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Entrevista: Leandro Daiello, ex-diretor-geral da Polícia Federal

O porto-alegrense Leandro Daiello Coimbra, 54 anos, raramente dá entrevista. Depois de quatro adiamentos, finalmente recebeu a ConJur na tarde do último dia 3, no escritório de seu novo trabalho depois que se aposentou na Polícia Federal, na área de compliance e investigação empresarial no escritório Warde Advocacia.

Na entrada da sala que toma quase todo um andar de um prédio comercial na região dos Jardins, zona nobre da capital paulista, um senhor portando cuia de chimarrão e trajando máscara azul foi a senha para a reportagem da ConJur reconhecê-lo. “O doutor [Daiello] não tem uma [máscara] colorada?”

“Bah, tchê, se usar uma do Inter, não entro em casa”, respondeu o agora sorridente gremista, já sem o aparato de prevenção à Covid-19, mas mantendo distanciamento seguro em tempos de epidemia.

O mais longevo diretor da Polícia Federal desde a redemocratização, empossado em 14 de janeiro de 2011, função que exerceu até 8 de novembro de 2017, já no governo do presidente Michel Temer, Daiello confessou que sua nomeação era inesperada. 

“Estava nomeado para ser adido da PF em Roma. Minha mulher falando italiano, meu cachorro com chip para ir embora. O Cardozo nunca me contou porque me convidou.”

Segundo José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça do governo da presidente Dilma Rousseff (2011-2016), “Leandro tinha feito um excelente trabalho à frente da Polícia Federal em São Paulo, e seu nome era muito bem referenciado por advogados, membros do Ministério Público e juízes”. “Fiz duas entrevistas e fiquei muito bem impressionado”, disse à ConJur.

Durante a conversa, o delegado da PF por mais de 22 anos, sendo superintendente em São Paulo antes de ir para Brasília, graduado em Direito pela PUC-RS e com MBA em Gestão de Segurança Pública pela FGV, lembrou dos desafios à frente da instituição, dos segredos da longevidade na função, das divisões internas, das interferências do Executivo e dos vazamentos.

“Acho que a polícia tem que ser indicada pelo chefe do executivo. Ele tem representatividade. O presidente expôs as suas ideias e foi eleito. Quando ele assume a presidência, é para impor as ideias que a maioria decidiu votando nele”, disse. Mas fez uma ressalva na aplicação da política de segurança pública: “É óbvio que, quando se fala em investigação, tem que ter autonomia. Isso é outra questão, senão é sabotar. Que é difícil. As pessoas misturam”.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Qual foi maior desafio que o senhor encarou na administração da Polícia Federal?
Daiello — É uma boa pergunta, porque o problema sempre parece maior quando você já superou e ficou para trás. O maior desafio era ter a obrigação de que a polícia continuasse trabalhando no ritmo que vinha, crescendo e amadurecendo cada vez mais, para ser uma polícia legalista e republicana.

ConJur — Quais as razões podem explicar sua longevidade no comando da PF?
Daiello — Difícil avaliar o motivo da permanência. O que tenho imaginado é que a questão orçamentária passou por bons momentos e momentos difíceis, como o país teve, como o governo teve. A Polícia Federal acompanhava o seu orçamento de acordo com as dificuldades. Se aquele ano o orçamento era melhor, a gente fazia bons investimentos.

O que se trabalhava muito naquele período era preservar a parte operacional para que funcionasse sempre dentro do seu limite possível. A Polícia Federal é uma polícia de investigação e tem que investir em investigação. É óbvio que, para que isso aconteça, tenho que ter policiais preparados, estruturas preparadas, bons equipamentos.

Então o que nós trabalhávamos na questão orçamentária? Cuidando para ter um investimento para o futuro. 

ConJur — Há várias PFs dentro da PF? É uma entidade marcada por divisões? É incontrolável?
Daiello — Ousaria discordar. Diria o seguinte: não é que a PF seja incontrolável, é muito dinâmica, cresceu e amadureceu nos últimos anos de uma maneira que conseguiu deixar claro que é uma polícia técnica, que se preparou para fazer um trabalho técnico e científico. Entendeu que o policial era a parte mais importante do funcionamento e recruta pessoas com muita qualidade. Isso faz com que as pessoas tenham opinião. Isso também faz com que a organização cresça e se desenvolva. Então eu não diria grupos, temos constantemente as pessoas buscando e trazendo ideias novas. Eu não consigo vislumbrar grupos dentro da Polícia Federal. Existem posições divergentes, que é o que faz a polícia andar e crescer.

ConJur — A entidade precisa de mais autonomia?
Daiello — Temos que dar alguns passos que preservam a autonomia da instituição. A orçamentária foi um bom primeiro passo. Uma autonomia para poder definir sobre concurso também é muito importante, para ter uma política de ingresso constante, de treinamento, de desenvolvimento e acompanhamento dos agentes. No entanto, quando se discute autonomia do policial na investigação, isso é básico. Deve ser definido como uma coisa indiscutível, sendo que esse policial tem um limite muito claro: a lei. O que vai limitar as ações do policial é a lei. Ele não vai fazer mais do que ele pode, do que a lei permite, nem menos do que a lei determina. E aí tu colocas o policial e a organização entre duas linhas, muito simples. O que a lei determina fazer e o que a lei determina não fazer. E aí eu faço uma polícia independente, autônoma e republicana. A polícia se torna forte no momento em que ela é legalista.

ConJur — O senhor concorda com o modo como a carreira do policial federal está estruturada?
Daiello — Acho interessante porque os resultados que a Polícia Federal atingiu nos últimos anos são impressionantemente bons. Não só no que se refere a operações, mas quanto à qualidade dessas investigações e quanto ao resultado dos seus inquéritos. Se discute muito um instrumento que é policial, mas as últimas estatísticas que eu acompanhei, o índice de esclarecimento, numa investigação, num inquérito policial dentro da PF, era um dos maiores do mundo. Então vejo que a estrutura está funcionando, é boa, e não faria nenhuma mudança radical. Alguma modernização na estrutura? Possível. Alguns cargos poderiam ter suas atribuições modernizadas? Sim, estamos vivendo uma era digital, uma outra realidade, e a organização vai se modernizando e seus cargos, suas atribuições, podem ser modificadas. Diria modernizadas.

ConJur — A pluralidade dentro da corporação é boa, mas também pode ser um fator negativo e de desgaste quando você é o gestor dessas pessoas com visões de mundo diferentes. Como era no seu tempo? O que o senhor fez para fazer desse ambiente plural também produtivo? O senhor teve muito problema com oposição interna?
Daiello — Eu realmente não consigo identificar grupos, identifico ideias diferentes e propostas e diretrizes para o futuro da polícia diferentes. Isso não é dividir a polícia em grupos, é pensar num futuro diferente. Não necessariamente que a tua ideia seja melhor. E essa é a grandeza de poder administrar como equipe. Administrava 27 superintendentes e sete diretores. Um grupo que está ouvindo, que está se renovando. A Polícia Federal se renova muito rápido, tem sempre gente nova. Isso é muito bom, porque ela é sempre moderna. Imagina se a Polícia Federal não aceitasse opiniões novas. Se tornaria uma polícia velha e antiquada. Ela é rápida e dinâmica. A PF, de certa maneira, consegue ouvir as novidades do efetivo e vai andando para frente.

ConJur — