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Vale vai pagar R$ 124 milhões a investidores nos EUA

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Vale vai pagar R$ 124 milhões a investidores nos EUA

A Vale fechou um acordo para pagar US$ 25 milhões (R$ 124 milhões) a investidores que processaram a companhia nos Estados Unidos, acusando-a de esconder informações sobre a barragem em Mariana (MG), que se rompeu em 2015, causando uma tragédia na região. As informações são do Monitor do Mercado.

Rompimento em Brumadinho é considerado maior acidente ambiental da história do país
Ricardo Stuckert

A Vale era sócia da Samarco, mineradora responsável pela barragem de rejeitos, junto com a BHP.

Os investidores acusam a empresa de ocultar informações sobre políticas de riscos e procedimentos de segurança. Essa falta de transparência teria impedido que eles avaliassem o tamanho do prejuízo que o desastre traria.

O rompimento da barragem de Fundão é considerado o desastre industrial que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos

De acordo com comunicado divulgado pela mineradora, uma vez que o acordo foi aceito, o Tribunal do Distrito Sul de Nova York ainda vai publicar a sentença e determinar o encerramento do caso, “que não poderá ser objeto de recursos”.

Abalo financeiro

No ano do desastre, a Vale registrou prejuízo líquido de R$ 45 bilhões. No ano seguinte, em 2016, já voltou a lucrar (R$ 13 bilhões) e, em 2018, atingiu lucro líquido de R$ 25 bilhões. Ao fim de 2019, no entanto, teve novo prejuízo, de R$ 8,7 bilhões.

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Revista Consultor Jurídico, 11 de junho de 2020, 11h18

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Não há conflito de competência no caso Brumadinho, diz STJ

Não há conflito de competência na apuração sobre o desastre de Brumadinho (MG) se, baseado no mesmo fato, a Justiça Estadual se debruça sobre acusações de homicídio qualificado e crime ambiental, enquanto a Justiça Federal decide liminarmente em inquérito que apura utilização de documentos falsos frente a autarquia federal e danos a sítios arqueológicos.

Desastre de Brumadinho, em 2019, causou denúncia na Justiça Criminal Estadual e inquérito na Justiça Federal 
Corpo de Bombeiros MG

Com esse entendimento, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça não conheceu do conflito de competência suscitado em relação à 2ª Vara Criminal de Brumadinho e a 9ª Vara Federal de Minas Gerais. Com isso, a marcha processual seguirá pelo menos até que a conexão entre os crimes seja levantada, se chegar a tanto.

O conflito foi suscitado por Fábio Schvartsman, presidente da Vale e que consta entre os 16 denunciados pelo Ministério Público de Minas Gerais por crime ambiental e homicídio qualificado pelo rompimento da barragem, em janeiro de 2019. A denúncia foi recebida pela 2ª Vara Criminal de Brumadinho em fevereiro de 2020.

O ex-diretor foi, também, alvo de busca e apreensão autorizada pela 9ª Vara Federal no inquérito que apura uso de documento falso pela Vale junto à Agência Nacional de Mineração. Neste caso, não há oferecimento de denúncia. 

Prevaleceu o voto do relator, ministro Ribeiro Dantas, segundo o qual a autorização do juízo federal para o mandado de busca e apreensão nos autos do inquérito em tramitação não equivale a manifestação de competência no caso. Se duas ou mais autoridades não se manifestam sobre o tema, não há conflito, nos termos do artigo 114 do Código de Processo Penal. 

“Se em algum momento, no futuro, se verificar conexão entre os crimes, o processo poderá ser unificado perante o juízo competente. Agora não vejo por que obstar justamente o andamento daquele que está mais adiantado e diz respeito ao bem jurídico mais elevado, que é o da vida humana”, afirmou o relator.

Custo judicial e Súmula 122

Para a defesa, feita pelo advogado Pierpaolo Cruz Bottini, o andamento em ambas as jurisdições é de uma irracionalidade que afeta a própria Justiça, pois todos os atos decisórios terão de ser duplicados pelo único motivo de “uma corrida em direção à imprensa, na tentativa de protagonismo de duas entidades, ainda que implique em gastos sem sentido do dinheiro público”. 

A tese levada à 3ª Seção é de que a competência é da Justiça Federal, pois o caso envolve inequívoca lesão de sítio arqueológico, o que remonta a interesse da União. O único voto a seguir esse entendimento foi do ministro Sebastião Reis Júnior, que abriu divergência.

Para ele, a manifestação do juízo federal na busca e apreensão atesta o entendimento da competência ao caso. Além disso, citou a Súmula 122 do STJ, segundo a qual “compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal”.

“Não consigo compreender que nós vamos permitir duas investigações de custo elevadíssimo — pois não são fatos singelos, são extremamente complexos e que uma pode interferir na outra. Imagine se na Justiça Federal se chegue à conclusão de que o denunciado não é o responsável pela queda da barragem que atingiu os sítios arqueológicos. Como vai responsabiliza-lo também pelas mortes? Será que não vai haver um confronto de situações? Um risco de decisões antagônicas?”, indagou.

