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Governo do RJ suspende cobrança de consignados de servidores por quatro meses

A cobrança de empréstimo consignado aos servidores do Estado do RJ foi suspensa por decreto do governador Wilson Witzel. A suspensão vale a partir desta segunda-feira, 20 e tem previsão de duração de 120 dias.

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Conforme texto do decreto, a medida foi tomada considerando o impacto da crise econômica decorrente das medidas restritivas de combate à covid-19 e beneficiará servidores da ativa, aposentados e pensionistas de todo o estado.

O decreto regulamenta a lei estadual 8.842/20, aumentando a quantidade de dinheiro em circulação no Estado e, dessa forma, estimulando o crescimento da economia fluminense.

Pelo texto, fica vedada também a cobrança posterior de juros, multa ou qualquer forma de atualização monetária nesses empréstimos, enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19.

Leia a íntegra do decreto:

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DECRETO N° 47.173 DE 17 DE JULHO DE 2020 DISPÕE SOBRE A SUSPENSÃO POR 120

(CENTO E VINTE) DIAS DAS CONSIGNAÇÕES EM FOLHA DOS PAGAMENTOS DOS EMPRÉSTIMOS CONTRATADOS JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, EM VIRTUDE DA SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚ- BLICA E S TA B E L E C I D A PELO DECRETO N° 46.984, DE 20 DE MARÇO DE 2020.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO no uso de suas atribuições constitucionais e legais,

CONSIDERANDO:

– a grave crise econômica que assola o Estado do Rio de Janeiro em virtude dos impactos negativos causados pela pandemia da COVID- 19.

– o permissivo previsto na Lei Estadual n° 8.842, de 21 de maio de 2020, bem como a necessidade de incrementar a circulação de renda em âmbito estadual, estimulando o crescimento da economia fluminense,

DECRETA:

Art. 1º – Ficam suspensas, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, as consignações em folha dos servidores públicos civis e militares do Poder Executivo, aposentados, pensionistas, ex-participantes e beneficiários da PREVI-BANERJ, dos pagamentos dos empréstimos firmados juntos às instituições financeiras.

Art. 2° – O prazo de suspensão a que se refere o art. 1° será iniciado na data da publicação do presente Decreto, podendo os respectivos contratos de empréstimos consignados, a critério das partes contratantes, serem automaticamente prorrogados.

Parágrafo Único – Fica vedada a inclusão nos cadastros restritivos de crédito, do nome dos contratantes dos empréstimos previstos no art. 2°, durante o prazo previsto no caput do artigo 1º. Art. 3º – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Rio de janeiro, 17 de julho de 2020

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Para que o leitor encontre as notícias jurídicas específicas sobre coronavírus, reunimos todo o material em um site especial, constantemente atualizado. Acesse: www.migalhas.com.br/coronavirus

 

 

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Zaupa: A Covid-19 e o artigo 268 do Código Penal

Em razão da pandemia da Covid-19, foi editada a Lei nº 13.979/2020, regulamentada pela Portaria nº 356/2020 do Ministério da Saúde. O artigo 3º da lei traz um rol de medidas a serem adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública, entre as quais se encontram o isolamento, a quarentena, a realização de exames médicos, testes laboratoriais, vacinação, tratamentos médicos específicos, entre outras.

Aqui em Mato Grosso do Sul, foi editado o Decreto Estadual nº 15.391/20 que, em seu artigo 8º, estabeleceu que para o enfrentamento da emergência de saúde decorrente do coronavírus poderão ser adotadas as medidas de isolamento, quarentena, determinação de realização compulsória de vacinas, entre outras. O Decreto Estadual nº 15.396/20 também estampa diversas medidas de prevenção a serem adotadas no território sul-mato-grossense.

E, assim, em cada município, os gestores municipais passaram também a editar atos, quase que em sua totalidade decretos, com intuito de regrarem as medidas a serem adotadas em âmbito local, observando ao menos é isso que se espera — as peculiaridades de seu município.

Fator a ser lembrado é que, conforme as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal nas ADIs nºs 6341 e 6443, essas normativas devem ser precedidas de “recomendação técnica e fundamentada”.

Ainda, conforme se depreende da decisão plenária face as ADIs nºs 6421, 6422, 6424, 6425, 6427 e 6428 (ajuizadas contra a Medida Provisória 966/2020), os gestores devem agir com observância de “normas e critérios científicos e técnicos”.

Tanto é assim que em diversas localidades do país o Poder Judiciário está a suspender os efeitos de decretos que não atendam referidos critérios.

Se é certo que muito se está a acionar o Poder Judiciário frente a decretos que tratam da flexibilização das medidas, também é certo que para imposição de medidas restritivas também há de haver necessária e prévia análise técnica para sua fundamentação e exigência, conforme também está a ocorrer em muitas comarcas do país.

Assim, antes de adentrar na análise propriamente dita do imperativo penal, é importante que haja essa compreensão.

Dispõe o artigo 268 do Código Penal:

“Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro”.

Conforme se observa, a norma visa a tutelar a saúde da coletividade (incolumidade pública).

O tipo destaca “determinação do poder público”, ou seja, trata-se de norma penal em branco, que demanda a existência de um ato legalmente emanado do poder público e que tenha por finalidade específica impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.

Conforme vasta normativa sanitária, o coronavírus enquadra-se como doença contagiosa e que pode ser introduzida ou propagada em determinada localidade.

O delito em tela é de natureza dolosa, não havendo previsão de modalidade culposa, ou seja, é necessário demonstrar que o sujeito, tendo conhecimento da vedação de determinada conduta pelo poder público, de forma consciente, exteriorize conduta para seu descumprimento.

Para a configuração do crime não é necessário que o descumprimento da norma realmente introduza ou propague o coronavírus, tratando-se de crime de mera conduta e de perigo abstrato, que se consuma com a violação do mandamento de obediência à norma do poder público para o fim específico mencionado.

Pode haver configuração de sua forma tentada, a depender da característica da vedação prevista pelo poder público e, ainda, caso seja possível fragmentação de atos para sua consumação, com eventual percurso do iter criminis.

