor em aberto — o que também foi mantido pelo TJ-SP.

Portanto, o crédito da Enel não foi extinto, motivo também ressaltado pela decisão de segundo grau. 

Outros argumentos

O TJ-SP também teve que enfrentar a hipótese, ventilada pela agravante, de que a decisão de primeiro grau foi contrária ao princípio da igualdade, pois haveria tratamento diferenciado entre os consumidores. Mas essa tese não prosperou: “tal princípio não pressupõe dar o mesmo tratamento a todos os sujeitos, mas sim tratar cada um na medida de sua desigualdade”, disse Mac Cracken. 

Os desembargadores também entenderam que o a epidemia de Covid-19 é “fato imprevisível” e se enquadra no artigo 317 do Código Civil.

Clique aqui para ler a decisão

2106571-63.2020.8.26.0000

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OAB pede na prefeitura reabertura dos escritórios em SP

Fase laranja

OAB pede na prefeitura reabertura dos escritórios de advocacia em São Paulo

Dirigentes da OAB, incluindo o presidente da Ordem em São Paulo, Caio Augusto, estiveram nesta quarta-feira (3/6) na Casa Civil da Prefeitura de São Paulo para entregar o protocolo para reabertura dos escritórios de advocacia e da Casa dos Advogados.

Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura de SP

A reunião foi intermediada pelo presidente da Câmara Municipal, vereador Eduardo Tuma (PSDB), que também é advogado e professor de Direito da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Os escritórios de advocacia estão funcionando em home office — o protocolo é para retomar o atendimento presencial.

Nos últimos três dias, Tuma articulou a entrega de protocolos por entidades dos mais variados segmentos, como restaurantes, bufês e eventos, construção civil, imobiliárias e shoppings populares.

Pelo decreto do governo do Estado do Plano São Paulo, os escritórios poderiam voltar a funcionar na fase 2 (laranja), “a que estamos na capital”. “Só depende do aval da vigilância sanitária para o protocolo apresentado pela entidade. Ainda não há uma data certa, Casa Civil e Covisa [vigilância sanitária] estão trabalhando para que seja o mais rápido possível”, disse Tuma.

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Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2020, 16h39

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Portuários avulsos têm direito a adicional de risco, define STF

Trabalhadores portuários avulsos devem ter garantido o direito a adicional de riscos, da mesma forma que é pago aos permanentes. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (3/6), em julgamento de recurso com repercussão geral.

Maioria dos ministros seguiu voto de Fachin para estender o adicional ao portuário avulso
Codesp

Foi fixada a seguinte tese: “Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de riscos é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso”.

O julgamento desta quarta foi retomado com voto-vista do ministro Marco Aurélio, que ficou vencido. Em novembro de 2018, a corte já havia formado maioria para estender o adicional ao portuário avulso.

O recurso chegou ao Supremo para questionar acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que garantiu o pagamento do adicional de 40%, previsto na Lei 4.860/1965, para os trabalhadores avulsos que atuam na atividade portuária.

A maioria do colegiado seguiu o voto do relator, ministro Luiz Edson Fachin, que negou o recurso e defendeu a aplicação do princípio da isonomia. Para ele, desde que os avulsos exerçam as mesmas funções e nas mesmas condições dos trabalhadores com vínculo, eles devem ter o direito garantido.

De acordo com Fachin, o fato do artigo 14 da Lei 4.860 prever o pagamento do adicional de risco somente para o trabalhador portuário típico, não impede que o direito seja estendido ao trabalhador avulso. Não se trata, defendeu o relator, “de imprimir eficácia geral à norma especial, mas, sim, de observância dos princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade”.

Acompanharam seu voto os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e Celso de Mello. Impedida, a ministra Rosa Weber não votou.

Ao apresentar a divergência, Marco Aurélio defendeu o seguimento estrito a letra da lei, que prevê o adicional aos trabalhadores permanentes. Segundo o ministro, seria uma inovação do Judiciário estender o pagamento para os avulsos.

Clique aqui para ler o voto do relator

RE 597.124

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Opinião: A ilegalidade da cobrança do adicional ao RAT

A Contribuição para o Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GILRAT) é contribuição a cargo do empregador pessoa jurídica, exigido em face do risco advindo das atividades desempenhadas pelas empresas, cuja base de cálculo é a totalidade das remunerações pagas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, destinada ao financiamento da aposentadoria especial[1] e dos benefícios concedidos em decorrência dos riscos ambientais de trabalho[2], nos termos do art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212/1991.

A contribuição ao RAT está vinculada ao custeio do direito dos trabalhadores ao seguro contra acidente de trabalho, nos termos do inciso XXVIII do artigo 7º[3] e do inciso I do artigo 201, ambos da Constituição Federal.