CC 171.066

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STJ admite trabalho antes dos 12 anos para revisão previdenciária

A regra constitucional que proíbe o trabalho a partir de determinada idade, cujo objetivo é evitar a exploração infantil, não pode ser interpretada em prejuízo do menor que, apesar da vedação, exerceu atividade laboral, sob pena de privá-lo de seus direitos na esfera previdenciária.

Autor da ação começou a trabalhar com menos de 12 anos com agricultura familiar 
123RF

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a um recurso para reconhecer o tempo de trabalho exercido pelo recorrente em período anterior aos seus 12 anos de idade. A decisão permitirá embasar a revisão do valor da aposentadoria percebida.

No caso, o autor da ação apresentou indício de prova material e prova testemunhal que indicam que exerceu trabalho rural em regime de economia familiar desde criança. Pleiteava que esse período fosse reconhecido para fins previdenciários desde 1º de janeiro de 1967, quando tinha 11 anos de idade, a 31 de junho de 1976.

O Tribunal de Justiça de São Paulo colocou como termo inicial maio de 1969, quando o autor completou 14 anos, por ser essa a regra em vigor na Constituição Federal de 1949. Em decisão monocrática, o ministro Napoleão Nunes Maia ampliou o período para a partir dos 12 anos, data mínima reconhecida na Constituição Federal de 1967.

Em voto-vista nesta terça-feira (2/6), a ministra Regina Helena Costa apontou que o reconhecimento do tempo rural não foi feito em função da existência da prova de trabalho, mas a partir da vedação legal ao trabalho infantil. Assim, comprovado exercício do trabalho, deve ser reconhecido para fins previdenciários.

“Em caráter excepcional e quando devidamente comprovada a atividade laborativa, é possível sua mitigação de forma a reconhecer o trabalho da criança e do adolescente, pois negar o tempo de trabalho seria punir aqueles que efetivamente trabalharam para auxiliar no sustento da família”, afirmou a ministra.

O ministro Napoleão Nunes Maia aderiu ao entendimento da divergência, o que na prática acrescentou alguns meses ao cômputo: de 1º de janeiro de 1967 a 11 de maio do mesmo ano. O colegiado acompanhou por unanimidade.

O reconhecimento do período de trabalho do menor abaixo dos limites legais — que atualmente, pela Constituição Federal de 1988, são de 16 anos para o trabalho e 14 anos para o aprendiz —, é uma tendência jurisprudencial brasileira. A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais já admitiu o período de trabalho antes dos 12 anos para questões previdenciárias.

AResp 956.558

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O Estado de Direito em modo de operação de anormalidade

A partir da constatação de que a pandemia da Covid-19 encontra sua natureza jurídica no conceito de desastre, como tivemos oportunidade de demonstrar, seu sentido atua como um elemento jurídico comum capaz de promover a integração do Direito dos Desastres com as demais áreas jurídicas. Neste processo de integração, desencadeado pela configuração de um evento social como desastre, o Direito dos Desastres irradia aos demais ramos o cumprimento conjunto de diversas funções para a retomada da estabilidade. Para tanto, as demais áreas do Direito são “ativadas” para cumprir funções determinadas pelo Estado de Direito em modo de operação de anormalidade. Para tanto, a juridicidade neste “modo operacional” ganha a denominação de Direito dos Desastres, sendo este um ramo jurídico estruturado para o resgate da estabilidade social perdida por uma determinada comunidade atingida por um evento apto a retirar substancial ou parcialmente a capacidade de resposta de um ente público (União, Estado e Município).

Aos estados e municípios cabe a decretação de “Situação de Emergência” ou “Estado de Calamidade”, quando há a perda da capacidade de resposta é substancial ou parcial, respectivamente. Já para a União há a possibilidade desta fazer uso, excepcional, dos regimes constitucionais inerentes ao “Estado de Defesa” ou ao “Estado de Sítio.” Cumpre esclarecer que, apesar das diferenças significativas entre os requisitos e configurações destes institutos constitucionais com aqueles afetos aos estados e municípios, há uma singela identidade. As modulações do Estado Constitucional de Exceção também são estruturadas a partir da distinção entre a perda de estabilidade substancial e maior gravidade, para casos afetos ao “Estado de Sítio”, ou parcial e menor intensidade, no “Estado de Defesa.”