O delito é de ação pública incondicionada e, tratando-se de norma de pequeno potencial ofensivo (Lei nº 9.099/90, artigo 61), a competência para seu processamento e julgamento será do Juizado Especial Criminal.

Qualquer pessoa pode ser autora do crime e, a depender de sua condição, pode ter sua pena aumentada (vide parágrafo único).

Deste modo, em um momento de pandemia como o atual, havendo embasamento técnico e científico para que o gestor estampe medidas restritivas à população, a qual deve levar em consideração os aspectos e circunstâncias próprios de sua localidade, caso haja o descumprimento, há o poder-dever das autoridades locais em agirem, com vistas à preservação da saúde da coletividade.

Contudo, é preciso muita responsabilidade, análise e, conforme destacado, fundamentação técnica e científica para que o gestor imponha ao cidadão medidas que restrinjam seus direitos e garantias, elementos esses essenciais à vida humana e previstos como cláusulas pétreas na Constituição Federal, os quais somente em formatação temporária e excepcional podem ser momentaneamente mitigados ou tolhidos.

Quem acompanha o panorama nacional está a constatar a balbúrdia legislativa sobre a questão, já que União, Estados e municípios, ao mesmo tempo, estão a editar regramentos sobre a conduta do cidadão frente ao coronavírus.

Essa situação se intensificou após a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6341, em que se consignou que União, Estados e municípios podem legislar sobre medidas frente à pandemia de coronavírus, confirmando os ditames do artigo 23, II, da Constituição Federal.

Em meio a enxurrada de normas e até mesmo contradições entre elas, há uma pluralidade de entendimentos ditos técnicos e científicos que, somados a fake news e discussões tomadas de ideologias e bases políticas, colocam o cidadão em estado de aflição, pressão e confusão.

Nessa esteira, seria demasiado falar que em alguns casos ocorrerão os chamados erros de tipo (Código Penal, artigo 20) ou erro de proibição (Código Penal, artigo 21)? A discussão, frente a cada caso apresentado, tomará seus rumos.

Veja que a junção do artigo 268 do Código Penal com uma norma do poder público para enfrentamento ao coronavírus traz ao mesmo tempo a confluência de uma norma penal em branco com uma (ou várias) normas de caráter temporário e excepcional, o que formam base para acender uma luz de alerta ao aplicador da lei, por ocasião da análise do caso prático posto.

Normas com expressa previsão de poder de polícia e sanções de caráter administrativo talvez fossem mais interessantes aos gestores municipais, lembrando-se da tutela criminal como ultima ratio e o caráter subsidiário e fragmentário do direito penal.

Eventual entendimento de insuficiência das demais normas de tutela não deve ser prontamente e indiscutivelmente aceita, já que a busca do pálio da legislação criminal enseja maior rigor e seriedade.

Caso a norma complementar do tipo penal em branco do artigo 268 do Código Penal, como por exemplo, um decreto municipal (norma penal em branco heterogênea), seja eivado de vício de fundamentação técnica e/ou científica (ou sua ausência), nada obstante as discussões jurídicas existentes, é de se aquilatar até onde deve haver a incidência da norma penal em lume, em face ao que foi exposto acima.

A exoneração de responsabilidade poderia ser aferida, diante de possível aniquilação da norma do poder público, a qual se figura como complementar ao tipo penal (acessoriedade administrativa), ante sua flagrante inconstitucionalidade, nos termos das ADIs nºs 6341, 6443, 6421, 6422, 6424, 6425, 6427 e 6428, julgadas recentemente pelo Supremo Tribunal Federal.

Ademais, é preciso lembrar que a norma do poder público municipal também não pode violar as regras de competência insculpidas na Constituição Federal.

Assim, ainda que a pretexto de disciplinar a conduta dos cidadãos frente ao coronavírus, o Poder Executivo municipal não pode usurpar as competências privativas da União e do Estado.

Caso ocorra referida violação, também não há que se falar em validade da norma administrativa municipal e, assim, também não haverá o aperfeiçoamento da norma penal em branco, por falta de sua complementariedade necessária.

Ante o exposto, o momento é de mobilização frente a pandemia de Covid-19 e o imperativo contido no artigo 268 do Código Penal está à disposição das autoridades para referida finalidade.

Contudo, sua aplicabilidade deve obedecer ao regramento do ordenamento jurídico pátrio e ditames hermenêuticos estampados recentemente pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade supramencionadas.

 é promotor de Justiça em Mato Grosso do Sul e especialista em Direito Constitucional.

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Nunes, Faria e Pedron: Hiperoralidade em tempos de Covid-19

A temática da hiperoralidade (oralidade por hiperlink) é uma das mais relevantes para os profissionais do Direito em tempos de Covid-19.

Com a declaração pública de pandemia em relação ao novo coronavírus pela OMS, bem como com a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da OMS, foi estabelecido pela Res. 313/CNJ, em 19 de março, o regime de Plantão Extraordinário [1], no âmbito do Judiciário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários e garantir o acesso à Justiça neste período, no intento de prevenir contágio.

Dada a manutenção da emergência pública e a necessidade de prorrogação do plantão, em 20 de abril foi publicada a Res. 314/CNJ [2], que, entre outras medidas, dispõe sobre regulamentação da realização de sessões virtuais nos tribunais, turmas recursais e órgãos colegiados.

No artigo 6º, a Res. 314 determina que os tribunais disciplinarão o trabalho remoto de magistrados, servidores e colaboradores, buscando soluções de forma colaborativa com os demais órgãos do sistema de Justiça para realização de atos processuais virtualmente, inclusive audiências e sessões de julgamento, sendo assegurada aos advogados a realização de sustentações orais.

O CNJ estabeleceu diretrizes gerais, deixando implementação a cargo de cada tribunal, até mesmo no que tange à ferramenta para prática de atos virtuais, visto que, em que pese aconselhar a plataforma Cisco Webex, permitiu a utilização de ferramenta equivalente, disponibilizando os arquivos no andamento processual para acesso.