Por ser uma contribuição social com destinação específica, está submetida às regras do Sistema Constitucional Tributário e às normas gerais do Código Tributário Nacional e possuí as alíquotas básicas de 1%, 2% e 3%, fixadas segundo o grau de risco (grave, médio ou leve) vinculado à subclasse do CNAE correspondente à atividade preponderante de cada estabelecimento, considerada aquela que possui o maior número de empregados e trabalhadores avulsos vinculados. 

Além das alíquotas básicas do RAT, o §6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 institui também a obrigação ao recolhimento da Contribuição com base no acréscimo das alíquotas em 6%, 9%, 12%, nos casos em que o trabalhador estiver sujeito a condições de trabalho que lhe outorgue o direito à aposentadoria especial de 15, 20 ou 25 anos de contribuição.

A partir de abril de 1994, a legislação previdenciária passou a exigir a comprovação do tempo trabalhado cumulada com a exposição do segurado à agentes nocivos, exigindo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador, exceto para ruído, que demandava além do referido formulário à apresentação de laudo técnico (LTCAT).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335 RG, em dezembro de 2014, analisou discussão a respeito da negativa de concessão do benefício, sob o argumento de que a empresa fornecia ao segurado EPI inibidor de ruído, fixando duas importantes teses: (i) o direito à aposentadoria especial pressupõe efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo, de modo que se o EPI for capaz de neutralizá-lo, não haverá direito ao benefício; (ii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador da eficácia do EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial.

Contudo, existem questões que colocam em xeque a constitucionalidade da cobrança da alíquota adicional da Contribuição ao RAT e que merecem ser objeto de avaliação por parte da doutrina e, principalmente, do Poder Judiciário.

Primeiramente, deve-se avaliar se a aposentadoria especial é um benefício previdenciário cujo custeio valide a cobrança de uma alíquota adicional à Contribuição ao RAT.

A contribuição ao RAT, como já consignado, tem como função o custeio dos benefícios previdenciários vinculados à acidentes ou enfermidade decorrentes do exercício da atividade laboral. Os benefícios vinculados a eventos acidentários laborais são: a) Pensão por morte acidentária (código B93 – art. 74 da Lei nº 8.213/91); b) Aposentadoria por invalidez acidentária (código B92 – art. 42 da Lei nº 8.213/91); c) Auxílio-acidente (código B94 – art. 86 da Lei nº 8.213/91); d) Auxílio-doença acidentário (código B91 – art. 59 da Lei nº 8.213/91).

Entretanto, a aposentadoria especial é um benefício previdenciário que, apesar de vinculado à exposição de agentes nocivos, não é decorrente de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, mas concedida em face da exposição do segurado a agente nocivo, no ambiente de trabalho, por um determinado prazo.

Não se vislumbra pertinência entre o custeio da aposentadoria especial e a Contribuição ao RAT, inclusive antes de 1998 não havia a cobrança da alíquota adicional. O direito à aposentadoria especial decorre da previsão expressa do texto constitucional, sendo que a Carta Magna não trouxe a previsão de seu financiamento por uma alíquota adicional à antiga Contribuição ao Seguro do Acidente do Trabalho (SAT).

Tal contexto reforça o entendimento de que o custeio da aposentadoria especial deve estar vinculado ao recolhimento da contribuição patronal de 20% do total da remuneração e da contribuição do segurado, nos termos dos artigos 22 e 20 da Lei nº 8.212/91.

Inexistindo pertinência entre a Contribuição ao RAT e o financiamento da aposentadoria especial, a alíquota adicional tem, na realidade, a natureza de uma contribuição específica para o financiamento da aposentadoria especial.

Essa “nova” contribuição, contudo, se adequa ao disposto no Texto Constitucional, por não decorrer de Lei Complementar e, principalmente, por ter o mesmo fato gerador e base de cálculo da Contribuição ao RAT, violando o disposto no §4º do artigo 195, conjugado com o inciso I do artigo 154 da Constituição.

Além disso, deve-se avaliar se é proporcional exigir do empregador o recolhimento dessa alíquota adicional.

As empresas recolhem a Contribuição ao RAT à alíquota de 1%, 2% ou 3%, moduladas pelo FAP (que pode majorar a alíquota básica em até 100%), independentemente da existência de evento acidentário.

Considerando o recolhimento por empresa, é possível deduzir que, na maioria dos casos, o sistema de custeio acidentário seja superavitário, com o total de recolhimento do RAT sendo superior ao custeio acidentário ocorrido no ambiente laboral do contribuinte.