No caso da pandemia da Covid-19, o recurso ao Estado de Defesa, em razão da “calamidade de grandes proporções” decorrente da emergência de saúde pública, é uma medida extrema inerente ao próprio Estado Democrático de Direito para retomar a estabilidade, quando comprometida. Constitucionalmente, o Estado de Defesa se trata de um Estado de Emergência, conformado constitucionalmente em um “regime específico para situações de crise, compatível com os princípios estruturantes do Estado de direito democrático.” Não se trata jamais de um Estado de Não-Direito, muito pelo contrário. Se trata de um Estado de Direito em modo operacional em anormalidade, como acima dissemos. As restrições aos direitos fundamentais decorrentes desta conjectura constitucional se justificam apenas para a “salvaguarda de outros bens constitucionalmente protegidos” e que, no caso, se trata da saúde pública nacional. É exatamente aqui que se deve ter uma atenção redobrada para os perigos do autoritarismo, decorrentes de Estados de Exceção. Por este motivo, o Estado de Defesa apenas pode ser legítimo quando a própria lei fundamental fixar seus pressupostos, competências, instrumentos, procedimentos e consequências jurídicas, compatibilizando a legalidade extraordinária ao próprio Estado de Direito. Frise-se, o Estado de Exceção é uma previsão constitucional e, portanto, é face extrema do Estado de Direito para recuperar sua estabilidade e “voltar” a uma nova normalidade.

Diversas outras áreas do Direito também apresentam consequências imediatas à superveniência de um evento desta envergadura. Por de trás das diversas consequências imediatas trazidas pela pandemia da Covid-19 ao cotidiano dos mais diversos ramos jurídicos, há um processo de “ativação” de conceitos, padrões de decisão e racionalidades determinada pelo próprio Direito dos Desastres. O escopo é sistemicamente integrar a pluralidade de áreas do Direito para a retomada da estabilidade social e a, assim chamada, “colonização do caos.” Assim, o jurídico atua para a estabilização e não para o seu incremento, fragmentariedade, e aumento da conflituosidade.

A primeira função irradiada pelo Direito dos Desastres consiste em integrar todos os ramos para a adoção de decisões orientadas para a manutenção das operações jurídicas dentro de uma racionalidade própria do Direito, isto é, que cada ramo opere de acordo com os padrões de regras, procedimentos, rotinas e protocolos, sem a adoção de respostas extravagantes (tais como o apelo à moral, religião, crenças etc.) Para tanto, deverá haver uma constante luta contra a ausência de Direito, pois nos desastres há a necessidade de que seja assegurada uma rápida e eficiente atuação contra possíveis violações jurídicas nas comunidades atingidas por eventos graves. Na mesma direção, cabe aos diversos ramos do Direito, integrados no sentido jurídico como da pandemia como desastre, a garantir o devido socorro e atendimento humanitário às vítimas. Além disso, em cenários de riscos potencialmente catastróficos, mesmo que diante de incertezas significativas, as evidências científicas servem como parâmetros de convencimento, servindo como um importante limitador do âmbito da discricionariedade técnica. Contudo, os ensinamentos do Direito dos Desastres aos demais ramos para operarem em modo de anormalidade também chamam a atenção para o cuidado com o uso indevido da pandemia (possibilidade de contratações sem licitação, atos de discriminatórios a grupos já vulneráveis, autoritarismo institucional, apenas para citar alguns). Finalmente, o fio condutor a permear os mais diversos ramos jurídicos para lidar com situações de desastres é marcado por duas categorias centrais ao Direito dos Desastres, (i) o risco e (ii) a vulnerabilidade.

Portanto, a partir da configuração de um evento como desastre todas as demais áreas entram em uma imediata interação com o Direito dos Desastres, em razão da própria declaração de um Estado de Defesa Constitucional, justificado por “calamidades de grandes proporções na natureza” (art. 136 CF). Este processo se dá de forma que o Direito dos Desastres possa, a partir de seus conceitos, normas e princípios, fomentar instrumentos para estabilização das instabilidades inerentes a cada esfera jurídica (relações de consumo, matéria processual, questões do ordem constitucional, relações contratuais empresarias ou civis, relações trabalhistas, cobrança de tributos, administração de tribunais e assim por diante). O Direito dos Desastres exerce tais orientações sem uma relação excludente, mas sim integrativa, a partir da configuração do evento como desastre (pelas declarações de anormalidade). Esta dinâmica encontra-se representada na imagem abaixo.

Agora é hora de avançar a presente análise sobre a compreensão de quais são estes padrões de decisão (standards) que devem orientar o Direito, como um todo, em um momento de Emergência Constitucional. Sem exclusão dos demais ramos, o Direito dos Desastres presta uma orientação de um ramo centrado na colonização do caos, a partir e pelo Direito. A configuração de um evento como desastre, geralmente ocasiona uma hiperprodução de atos normativos e conflitos judiciais nas mais diversas áreas do Direito, porém, tais devem ser integrados por uma racionalidade comum, tendo duas consequências: i) de um lado, uma função jurídica de, a partir da assimilação da anormalidade, encaminhar as rotinas jurídicas e a própria Sociedade na direção de uma nova normalidade, operacionalmente estável; ii) de outro, cada ramo do Direito acaba assimilando e produzindo suas próprias reações específicas, seja no Direito Constitucional, no Direito Privado, Direito Processual Civil, Direito Ambiental, Direito do Trabalho, Direito Administrativo, Direito Tributário e assim por diante.