Muitas são as notícias de audiências realizadas por meio digital, sejam de conciliação [3], sejam de instrução e julgamento [4]. Contudo, em que pese os “animadores” números que estão sendo divulgados, uma questão se ressalta: inexiste padronização de procedimentos.

O TJ-MG editou a Portaria Conjunta nº 963/PR/2020 [5], que, sem a indicada observância da colaboração e oitiva dos demais players do sistema processual, regulamentou a prática de atos virtuais.

Entre as previsões, encontra-se o questionado Anexo III, que disciplina que a sustentação oral será realizada por vídeo ou áudio gravado, sendo enviado para o e-mail do cartório até 48 horas antes do julgamento. Ou seja, ignora-se a importância da influência e participação do advogado no julgamento, bem como violam-se garantias da efetiva influência, em especial eventuais matérias de ordem pública suscitadas pelos julgadores no ato, ou possíveis decisões de ofício, que devem ser precedidas da oitiva das partes [6].

Em tal cenário, faz-se urgente lembrar que a implementação das diretrizes de prática dos atos virtuais não pode resultar em violação ao Modelo Constitucional de Processo, em viés comparticipativo [7], sendo indispensável a consensualidade e o diálogo entre players do processo para estabelecer diretrizes que asseguram a manutenção da realização dos atos processuais, sem violação de direitos processuais do jurisdicionado.

Sobre as audiências virtuais, incontáveis são os problemas a serem superados para que a finalidade essencial dos atos seja respeitada (artigo 188 do CPC), a começar pela possibilidade de participação das partes.

Chama-se atenção para a previsão dos artigos 22, §2º, e 23 da Lei 9.099/95, incluídos pela Lei 13.994/2020, autorizando a realização de audiências de conciliação telepresenciais, fixando que, se o réu não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, será proferida sentença. Aqui, uma pergunta se mostra essencial: seria adequada a aplicação da revelia ao réu em razão do mero não comparecimento na audiência por videoconferência, ainda mais quando as condições para tal participação podem não depender de sua vontade?

Conforme dados divulgados pelo IBGE em 2020 [8], 45,9 milhões de brasileiros ainda não tinham acesso à internet em 2018 (uma em cada quatro pessoas) [9]. Em áreas rurais, o índice sem acesso é maior que nas áreas urbanas, 53,5% [10]. Ponto interessante é que o IBGE destacou ser grande a diferença de renda entre os domicílios onde havia conexão e aqueles sem acesso [11].

Ora, se os juizados têm por finalidade constitucional cuidar de causas de menor complexidade e valor, como ignorar o fato de que a parte pode não comparecer por ausência de acesso à internet ou problemas de conexão? Seria essa a garantia de acesso à justiça que a Res. 313 do CNJ tentou buscar ao implementar a audiência virtual?

É indispensável compatibilizar tal previsão com os preceitos do artigo 199/CPC, que dispõe ser obrigação das unidades do Poder Judiciário assegurar acesso às pessoas com deficiência acessibilidade locais para prática dos atos na forma eletrônica, inclusive a transmissão eletrônica de dados, que, nos termos do artigo 1º, §2º, II, da Lei 11.419/06 é toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação.

Do mesmo modo, não se pode perder de vista que o artigo 198 do CPC, ao dispor sobre a prática eletrônica de atos processuais, estabelece que as unidades do Poder Judiciário deverão manter gratuitamente, à disposição dos interessados, equipamentos necessários à prática de atos processuais, sendo admitida a prática de atos por meio não eletrônico no local onde não estiverem disponibilizados os equipamentos.

Em suma, inexistindo tal estrutura para o jurisdicionado, a aplicação de quaisquer penalidades às partes pela não participação se mostra ilegal.

Nesse aspecto, a Portaria Conjunta 963/2020 TJ-MG acerta no §2º do artigo 4º ao instituir que as partes serão intimadas (através de seus advogados) para se manifestarem quanto à impossibilidade de participação de audiência por videoconferência. No mesmo sentido, o Anexo I (dispondo sobre as audiências de conciliação nos Jesp) fixou que as partes e/ou os procuradores serão consultados sobre interesse na realização de audiência de conciliação virtual e, em caso de impossibilidade ou desinteresse das partes e/ou procuradores em participar da audiência, o ato será realizado na forma presencial após o retorno das atividades normais do Poder Judiciário. O Anexo II, versando sobre o procedimento comum, estabelece que as audiências por videoconferência apenas serão realizadas com o consentimento de todas as partes.

Em suma, ante a indispensável manifestação de vontade de todos os envolvidos para a realização das audiências, estas somente se realizarão mediante celebração de negócio processual.

A celebração do ajuste se mostra ainda mais importante nas localidades onde o tribunal não disponibiliza espaço (e equipamentos) para que partes e procuradores com deficiência acessibilidade possam participar das audiências.

Já no que tange às audiências de instrução e julgamento, os problemas são maiores. Como garantir que uma parte não assista ao depoimento da outra que lhe antecede [12]? Como evitar que uma testemunha não ouça o depoimento da outra [13]? Como garantir que a testemunha é realmente a pessoa arrolada? Como garantir que depoimentos estão sendo tomados de maneira a impossibilitar a parte ou a testemunhas consulte notas já elaboradas?

Visando a evitar inúmeras invalidades processuais, bem como primando pela comparticipação e respeito à vontade das partes, a 2ª Vara do Trabalho de Franca, no primeiro processo com prova oral colhida em audiência telepresencial, apenas designou o ato após celebração de negócio processual em audiência preliminar [14].

No caso, foi realizada uma audiência apenas com os advogados, que sinalizaram positivamente para a colheita da prova oral por meio virtual. Ficou acordado que a colheita dos depoimentos das testemunhas do reclamado fosse realizada na sede da Procuradoria jurídica do município. Estabeleceu-se, também, que o reclamante e as testemunhas receberiam orientações para o uso da Plataforma Google Meets e ficariam aguardando em outra sala virtual até serem chamados para a colheita de depoimentos. Cada testemunha foi ouvida separadamente, em sala isolada, sempre com o acompanhamento do secretário de audiências.