Como as empresas recolhem a Contribuição ao RAT sobre a remuneração de todos os seus empregados, sendo que a maioria, muito provavelmente, nunca receberá provento acidentário. Haverá, nesse contexto, um superávit de arrecadação, caso seja considerado o conjunto dos empregados da mesma empresa e o total de benefícios acidentários pagos a estes segurados.

Por fim, existe uma nova situação, trazida pela Reforma da Previdência que torna ainda mais questionável a validade da cobrança do adicional ao RAT.

A Emenda Constitucional nº 103/19, que introduziu a Reforma da Previdência Social, alterou o sistema de aposentadoria especial, principalmente para aqueles que entrarem no sistema previdenciário após a sua entrada em vigor, ao vincular o seu gozo a requisito de idade mínima do segurado. Antes da Reforma da Previdência, o direito à aposentadoria especial estava vinculado, exclusivamente, ao tempo de exposição ao agente nocivo, sendo: (i) 25 anos de atividade especial de risco baixo; (ii) 20 anos de atividade especial de risco médio; (iii) 15 anos de atividade especial de risco alto.

Com a Reforma, essa sistemática foi alterada, com a instituição de duas possibilidades.

Primeiro, uma regra para quem já trabalhava antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, mas que não tinha reunido o tempo de atividade especial para se aposentar.

O cidadão que se encontrar nesta situação terá que comprovar que cumpre o requisito da pontuação referente à soma da idade com o tempo de atividade especial e tempo de contribuição, incluindo meses e dias, nos seguintes termos: (i) 66 pontos + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 76 pontos + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 86 pontos + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.

Por exemplo, um segurando que em 2019 tinha 40 anos de idade e que iria se aposentar em 2022 com uma aposentadoria especial de risco abaixo (considerando que continuaria na mesma atividade durante esse período), só atingirá os requisitos da aposentadoria especial em 2031.

Já para os segurados que ingressarem no sistema previdenciário após a Reforma é necessário cumprir o requisito da idade mínima, além do tempo de atividade especial. Para se aposentar, o segurado precisará ter: (i) 55 anos de idade + 15 anos de atividade especial, para as atividades de alto risco; (ii) 58 anos de idade + 20 anos de atividade especial, para as atividades de médio risco; (iii) 60 anos de idade + 25 anos de atividade especial, para as atividades de baixo risco.

A forma de fixação do valor do provento de aposentadoria especial também foi alterada. Na sistemática anterior, a aposentadoria especial era integral e equivalia a 100% da média salarial do trabalhador. A partir de novembro de 2019, com a vigência da Reforma, o benefício será de 60% da média para quem se aposenta com 15 anos de serviço insalubre, para mulheres e mineiros de subsolo, ou 20 anos, para homens. Cada ano a mais de contribuição acrescenta 2% da média salarial ao valor final da aposentadoria.

Com a vinculação do direito à aposentadoria especial também ao requisito da idade mínima, ocorreu uma desvirtuação do binômio custeio-benefício, o que afeta a própria justificativa jurídica do recolhimento do adicional do RAT pelo empregador, uma vez que não é mais o tempo de exposição do segurado ao agente nocivo que, exclusivamente, gerará o direito à aposentadoria especial, e o consequente custo ao sistema previdenciário.

Vejamos o seguinte exemplo: um trabalhador começou, em abril de 2020, com 20 anos de idade, a trabalhar numa atividade que lhe expõe ao agente nocivo ruído. Antes da Reforma, como se trata de um agente classificado como de risco baixo, após 25 anos de trabalho com a exposição, não tendo laborado em outra atividade, esse segurado poderia se aposentar. Pela nova sistemática, esse trabalhador terá que laborar 40 anos, até chegar aos 60 anos de idade, para que possa se aposentar, mesmo com a exposição ao agente nocivo. Caso ele trabalhe todo esse período na mesma função, o seu empregador ou empregadores, terão recolhido o adicional ao RAT, sob a alíquota de 6%, por 40 anos. 

Outro exemplo: um trabalhador que completar, em 2021, 25 anos de trabalho exposto ao agente ruído, não tendo trabalhado em outra atividade, e tiver 45 anos de idade, terá que trabalhar até 2029, quando completará 53 anos de idade e 33 anos de contribuição, perfazendo os 86 pontos exigidos. Neste caso, a contribuição adicional ao RAT terá sido recolhida por 33 anos.

Tais exemplos demonstram que a nova sistemática tornou inaplicável a norma de incidência do adicional ao RAT, uma vez que esta dispõe que: “O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte  ou vinte e cinco  anos de contribuição, respectivamente.

Com a Reforma, não existe mais, para a grande maioria dos trabalhadores, a possibilidade de ter o gozo da aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, devido a inclusão do requisito da idade mínima.