Portanto, todos estes ramos passarão a (i) ter que exercer sua contribuição para o ciclo de gestão circular do risco em cada uma das fases de um desastre (prevenção e mitigação; resposta emergencial; compensação; reconstrução), a fim de colaborar globalmente com a necessidade de mitigação dos impactos; (ii) enfrentar a necessidade de fornecer estabilidade à situações caóticas, trazendo seus respectivos âmbitos de atuação de um modelo operacional em colapso, para uma nova normalidade; (iii) ter que fornecer absoluta prioridade e adotar como premissa orientadora das decisões jurídicas a função do Direito para redução das vulnerabilidades sociais, físicas ou tecnológicas (informacionais); (iv) diante das incertezas postas em jogo, a maior sensibilidade do Direito às dimensões desta para graduações proporcionais nas medidas preventivas ou precaucionais emergenciais a serem impostas, com parcimônia e equilíbrio; (v) por se tratar de riscos e impactos de grande magnitude, o Direito deve orientar suas decisões a partir de informações cientificas, dotadas de credibilidade, mesmo que estas estejam em estágios iniciais de testes ou pesquisas, de incertezas ou mesmo ante a precariedade de dados.

Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).


Conforme texto escrito para a ConJur na coluna “Direito em Pós-Graduação”, publicado no dia 21.04.2020. https://www.conjur.com.br/2020-abr-21/direito-pos-graduacao-natureza-juridica-pandemia-covid-19-desastre-biologico

Art. 2.º, III, do Dec. 7.257/10.

Art. 2.º, IV, do Dec. 7.257/10.

Art. 136 CF.

Art. 137 CF.

CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.099.

Idem, ibidem. p. 1.104.

 é pós-doutor em Direito Ambiental e dos Desastres, University of California, Berkeley, EUA (com bolsa CAPES); doutor e mestre em Direito Unisinos; professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS, nível Mestrado e Doutorado.

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Juíza autoriza liberação do valor integral do FGTS de trabalhadora

Sendo o FGTS o direito à estabilidade econômica do trabalhador e meio de garantir sua sobrevivência, certo é que, em tempos de epidemia e, portanto, de um desastre natural de proporções, até o momento, desconhecidas, o direito à vida do trabalhador deve ser assegurado por meio, também, de seu direito à estabilidade econômica, conferida pelo FGTS.

Divulgação/CaixaJuíza autoriza liberação integral de FGTS de trabalhadora demitida sem justa causa

Com esse entendimento, a juíza Patrícia Pereira de Sant’anna, da 1ª Vara do Trabalho de Lages (SC), autorizou a liberação imediata do valor integral do FGTS de uma trabalhadora, ao contrário do que prevê a MP 946/2020, que limitava o valor e as datas de saque do fundo em caso de demissão sem justa causa.

Segundo a juíza, o artigo 2º do Decreto 5.113/2004, que trata de hipóteses de desastres naturais, traz uma lista exemplificativa e não taxativa, “posto que não há como exigir do legislador a previsão de todas as situações fáticas de desastre natural que podem ocasionar o direito à liberação do FGTS”. “Dessa maneira, deve-se fazer uma interpretação extensiva, com base no princípio da razoabilidade, utilizando o sentido de justiça, bem como no da proporcionalidade em sentido estrito”, completou.

Para Sant’anna, a edição da MP 946/2020 pelo Governo Federal foi “desnecessária”, especialmente o artigo 6º, que estabelece R$ 1.045 como valor máximo para saque, uma vez que já há norma a respeito da liberação do FGTS em face da epidemia e que prevê um valor superior para liberação no artigo 4º do Decreto 5.113/2004, que é o de R$ 6.220.

“Sem dúvida, existe regra mais favorável e ela que deve ser aplicada no âmbito do direito do trabalho. Além disso, não é possível que o Poder Executivo edite Medida Provisória a respeito da qual já há regulamentação legal”, afirmou a magistrada. Ainda que assim não fosse, ela considerou que a trabalhadora tem direito ao saque do valor integral do FGTS em razão do direito constitucional à vida.

0000804-88.2020.5.12.0007

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TRT-1 mantém proibição de Petrobras reduzir jornada e salário

O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), desembargador José da Fonseca Martins Junior, manteve, nesta sexta-feira (8/5), liminar que proibiu a Petrobras de reduzir a jornada e salário de empregados durante a crise do coronavírus.

Petrobras não pode reduzir salários sem negociação prévia com empregados

Cinco sindicatos moveram ação civil pública contra o Plano de Resiliência da Petrobras, implantado a partir de 1º de abril. O programa adia o pagamento de 10% a 30% da remuneração mensal de empregados com função gratificada; promove a mudança temporária de regime especial de trabalho (turno e sobreaviso) para regime administrativo; e estabelece a redução temporária da jornada de trabalho dos empregados do regime administrativo, de oito para seis horas diárias, com a redução proporcional da remuneração em 25%, nos meses de abril, maio e junho de 2020. Mas a 75ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro concedeu liminar para suspender o plano.