Como se vê, as previsões procedimentais foram adaptadas para oportunizar a adequada realização do ato. A flexibilização procedimental, resultado da negociação processual, respalda suas premissas do processualismo constitucional democrático, sendo fruto da comparticipação [15] e resultando do diálogo entre os sujeitos processuais [16].

No Direito francês, Cadiet assevera que a referida técnica se harmoniza com o princípio da cooperação entre partes e julgador. Para o autor, a cooperação, juntamente ao contraditório, constituem pilares do Processo Civil francês e denotam um modelo processual que transcende as concepções típicas do Common Law e Civil Law [17].

Contudo, dado o costumeiro pensamento beligerante do jurista brasileiro, mostra-se pouco provável que, em cada caso, as partes e o juiz consigam celebrar negócios processuais de modo a viabilizar e adequar os atos para a realização das audiências telepresenciais. Nesse contexto, a OAB deve assumir um papel essencial para garantia das diretrizes constitucionais do processo: a celebração de Protocolos Institucionais com os tribunais [18].

Segundo Cabral, no campo administrativo a doutrina e a práxis europeia utilizam a expressão “protocolos institucionais” para definir os acordos firmados entre os tribunais e os órgãos profissionais de classe [19]. Esses acordos são celebrados em nome de uma categoria ou grupo, vinculando todos os seus membros.

Ponto interessante é que, se o acordo individual só vincula as pessoas que dele participam, o protocolo institucional “gera deliberações normativas que poderão estender-se a todas as pessoas pertencentes a determinada categoria profissional, mesmo que não tenham participado da assembleia que tomou a decisão” [20]. Em suma, a figura do protocolo institucional “assume aspecto de normatividade” [21] e, com isso, vincula a todos os partícipes da dinâmica processual.

Com efeito, em havendo referibilidade ao processo, estaremos diante de um negócio processual, pouco importando se o tribunal o celebra na condição de Estado-juiz ou Estado-administração. O ponto essencial está no estabelecimento de regras de procedimento [22].

Entre as diretrizes básicas (sem prejuízo de outras a serem adotadas), acreditamos ser essencial estabelecer que: 1) As audiências somente podem ocorrer mediante concordância das partes, antecipando atos processuais possíveis de serem realizados caso não haja audiência; 2) Em caso de problemas de conexão, o ato deve ser suspenso; 3) O Judiciário deverá disponibilizar locais para partes e testemunhas participarem das audiências (respeitando as medidas de segurança); 4) Em havendo depoimento de ambas as partes, uma delas (que não pertença ao grupo de risco) deverá comparecer em juízo para prestar depoimento, de modo a assegurar que a primeira não ouça o depoimento da outra; 5) O rol de testemunhas deve estar acompanhado de documento oficial com foto; 6) As testemunhas que não pertencerem ao grupo de risco comparecerão em juízo para serem inquiridas em salas separadas; 7) As partes e testemunhas que estão no grupo de risco serão ouvidas em suas residências, diligenciando para que não haja influência ou interferência de terceiros, podendo o juiz solicitar a exibição do ambiente para verificação; 8) Antes do depoimento, a testemunha exibirá o documento oficial com foto; 9) Os depoimentos deverão ser gravados, bem como toda a audiência de instrução e julgamento; 10) As sustentações orais por hiperoralidade, síncronas ou assíncronas, devem ser vistas pelos julgadores obrigatoriamente, programando o sistema informático para que só se permita o lançamento dos votos após a oitiva integral das exposições; 11) Disponibilização de mecanismos e horários para que as partes possam despachar em tempo real por videoconferência tutelas provisórias e memoriais com magistrados de qualquer grau; e 12) Havendo disposição diversa em negócio processual, este deve prevalecer.

Nosso objetivo aqui, longe de esgotar o tema, é fomentar um debate e reflexão necessária e urgente, convidando a todos, principalmente, as instituições, notadamente Judiciário e OAB, a estabelecerem um diálogo visando ao estabelecimento de protocolo, que pode partir das sugestões que acima trouxemos. Sabemos que a atividade jurisdicional não pode parte em momento de crise sanitária, mas não se justifica a violação de princípios processuais fundamentais.

 


[7] NUNES, Dierle. Processo jurisdicional democrático. 2008.

[18] Analisado a celebração de Protocolos Institucionais para utilização de mecanismos de inteligência artificial nos processos judiciais: FARIA, Guilherme Henrique Lage; PEDRON, Flávio. Inteligência artificial, diretrizes éticas de utilização e negociação processual: Um diálogo essencial para o direito brasileiro. In: NUNES, Dierle et al (Coord.). Inteligência Artificial e Direito Processual. 2020.

[22] CABRAL. Cit. p. 85. Neste sentido encontra-se o Enunciado nº. 255 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, o qual dispõe que “É admissível a celebração de convenção processual coletiva”.

 é sócio do escritório do Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e UFMG, membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do CPC/2015 e diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial (Ideia).

 é mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS, professor universitário do curso de Direito do Centro Universitários Newton Paiva, da Fundação Presidente Antônio Carlos e do Curso de Pós-Graduação da Escola Superior da Advocacia – ESA. Membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-MG. Advogado sócio do escritório Pedron Advogados.

 é sócio do Pedron Advogados, doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor na UniFG (Bahia), na PUC-Minas e no IBMEC, editor-chefe da Revista de Direito da Faculdade Guanambi e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional, da Associação Brasileira de Direito Processual e da Rede Brasileira de Direito e Literatura.

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Retomada de atividades presenciais no Judiciário deve minimizar riscos

A retomada das atividades presenciais no Judiciário, que passa a ser autorizada nesta segunda-feira (15/6), deve levar em conta o nível de controle da epidemia do coronavírus na região e ter protocolos que minimizem o contágio de profissionais. Além disso, deve observar garantias fundamentais, como o acesso à Justiça e o contraditório e a ampla defesa. É a opinião de especialistas durante seminário virtual promovido nesta segunda à tarde pela TV ConJur.