O pressuposto da norma e justificação para o pagamento do adicional era que o segurado se aposentaria após um período menor de contribuição (25, 20 ou 15 anos), situação essa que não é mais viável, para a grande maioria dos casos. Isso porque somente no caso de os trabalhadores que começarem a laborar em atividade com exposição a agente nocivo, em idade mais avançada, será possível a aposentadoria após o tempo de exposição previsto na legislação.

Não é juridicamente justificado que se imponha ao empregador um ônus adicional, tendo em vista que este já recolhe as contribuições patronal e do RAT, que já cumprem o dever de solidariedade social, ao mesmo tempo que o legislador desnatura a figura da aposentadoria especial, desvinculando-a do seu fato gerador lógico, que é o tempo de trabalho do segurado com exposição a agente nocivo.

Impõe-se que a doutrina e a jurisprudência se debrucem sobre a legalidade da cobrança do adicional da Contribuição RAT, tendo em vista, principalmente, as alterações promovidas pela Reforma da Previdência. 

[3] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

 é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogado, doutorando em Direito Público pela PUC/MG e mestre em Direito Tributário pela UFMG. Professor em cursos de pós-graduação do IBMEC, Faculdades Milton Campos e PUC/MG. Autor dos livros “O Dever Fundamental de Recolher Tributos no Estado Democrático de Direito” e “Estudos de Custeio Previdenciário”.

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PDT questiona alteração de divisas na Chapada dos Guimarães

Ação no STF

PDT questiona no Supremo alteração de divisas na Chapada dos Guimarães

O PDT ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade para suspender duas leis estaduais de Mato Grosso que alteram divisas de diversos municípios, entre eles da Chapada dos Guimarães. Segundo a legenda, as alterações foram feitas “sem qualquer consulta prévia às sociedades locais”, com a justificativa de “adequação territorial”.

Parque Nacional da Chapada dos Guimarães
Reprodução

O objeto de questionamento são as Leis estaduais 10.403/2016 e 10.500/2017. O PDT sustenta violação dispositivos da Constituição Federal que exigem, para o desmembramento de municípios, a realização de plebiscito com a população envolvida e a edição de lei complementar federal.

Outro argumento é que as leis estaduais violam a identidade de comunidades, alteram dados históricos e geográficos sem qualquer consulta aos principais interessados e causam insegurança jurídica e comoção entre moradores e gestores públicos.

De acordo com o partido, as autoridades municipais foram pegas de surpresa com as normas e não tiveram tempo hábil para promover as adequações administrativas necessárias para suportar as alterações territoriais. Municípios históricos como Santo Antônio de Leverger e Chapada dos Guimarães, conforme a argumentação, tiveram parte do seu patrimônio histórico-cultural apossado por outros entes federativos que jamais fizeram qualquer investimento público na localidade.

A ação foi distribuída por prevenção ao ministro Edson Fachin, relator da ADI 6.213, ajuizada com o mesmo propósito pelo PTB. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

ADI 6.408

Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2020, 19h18

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Partido contesta MP que altera contratação de portuários avulsos

ADI no Supremo

Partido contesta MP que altera contratação de portuários avulsos na epidemia

O PDT ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivos da MP 945/2020, que dispõe sobre a atividade portuária durante a pandemia do novo coronavírus. O ministro Luiz Fux é o relator da matéria.

DivulgaçãoPorto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul

O artigo 4º da MP estabelece que, na hipótese de indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos para atendimento às requisições, os operadores portuários poderão contratar livremente trabalhadores com vínculo empregatício por tempo determinado, pelo prazo máximo de 12 meses.

É considerada indisponibilidade o não atendimento imediato às requisições apresentadas pelos operadores portuários ao Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), em razão de situações como greves, movimentos de paralisação e operação-padrão.

Isonomia e direito de greve

O PDT sustenta que, embora os dispositivos estejam inseridos em norma voltada para o enfrentamento da Covid-19, a MP alterou o mercado de contratação de portuários e reduziu ainda mais as oportunidades para o trabalhador avulso.

Segundo o partido, a norma permite tratamento desigual no setor, pois cria restrição de contratação apenas para os avulsos, deixando de fora os trabalhadores com vínculo empregatício. Na ADI, a legenda argumenta que a Constituição Federal assegura aos trabalhadores avulsos plena isonomia de direitos em relação aos com vínculo de emprego reconhecido, entre eles o direito à greve.

Conforme o partido, a greve e os movimentos de paralisação são os únicos instrumentos à disposição da categoria para reclamar e exigir tratamento isonômico com os empregados na convocação feita pelos operadores portuários e pelo Ogmo. Por essas razões, pede a suspensão da eficácia do artigo 4º e parágrafos da MP 945/2020. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

ADI 6.404

Revista Consultor Jurídico, 5 de maio de 2020, 8h28