A Petrobras apresentou pedido de suspensão de tutela provisória. A estatal argumentou que tentou, em vão, negociar com os sindicatos e que as medidas são temporárias e emergenciais, adotadas devido ao estado de calamidade pública causado pela epidemia do coronavírus.

Em sua decisão, o desembargador José da Fonseca Martins Junior apontou que não ficou provado que a Petrobras tenha tentado negociar com as entidades antes de colocar o Plano de Resiliência em vigor.

Para o magistrado, a imposição das alterações sem negociação fere os direitos sociais da irredutibilidade do salário (artigo 7º, VI, da Constituição), da jornada de trabalho máxima de oito horas por dia e 44 por semana (artigo 7º, XIII, da Constituição) e do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (artigo 7º, XXVI, da Constituição).

Além disso, a implementação das regras sem discussão prévia afeta os princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, ressaltou Martins Junior. Ele também destacou que a Petrobras firmou acordo coletivo com os trabalhadores em 2019 — e que permanece em vigor —, sem constar as reduções de jornada e salário.

“Importante salientar ainda que o poder de direção do empregador, fundamentado no artigo 2º, caput, da CLT, não é ilimitado e deve ser pautado — mormente no caso de sociedade de economia mista federal — pelo postulado da razoabilidade, especialmente diante do delicado quadro vivenciado no país, devendo buscar o caminho da negociação a fim de que sejam sopesados os interesses econômicos e sociais envolvidos”, avaliou o presidente do TRT-1 ao negar o pedido da petrolífera.

Clique aqui para ler a decisão

Processo 6200/2020

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Direitos fundamentais em tempos de pandemia II

O desastre causado pela crise sanitária, econômica e social em curso diante da disseminação do assim designado coronavírus tem impactado o Direito de modo praticamente sem precedentes desde a devastadora “gripe espanhola”, de 1918, não considerando-se aqui as sequelas das duas grandes Guerras Mundiais e de outros conflitos armados e desastres naturais.

À vista disso, a exemplo de outros Países, no Brasil também foi decretada um estado de calamidade pública, mediante o Decreto Legislativo nº 6, de 20.03.2020, com vigência prevista até 31.12.2020, na esteira da edição da Lei nº 13.979, de 06.02.2020. Além disso, tem sido muitas as medidas tomadas nas três esferas da federação, incluindo-se a decretação do estado de calamidade em muitos estados e municípios.

A exemplo do que se verifica quando decretados os estados de defesa e de sítio, embora as diferenças substanciais no concernente aos requisitos constitucionais (formais e materiais) dos dois últimos, no estado de calamidade (assim como no estado de emergência), é permitida a flexibilização dos limites orçamentários (tal como prevê também a LC 101, de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu artigo 65), além de serem legitimadas juridicamente medidas urgentes e provisórias destinadas a viabilizar o controle e superação, com eficácia, dos efeitos da situação que deu azo a tais providências.

O Estado de Calamidade, portanto, consiste em um dos instrumentos juridicamente legítimos para que o Estado (e a sociedade civil) possam, pese as medidas excepcionais tomadas, enfrentar o problema, sem descurar da manutenção da higidez da ordem constitucional e do primado Democracia, do Estado de Direito e dos direitos fundamentais.

Nesse meio tempo, cresceram, em escala geométrica – paralelamente ao rápido avanço da pandemia -, não apenas as medidas instauradas por todos os atores estatais por todo o Brasil, mas também as publicações, em toda sorte de mídias, relativas ao tema, destacando-se, para efeitos desta coluna, a seara do Direito.

Em caráter meramente ilustrativo, refere-se aqui a análise dos aspectos econômicos, financeiros e tributários por Fernando Facury Scaff, bem como a coluna do ConJur, de 23 de março, onde se tratou da importância de frear quaisquer medidas que ameacem a democracia e tendencialmente levem à ruptura com as instituições democráticas.

No tocante as medidas adotadas pela União relativas à esfera da organização e do procedimento, é de se sublinhar, desde logo, a inclusão de uma alínea C no artigo 6º, da Lei 13.979, dispondo que “[n]ão correrão os prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 2020”.

Além disso, a teor do parágrafo único do citado diploma legal, “fica suspenso o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei nº 8.112, de 1990, na Lei nº 9.873, de 1999, na Lei nº 12.846, de 2013, e nas demais normas aplicáveis a empregados públicos”.

Dentre tantos outros exemplos que visibilizam o impacto das mudanças estabelecidas em virtude do estado de calamidade pública, é o caso de aqui focar na assim chamada dimensão organizatória-procedimental dos direitos fundamentais, representada pelo problema da suspensão dos prazos processuais, nos casos em que reconhecido o Estado de Calamidade (art. 222, § 2º do CPC).