O debate é parte da série de encontros chamada “Saída de Emergência” e teve o tema “Resoluções do CNJ e do CNMP para retomada das atividades presenciais na Justiça“. O evento foi apresentado e organizado por Otavio Luiz Rodrigues Jr, professor da USP e integrante do Conselho Nacional do Ministério Público.

O secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Carlos von Adamek, ressaltou que a Resolução 322 daquele órgão permite a retomada das atividades presenciais em tribunais, mas não impõe a medida. A decisão cabe a cada corte. Diante do agravamento da epidemia, nenhum tribunal decidiu aplicá-la até o momento, disse.

Adamek destacou que os serviços presenciais devem ser retomados gradativamente. Em um primeiro momento, devem ser priorizadas as audiências envolvendo réus presos — inclusive sessões do júri —; adolescentes em conflito com a lei ou situação de internação; crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional familiar e outras medidas urgentes, quando não for possível executá-las por ato virtual. Outras medidas que voltarão em um primeiro momento são o cumprimento de mandados judiciais por servidores que não estejam no grupo de risco da Covid-19 e perícias, entrevistas e avaliações.

A conselheira do CNJ Ivana Farina disse que o conselho acompanhará o processo de retomada das atividades presenciais em cada tribunal. Segundo ela, a primeira etapa será um aprendizado, e deve haver diálogo com advogados e integrantes do Ministério Público e outras instituições. Se a epidemia recrudescer, pode haver necessidade de uma nova suspensão de prazos, alertou.

O conselheiro do CNMP Oswaldo D’Albuquerque lembrou que os Ministérios Públicos também estão autorizados a voltar progressivamente a exercer atividades presenciais a partir desta segunda. A decisão sobre colocar isso em prática deve levar em conta dados sobre o coronavírus emitidos por autoridades sanitárias.

Na retomada, podem ser consideradas as particularidades de familiares de integrantes do MP, como filhos em idade escolar e parentes do grupo de risco, contou D’Albuquerque. As unidades de atendimento devem priorizar procedimentos virtuais e adotar práticas que diminuam o risco de infecção pelo coronavírus.

Advogados vulneráveis

A conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil e do CNMP Fernanda Marinela afirmou que muitos advogados querem o retorno das atividades presenciais do Judiciário. Isso porque não têm equipamentos para atuar de forma eletrônica, e as salas da OAB para esse fim estão fechadas. Ainda assim, ela ressaltou que a saúde deve ser o primeiro fator a ser considerado na decisão de retomar os serviços.

Fernanda também opinou que mulheres devem poder pedir um tratamento diferenciado na retomada dos prazos. Afinal, muitas estão tendo que conciliar trabalho, atividades domésticas e cuidados com os filhos.

Já o advogado e professor Ricardo Sayeg avaliou que o CNJ está buscando reduzir as dificuldades pelas quais advogados estão passando. “A advocacia está sofrendo. O fluxo de serviço ficou mitigado. Mas o Judiciário tem dado exemplo de eficiência. Ninguém ficou de braços cruzados. Temos que proteger vidas, e CNJ e CNMP estão cumprindo isso da melhor forma possível.”

Plataforma única

Von Adamek informou que o CNJ está trabalhando em resoluções sobre o uso de videoconferência, inclusive para sessões do júri. Ele apontou que o órgão disponibilizou gratuitamente aos tribunais uma plataforma para as audiências virtuais, mas não descarta o uso de outros softwares.

Marinela defendeu a padronização dos procedimentos de videoconferência. De acordo com ela, o uso de um programa por cada tribunal dificulta o trabalho de advogados e profissionais do MP, que têm que aprender a mexer com sistemas diferentes.

Sayeg é contra a padronização. A seu ver, isso gera reserva de mercado e obsolescência, enquanto a concorrência garante eficiência.

Farina opinou que as audiências podem ser feitas de modo virtual se respeitarem os princípios da ampla defesa, participação, publicidade e transparência. Ela lembrou que o CNJ irá debater se é possível promover audiência de custódia por videoconferência. Até o momento, o órgão não permite a medida.

Clique aqui para ver o seminário ou acompanhe abaixo:

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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Especialistas debatem regras de transição e o pós-epidemia

Saída de Emergência

Na TV ConJur, especialistas debatem regras de transição e o pós-epidemia

As regras de transição e o cenário que se pode esperar para o fim da epidemia de Covid-19 serão os temas de mais um debate da série “Saída de Emergência”, transmitido pela TV ConJur a partir das 15h desta segunda-feira (15/).

Os convidados vão discutir as previsões e desafios para retomada das atividades presenciais no Judiciário, avaliando a atuação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público diante das demandas dos operadores do Direito no país.

Também estão na pauta os vetos do presidente Jair Bolsonaro à Lei 14.010, que regula o direito privado no país durante o estado de calamidade pública.

O programa “Resoluções do CNJ e do CNMP para retomada das atividades presenciais na Justiça” receberá Ivana Farina, conselheira do CNJ; Oswaldo D’Albuquerque, conselheiro do CNMP; Carlos Von Adamek, desembargador do TJ-SP e secretário-geral do CNJ; Ricardo Sayeg, advogado e professor; e Fernanda Marinela, conselheira da OAB e do CNMP. A mediação fica a cargo de Otavio Luiz Rodrigues Jr, conselheiro do CNMP e colunista da ConJur.

Clique aqui ou acompanhe ao vivo, a partir das 15h:

https://www.youtube.com/watch?v=TZDCGZYhrz4

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Revista Consultor Jurídico, 15 de junho de 2020, 11h56

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Vivien Lys: A importância da mediação e da onciliação

É fato notório que a crise social e econômica iniciada pela declaração do Estado de Emergência da Saúde Pública pela Lei Federal nº 13.979/2020, decorrente do surto causado pela Covid-19, ainda vai trazer à sociedade inúmeros reflexos e danos inimagináveis. Não há precedentes históricos de uma crise semelhante que atingiu, abruptamente, o princípio da segurança jurídica todos os setores da economia e desnaturou o paradigma de relações sociais vivenciadas anteriormente ao atual colapso.

A ideia de submeter todos os conflitos ao Estado-juiz esbarra no conceito binário de ganhador e perdedor e as novas jurisprudências podem abrir abismos que exigem uma nova visão do advogado.

Por exemplo, as decisões judiciais nas ações de despejo por falta de pagamento apresentam critérios subjetivos variados que vão desde a ponderação que ainda não é possível auferir se o avanço do vírus causará recessão econômica [1] até a decisão de suspensão da liminar de despejo para a inquilina que estiver grávida e não pagar os aluguéis [2]. Nessa conjuntura, como deve ser a análise das chances de êxito de um processo pelo advogado?

O advogado já tem como dever de informar o cliente de forma clara e inequívoca sobre os riscos decorrentes das suas pretensões e dos possíveis resultados da respectiva ação, como previsto no artigo 8º do Código de Ética e Disciplina da OAB. Isso não é novidade!

O atual desafio do advogado é desenhar para seu cliente a matriz de risco no descumprimento dos contratos e na causa raiz do surgimento de determinado conflito, em paralelo com a escolha do método de solução de conflitos: I) negociação; II) conciliação, III) mediação; IV) Poder Judiciário; e V) arbitragem.

Essa matriz de risco engloba elementos fáticos e legais, bem como o estudo da efetividade do cumprimento da decisão judicial ou arbitral favorável ao seu cliente. A análise jurídica do advogado deverá passar pela construção de novos balizadores, como por exemplo a apresentação ao seu cliente das consequências da escolha da arbitragem ou do Estado-juiz na satisfação do seu interesse, que será postergada até o final do processo com o elemento prejudicial da tendência do aumento das ações.

A matriz de risco engloba elementos como: I) análise jurídica; II) disponibilidade do cliente para suportar o desgaste de todo o processo; III) previsão de perdas, mesmo com a prolação de uma sentença totalmente procedente;  IV) estimativa de probabilidades; e V) gerenciamento do valor do litigio dentro da necessidade de contingenciamento do mesmo, desembolso de custas e o risco da sucumbência.

A matriz de risco está vinculada à ausência de segurança jurídica nas decisões que suscitam a abertura de novos caminhos a serem trilhados pela busca da satisfação dos interesses do cliente e do advogado.

Para que o advogado seja um agente transformador dos reflexos da pandemia, é necessária a valorização do dever do advogado de promover novos caminhos ao litígio, evitando o ajuizamento das ações [3].

Com a subsunção da matriz de risco ao caso concreto, e averiguação da existência de partes vulneráveis ao seu cliente e riscos jurídicos e fáticos, caberá ao advogado indicar ao seu cliente o uso da mediação ou da conciliação, como previsto no artigo 3º, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil de 2015, para que haja a ampliação das possibilidades de resolver as consequências negativas da atual crise, pois a necessidade dos litigantes de obter a solução de seus problemas será medida de ordem!

 é advogada, mediadora, mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização lato sensu em Contratos pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização em Arbitragem e Mediação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora de mediação no Centro Mediar.

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Bolsonaro autoriza Weintraub a indicar reitores de universidades

Calamidade pública

Bolsonaro autoriza Weintraub a indicar reitores de universidades e institutos

Uma medida provisória divulgada nesta quarta-feira (10/6) autoriza o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a indicar reitores temporários para as universidades e institutos federais e para o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, durante o estado de calamidade pública.

A nova norma, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e por Weintraub, vale para instituições que não tenham feito consulta à comunidade acadêmica antes da suspensão das aulas presenciais e cujos mandatos dos dirigentes terminem durante o estado de calamidade.

“Não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da Covid-19”, diz o artigo 2º da MP 979.

O artigo 3º define que o ministro da Educação vai designar reitor e vice-reitor pro tempore para exercício “durante o período da emergência de saúde pública” e “pelo período subsequente necessário para realizar a consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, até a nomeação dos novos dirigentes pelo Presidente da República”.

Clique aqui para ler a MP 979

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Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2020, 9h51

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Opinião: A Covid-19 e o perigo da corrupção

O avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil fez com que o poder público fosse incumbido da difícil tarefa de planejar e adotar medidas visando à contenção e ao combate à doença. Entre estas, optou-se pela flexibilização temporária de normas aplicáveis às contratações da Administração Pública, quando destinadas ao enfrentamento da doença, e enquanto perdurar a situação de emergência. A referida medida está prevista na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro, sancionada pelo governo federal, que também inovou ao prever a possibilidade de contratação de empresas com a inidoneidade declarada ou com o direito de licitar ou contratar com a Administração Pública suspensos, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

O legislador, ao flexibilizar o dever constitucional de licitar, agiu com o objetivo de incentivar os ideais de desburocratização, agilidade e eficiência nas compras e serviços destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública. No entanto, a flexibilização das regras representa um sinal de alerta, na medida em que amplia os riscos de corrupção nestas contratações. Riscos, inclusive, já constatados na prática com a recente deflagração de diversas investigações para a apuração de fraudes, superfaturamentos e demais irregularidades. Nesse cenário, os atos corruptivos acabam por criar obstáculos ao fornecimento de equipamentos e insumos sanitários importantes, distanciando a gestão pública do seu objetivo inicial de conferir agilidade e eficiência às contratações emergenciais.

As limitações operacionais impostas pelo isolamento social e trabalho remoto criaram a percepção em alguns de que ações de fiscalização e controle poderiam ser adiadas ou sequer implementadas, ampliando os incentivos para a prática de ilícitos, dada a baixa probabilidade de resposta das autoridades. A realidade mostrou o contrário. Multiplicam-se notícias sobre operações do Ministério Público, da Controladoria Geral da União e da Polícia Federal para investigar irregularidades em contratos administrativos celebrados durante o enfrentamento do coronavírus. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Secretaria de Saúde instituiu força-tarefa para analisar os contratos firmados durante a pandemia, tendo cancelado 44 dos 66 contratos celebrados até o dia 13 de maio.