A questão da suspensão dos prazos processuais demanda juízo de ponderação e preocupação ao mesmo tempo com a efetividade e a segurança jurídica, um binômio em permanente tensão e equilíbrio no direito processual. Afinal, também o processo é direito constitucional aplicado.

Além disso, é possível entender que, diante da pandemia da Covid-19, o Decreto Legislativo que reconhece o Estado de Calamidade tem efeitos jurídicos também no âmbito processual.

Nesse contexto, situa-se a resolução 313/2019, de 19.03.2020, do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que determinou, em todo o País a suspensão dos prazos processuais até 30.04.20. O tema, aliás, já enfrentado na ConJur.

A Resolução cria um regime de plantão extraordinário no Poder Judiciário Nacional. A finalidade da Resolução é uniformizar a suspensão do trabalho presencial de magistrados, servidores, estagiários e colaboradores nas unidades judiciárias de todo país. Advogados, partes, membros do Ministério Público e interessados deverão ter disponibilizado atendimento remoto pelos meios tecnológicos disponíveis.

A medida foi muito importante, considerando que a existência de critérios conflitantes quanto à suspensão do expediente forense gera insegurança jurídica e potenciais prejuízos à tutela de direitos fundamentais. Atos normativos prevendo suspensão de prazo também foram exarados por Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e por Tribunais Superiores, mas é importante perceber o papel representado pela Resolução 313 do CNJ, evitando a insegurança jurídica.

Na prática, contudo, com a decretação do Estado de Calamidade, a suspensão pode ser estendida para além de dois meses (art. 222, § 2º, CPC), existindo aí mais uma razão para que a tensão entre segurança jurídica e efetividade seja equilibrada para permitir que atos processuais, que não ensejarem prejuízo ao sistema de justiça e aos direitos individuais das partes, sejam praticados.

Analisemos as regras previstas pelo Código de Processo Civil. A suspensão do expediente forense equivale à feriado, para os fins da norma processual (art. 216, CPC), portanto, se aplica aqui todo o regramento processual na espécie. Com a suspensão os prazos processuais não correm, não fluem, e resta vedada a prática de atos processuais, salvo a citação, intimação e penhora e aqueles atos em que houver urgência (art. 214, CPC).

A razão pela qual o Código de Processo Civil permite a prática de ato processual urgente e a reação da parte contrária reside na paridade de armas e decorre da necessidade de tutela adequada, tempestiva e efetiva como mandamento constitucional (art. 5º, I, CF e 7º, CPC).

A doutrina costuma afirmar que não se permite, contudo, avançar no procedimento. Por exemplo, o prazo para resposta do demandado só começará a ser contado a partir do primeiro dia útil subsequente ao final da suspensão. Significa dizer, a suspensão resulta na retomada do prazo a partir do momento em que ele voltou a correr, considerando-se os dias já computados, até o termo final. É exatamente nisto que a suspensão difere da interrupção, que implicaria a retomada do prazo desde o termo inicial. Finda a suspensão o prazo volta a fluir do ponto em que parou (art. 221, CPC).

O tema tem sido discutido por muitos processualistas desde a edição da Resolução 313/2020, dentre outros, Daniel Mitidiero, Fredie Didier Jr., Heitor Sica, Eduardo Talamini, Marco Antonio Rodrigues, Leonardo Carneiro da Cunha, que tem alertado sobre possíveis problemas interpretativos. Assim, há quem entenda que nenhum ato processual, salvo aqueles absolutamente imperativos, pelo caráter de urgência, devem ser praticados.

Por outro lado, não faltam os que defendem a prática telepresencial de atos no processo civil, especialmente o proferimento e publicação de decisões, atos executivos como a penhora eletrônica, audiências com advogados por videoconferência e a apresentação de peças processuais deve ser admitida.

Há, ainda, aqueles que limitam a interpretação do Código de Processo Civil para permitir apenas atos relacionados à citação, intimação e penhora e à tutela de urgência. Por fim, existem aqueles que defendem terem os Juízes poderes para decidir, no caso concreto, sobre a suspensão ou restituição de prazo a cada processo individual.

Muito embora não se trate de um efeito direto relativamente aos prazos, a especificidade do processo de se desenvolver no tempo pode resultar, ainda, no reconhecimento de efeitos jurídicos da Covid-19 para as situações anteriores, constituindo, modificando ou extinguidos direitos.

Nessa linha, o art. 493 do CPC, prevê que os fatos supervenientes à propositura da ação sejam levados em consideração quando produzirem efeitos jurídicos. A pandemia e suas consequências podem, portanto, acarretar sua incidência. É bom lembrar, outrossim, que também aqui deve ser respeitado o contraditório prévio e a vedação da decisão-surpresa, o que se revela ainda mais problemático nas relações jurídicas de trato sucessivo, podendo até mesmo acarretar a revisão da sentença diante da alteração do quadro fático-jurídico (art. 505, I, CPC).

O que se postula como imperativo, é que a consistência jurídica das medidas tomadas é de ser analisada à luz do marco normativo constitucional, em especial na perspectiva de uma dogmática constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais.