Para além da flexibilização das regras de licitação, outros fatores podem ampliar os riscos de corrupção nas contratações públicas durante a pandemia. Um deles reside na edição da Medida Provisória nº 996, de 13 de maio, ao definir as hipóteses de responsabilização civil e administrativa de agentes públicos pela prática de atos durante a pandemia. O texto prevê que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados “quando agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”, porém não determina de forma clara e precisa o que se deve entender por dolo ou erro grosseiro. A constitucionalidade da medida já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu, por maioria de votos, que os atos dos agentes públicos em relação à pandemia devem observar critérios técnicos e científicos de entidades médicas e sanitárias e o princípio da autocontenção no caso de dúvidas sobre a eficácia de eventuais medidas.

Os casos de corrupção decorrentes da pandemia não são de exclusividade brasileira. A OCDE, o Banco Mundial, a Transparência Internacional, entre outras autoridades, já se pronunciaram sobre a importância de uma cultura de integridade no contexto da pandemia. No Brasil, a Transparência Internacional e o Tribunal de Contas da União publicaram, em conjunto, um guia voltado para o poder público com recomendações para promover a transparência no contexto de contratações emergenciais. O guia se baseou nos elementos mínimos na América Latina para a redução de riscos de corrupção em contratações, incluindo a transparência sobre bens e serviços contratados, a correta administração e a prestação de contas dos recursos, o monitoramento dos gastos públicos por órgãos de fiscalização e controle e o incentivo à concorrência, evitando-se a concentração econômica.

A Controladoria Geral da União também publicou uma cartilha contendo recomendações de boas práticas de integridade em tempos de pandemia. O documento, dedicado à iniciativa privada, prevê como boas práticas a atuação proativa de lideranças para orientar colaboradores e parceiros de negócios sobre os valores das empresas e a importância da condução dos negócios de forma íntegra. A cartilha também recomenda às empresas que dediquem atenção aos procedimentos e controles de integridade preestabelecidos, mantenham registros das interações com agentes públicos, adotem medidas de transparência para divulgação de operações realizadas com a Administração Pública e utilizem e promovam os seus canais de denúncia, incluindo o canal específico criado pela CGU para recebimento de denúncias envolvendo a pandemia.

Em resumo, se por um lado o cenário de exceção criado pela pandemia tornou ainda mais sensível o risco de corrupção envolvendo as contratações públicas, por outro lado impulsionará uma nova onda de operações e investigações. Ações de fiscalização e controle têm se intensificado mesmo diante das limitações impostas pelo isolamento social e trabalho remoto. O estado de calamidade não pode resultar em um momentâneo descontrole ou falta de coordenação dos programas de compliance e ética corporativa. Para as empresas comprometidas com a promoção de um ambiente empresarial íntegro, a melhor saída é a adoção de medidas que as protejam de eventuais irregularidades nas contratações públicas, doações e nas contratações privadas.

 é sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, doutor em Direito e ex-procurador do Estado de São Paulo.

Jaqueliny Guimarães é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

Luiza Cattley é advogada do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.

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PL mantém debate sobre fake news e ataca redes de disseminação

Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei 2.630, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), também apelidado de “lei das fake news”, se abstém da difícil tarefa de determinar o que é notícia fraudulenta. Sem desestimular o debate, foca na questão da regulação feita por parte das ferramentas utilizadas na disseminação de conteúdo falso, como forma de diminuir o alcance dos atos criminosos praticados na internet.

ConJur

Essa é ideia apresentada pelo próprio autor do projeto, no seminário virtual “Saída de Emergência”, realizado pela TV ConJur na tarde desta sexta-feira. Com mediação de Otávio Rodrigues, conselheiro do CNMP e professor da USP, o evento teve como tema “A Lei das Fake News e os limites da internet” e contou com participação de estudiosos e parlamentares envolvidos na discussão.

“Como funciona hoje: a produção de fake news em escala industrial tem alguém que bola a estratégia, cria o conteúdo e usa contas falsas e rede automatizada para dar alcance rápido e intenso. Quando você tira da mão do criminoso a conta falsa e a rede de distribuição, faz com que o alcance seja drasticamente reduzido. Combate-se a prática sem entrar na seara da liberdade de expressão, que não poderia ser mitigada por força de lei”, disse o senador.

O parlamentar também explicou que o projeto de lei tem três pilares. O primeiro é garantir ao usuário o direito de defesa perante a plataforma, que já realiza mediação de conteúdo. O segundo é obrigar essas plataformas a vender contas falsas — em nome de terceiro, para uso automático. E por fim acabar com as redes de disseminação.

“Quando focamos nas ferramentas usadas para o crime, compreendemos que tiramos o peso do Judiciário, porque o desestímulo ao criminoso será elevado. Se você identifica o usuário, o criminoso fica totalmente exposto. Por isso o foco de sanção está nas plataformas, essencialmente. Elas passam a ter a obrigação de evitar o uso de contas falsas, de redes de distribuição não declaradas”, afirmou.

A partir do desrespeito a essas diretrizes, que seriam delimitadas pelo estado, mas aplicadas diretamente por essas plataformas, surgiriam possíveis sanções, desde advertência até a suspensão do serviço em solo brasileiro.

Privacidade

Deputado federal, Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que espera uma atuação bastante temperada entre Senado e Câmara para que a discussão tenha o menor atrito possível. E na discussão, levantou algumas questões. Uma delas é referente à proposição de que o uso das plataformas pressuponha a apresentação de documento de identificação válido.

“Eu compreendo o objetivo, mas há quem critique que poderia representar uma violação da privacidade. Talvez fosse melhor prever a possibilidade em que a plataforma faz a notificação para que essa conta se identifique”, afirmou o parlamentar.

Citou, também, a preocupação por parte dessas plataformas — de Whatsapp e Telegram a redes sociais como Facebook e Twitter — de que uma nova lei inviabilize sua atividade. “Há a perspectiva de que deveríamos estimular a autorregulação por parte das plataformas, mas com regras fixadas”, afirmou. 

Autorregulação regulada
Juliano Maranhão, professor da USP e pesquisador do assunto, diz que essa autorregulação regulada citada pelo deputado é um caminho híbrido entre dois formatos já fixados no ordenamento jurídico. São eles: a regulação externa, em que o Legislativo define o ilícito, estabelece obrigações, imputa responsabilidade, e o Judiciário aplica; e a autorregulação, em que um órgão representativo cuida desse equilíbrio, como no caso do Conar para o mercado publicitário.

Na autorregulação regulada, o estado vai definir parâmetros que deverão ser seguidos por agentes do mercado, de forma a atender determinados requisitos. “É uma saída ponderada e inteligente”, definiu, ressaltando que a jurisprudência formada pela instituição que fará essa atuação passará a definir a forma de ação no caso das fake news.

“O mais importante é que a responsabilização não é pelo conteúdo. O Estado exige que sejam adotados procedimentos para o monitoramento e controle de conteúdo. Mas a responsabilização é pela omissão em adotar esses procedimentos, que o Estado considera adequados para a situação”, disse.

Ação do Judiciário

Ao impor parâmetros para coibir a disseminação de notícias fraudulentas sem entrar na discussão sobre liberdade de expressão, o projeto da lei das fake news indica que pode poupar o Judiciário de uma enxurrada de processos, com resolução dos litígios. Por outro, segundo a conselheira do CNJ Maria Tereza Uille, não pode coibir que as demandas cheguem para definição pela via judicial.

“Nem tudo que acontece precisa ser levado ao Judiciário. Nessa perspectiva de prevenção, é importante que haja espaço de regulação, mas desde que nenhuma lesão deixe de ser levada ao Judiciário se assim entender o cidadão”, apontou. “No projeto de lei, o senador teve o cuidado de propor sanções. Os provedores ficariam sujeitos a penalidades, assegurado o devido processo legal. Acho que é um debate importante”, acrescentou.

Na avaliação de Uille, embora a legislação penal preveja punição a casos de calúnia, injúria e difamação, ela está defasada para lidar com a questão das fake news. “Um tipo de sanção rápida e efetiva seria, também, a obrigatoriedade de publicação de nota de informação em respeito às pessoas que foram atingidas. Na medida em que a notícia falsa se alastra, o direito de imagem da pessoa atingida é de difícil reparação”, propôs.

Clique aqui para ler o PL 2.30

Assista abaixo ao seminário virtual:

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Na epidemia, é preciso priorizar lado humano no Direito Penal

A epidemia de coronavírus está deixando claro que os operadores do Direito devem priorizar o lado humano e os direitos fundamentais na aplicação das leis penais. Essa é a opinião de especialistas em seminário virtual promovido nesta quarta-feira (3/6) pela TV ConJur.

Reprodução

O debate é parte da série de encontros chamada “Saída de Emergência” e teve o tema “Direito Penal em tempos de quarentena”. O evento foi apresentado e organizado por Otavio Luiz Rodrigues Jr, professor da USP e integrante do CNMP.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro afirmou que a tecnologia tem ajudado no funcionamento de órgãos do sistema de Justiça durante o isolamento social. No entanto, os operadores do Direito não podem se esquecer do lado humano dos acusados e réus, tratando-os de forma desconectada e virtual.

O criminalista José Luis de Oliveira Lima, o Juca, disse que, na quarentena, as interações entre advogados e integrantes do Ministério Público têm sido mais amistosas.

“Fizemos um acordo de não persecução civil, com reflexos no penal, com o MP-SP. Um dos advogados que estavam do meu lado contraiu o coronavírus e foi internado. O MP sempre se preocupava com ele, teve muita solidariedade. No Rio de Janeiro, também estamos negociando acordo de não persecução penal com a força-tarefa da ‘lava jato’, e eles tiveram a mesma cumplicidade. A relação entre as partes num processo penal pode ser mais leve”.

Já a professora Flaviane de Magalhães Barros Moraes (UFOP PUC-MG) disse que é preciso discutir a reparação do dano das vítimas da Covid-19 — algo que só tem sido questionado nos âmbitos civil e administrativo, mas não no penal.

“Estado forte é o Estado que respeita os direitos dos presos”, avaliou a professora Ana Elisa Liberatore Bechara (USP). Ela elogiou a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça. A norma sugere a reavaliação de prisões provisórias de idosos ou integrantes do grupo de risco da Covid-19. Porém, criticou a falta de unidades de saúde em presídios e, especialmente, a ideia de abrigar detentos em contêineres. A seu ver, a medida levaria a “enormes violações de direitos humanos” e aumentaria o risco de contaminação pelo coronavírus.

Por sua vez, Samantha Chantal Dobrowolski, subprocuradora-geral da República, opinou que o Direito Penal não é adequado para induzir políticas públicas, salvo no caso do sistema prisional em face da epidemia. Na visão dela, o atual cenário “gera reflexão de que é preciso atuação estatal pelo desencarceramento, não necessariamente pela atuação judicial”.

Contudo, analisou, o Direito Penal não deve ser usado para forçar pessoas a cumprir medidas para evitar a propagação do coronavírus. O melhor, nesse caso, é aplicar multas administrativas a quem desrespeitar as regras.

Respeito ao Judiciário

O ministro Nefi Cordeiro defendeu o respeito às diferenças — algo fundamental para o desenvolvimento da sociedade, a seu ver.

“A não admissão do diferente contamina não só as pessoas, mas as instituições. Vemos em todos os poderes manifestações, no mínimo, polêmicas. O Judiciário determinando se aplica ou não um medicamento. O Legislativo adiando decisões urgentes. E o Executivo isolando-se. É preciso resgatar o sentimento de humanidade, de admissão das diferenças, pois só através delas poderemos evoluir”, declarou.

Rebatendo as constantes críticas ao Judiciário, Juca afirmou que o Poder deve ser defendido como um instrumento de cidadania.

“As pessoas têm o direito de criticar decisões judiciais, mas de forma civilizada. Quem ultrapassar esses limites tem que responder por isso. Não podemos admitir que um ministro seja ofendido em um avião e fique por isso mesmo. Além de ser um ato de covardia, a pessoa tem que ser responsabilizada por esse ato. Isso não é liberdade de expressão. A sociedade tem que ficar mais civilizada”.

Clique aqui para ver o seminário ou acompanhe abaixo:

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.