Neste sentido, do ponto de vista do acesso à justiça e à efetividade, a Res. 313, CNJ não impede decisões, especialmente sentenças e acórdãos em processos já instruídos, sessões de julgamento online, e todos os atos processuais visando dar duração razoável e efetividade ao procedimento, incluída aí a homologação da autocomposição entre às partes.

No caso das sentenças, a intimação será realizada durante a suspensão e o prazo somente começara a fluir a partir do dia útil subsequente ao término da suspensão. Isso já tem ocorrido por todo o país, juízes continuam proferindo suas decisões normalmente.

O reconhecimento do regime excepcional não significa um lockdown do sistema de justiça. Este regime excepcional deve ser adequado às necessidades do caso. Os atos que puderem ser praticados sem prejuízo da urgência e da concentração dos esforços do sistema de justiça no combate à Covid-19 não estão vedados.

Portanto, uma interpretação conforme dos dispositivos do Código de Processo Civil, nos termos do seu art. 1º, segundo o qual o Código deve ser disciplinado, interpretado e aplicado conforme os valores e normas fundamentais previstos na Constituição, implica em reconhecer a possibilidade de praticar todos os atos processuais que não conflitem com o objetivo da suspensão, tais como: a) as videoconferências, observada a norma geral que autoriza a videoconferência (art. 236, § 3º, CPC); b) demais atos processuais a depender das condições fáticas para a sua realização, desde que sem prejuízo da atuação de advogados e partes, preferencialmente de forma consensual.

O que se percebe, nesse contexto, é uma migração ainda maior para o sistema do processo virtual (digital/eletrônico), exigência do direito do direito fundamental à organização e ao procedimento e dos correspondentes deveres estatais de proteção.

Uma leitura atenta do Código, portanto, mostra o quanto tudo nele está direcionado para a passagem para o processo eletrônico, sem prejuízo da qualidade do acesso à justiça, desde os deveres do advogado de informar o endereço eletrônico na petição inicial, até a intimação para o cumprimento de sentença e a penhora (arts. 513, III e 837, CPC). Mais, a própria Resolução 313 do CNJ expressamente reconheceu, nos termos do Código, que a suspensão não impede os atos relacionados a pedidos de alvarás, levantamento de importância em dinheiro ou valores, substituição de garantias e liberação de bens apreendidos, pagamento de precatórios, requisições de pequeno valor e expedição de guias de depósito (art. 4º, VI, Res. 313/2020). O arco processual está integralmente compreendido, da petição inicial à satisfação.

Evidentemente, algumas precauções devem ser tomadas, assim como devem ser respeitados os avanços já realizados por cada tribunal, no concernente à migração para o processo eletrônico, visto que nem todos os tribunais brasileiros estão no mesmo patamar relativamente a este tópico.

Note-se que o CPC prevê, inclusive, a possibilidade de ser configurada a justa causa quando ocorrer problema técnico, erro ou omissão (art. 197, parágrafo único). Além disso, regra da justa causa se aplicará em todas as hipóteses que a calamidade impedir a prática dos atos, permitindo às partes a prática do ato em momento futuro (art. 223, CPC), o CPC prevê, ainda, a restituição do prazo recursal expressamente em casos de motivo de força maior (art. 1.004).

Situações específicas como as previstas para o serviço público que impeçam o trabalho remoto justificam que advogados que trabalham sozinhos não possam ser obrigados a praticar atos processuais neste período. Assim, nos parece correto dizer que. para avançar no procedimento, a consensualidade é a chave para evitar discussões sobre nulidade e ineficácia dos atos processuais no Estado de Calamidade.

A consensualidade é a aceitação da prática desses atos pelas partes e seus procuradores, assim como pelo juiz. Neste caso, os acordos, negócios ou convenções processuais são adequados para impedir futuras alegações de nulidade ou ineficácia dos atos por dificuldades de participação das partes e seus advogados (art. 190, CPC). Há espaço inclusive para a calendarização processual (art. 191). Assim, muito embora o juiz possa realizar o gerenciamento dos seus processos de forma a garantir a efetividade e deva zelar pela duração razoável – o chamado case management judicial (gerenciamento de casos) – no caso de calamidades públicas como a Covid-19, a impossibilidade de praticar os atos processuais deve ser seriamente considerada, e pode ser alegada quando da ausência da busca do consenso entre as partes envolvidas nos procedimentos.

Assim, a melhor forma de prosseguir nos feitos pendentes para além dos atos urgentes e expressamente previstos na lei é através do case management consensual entre o juiz, as partes e seus advogados. Isso significa que os direitos fundamentais processuais são respeitados e protegidos em sua maior amplitude, tais como o direito de acesso à justiça e à efetividade da jurisdição, o direito à segurança jurídica e o auto regramento da vontade no processo.

Gostaríamos, aqui, de retomar a ideia central da presente coluna tecendo duas considerações à guisa de encerramento.

A primeira diz respeito aos direitos fundamentais à organização e ao procedimento, vinculados ao status activus processualis de Peter Häberle, na sua famosa releitura da teoria dos quatro status de Georg Jellinek.

Nessa senda, é possível afirmar que os deveres constitucionais de proteção estatais, concernentes à efetiva fruição dos direitos fundamentais, podem justificar a legitimidade jurídico-constitucional de determinadas restrições a direitos e garantias processuais decorrentes do estado de calamidade, observados, à evidência, as exigências da proporcionalidade e da salvaguarda de seu núcleo essencial. Eficazes, portanto, salvo demonstração específica em sentido contrário, as sentenças e os acórdãos proferidos nesse período, assim como válida e eficaz a autocomposição e todos os atos finalísticos praticados com a concordância das partes, que não precisem ser interrompidos em razão da pandemia.

Dito de outro modo, os deveres de proteção estatais e sua concretização mediante organização e procedimento, devem ser compreendidos de modo a assegurar aos direitos fundamentais a sua máxima efetividade possível.

Uma segunda reflexão, por sua vez, vai no sentido da necessidade da observância do contraditório ampliado para o juiz, ou, como passou a ser denominado, na incidência do princípio da vedação da decisão surpresa (art. 10, CPC).

O julgador, quando da prática dos atos processuais, pretenda aplicar de ofício norma (e argumentos) que não tenha sido ventilada e discutida previamente nos autos, a respeito do qual as partes não tenham tido oportunidade de se manifestar, deverá intimá-las para que se posicionem previamente.

Ainda que isso possa representar uma suspensão temporária do processo durante a pandemia, tal medida atende à segurança jurídica, inclusive quando se tratar de uma ampliação do thema in decidendum por fato superveniente, em virtude precisamente dos efeitos da pandemia (art. 493, CPC).

O que parece possível sustentar, ao fim e ao cabo, é que mediante a compreensão constitucionalmente adequada dos princípios, direitos e regras processuais, o sistema de justiça poderá priorizar o combate à pandemia, focando nas situações emergenciais, sem descurar do direito fundamental à uma prestação judiciária efetiva.


Nada obstante não seja o caso de aqui aprofundar o tema, é de extrema relevância pontuar que tanto os estados de calamidade pública e de emergência, que também podem ser decretados em nível municipal e estadual, não se confundem com os dois estados de exceção expressamente positivados como tais e autonomamente regulados no texto constitucional, designadamente, os já mencionados estados de defesa e de sítio.

“Art. 222. Na comarca, seção ou subseção judiciária onde for difícil o transporte, o juiz poderá prorrogar os prazos por até 2 (dois) meses. (…) § 2º Havendo calamidade pública, o limite previsto no caput para prorrogação de prazos poderá ser excedido.”

Seguindo aqui a linha do formalismo-valorativo defendida na doutrina por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no Processo Civil. Proposta de um Formalismo-Valorativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010).

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: RT, 2017, p. 332.

“Art. 205. Os despachos, as decisões, as sentenças e os acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. (…) § 2º A assinatura dos juízes, em todos os graus de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei. § 3º Os despachos, as decisões interlocutórias, o dispositivo das sentenças e a ementa dos acórdãos serão publicados no Diário de Justiça Eletrônico.” Cf., ainda, https://www.cnj.jus.br/cnj-esclarece-obrigacoes-da-resolucao-313-2020/. Mesmo nos locais onde não há a universalização do processo eletrônico a prática da assinatura digital e a publicação no Diário de Justiça Eletrônico são possíveis.

“Art. 236. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial. (…) § 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.”. Há inclusive norma que prevê a sustentação oral telepresencial ou outro recurso tecnológico, como a gravação de vídeo-memorial (art. 937, § 4º, CPC), muito embora limitada a advogados com domicílio profissional fora da sede do tribunal, o que por analogia, se aplica a situação em que vivemos de falta de acesso físico ao tribunal, assim como, a permissão de atos por videoconferência durante a realização da audiência de instrução e julgamento, tais como a oitiva de testemunhas e o depoimento pessoal, pode ser estendida para a prática de toda a audiência caso interpretada de forma extensiva (arts. 385, § 3º e 453, § 1º, CPC).

A pandemia, portanto, provoca uma reflexão sobre a necessária virada completa da justiça brasileira para a facilitação do acesso à justiça através das novas tecnologias. Mecanismos de ODR (online dispute resolution) como a plataforma consumidor.gov do Ministério da Justiça são um exemplo do que pode ser feito, inclusive em coordenação com o Poder Judiciário, para que o serviço público de justiça não fique totalmente paralisado neste período de crise, em prejuízo dos jurisdicionados e dos 1.190.72 advogados registrados na OAB: https://www.oab.org.br/institucionalconselhofederal/quadroadvogados

 é professor, desembargador aposentado do TJ-RS e advogado.

Hermes Zaneti Junior é promotor de Justiça e professor.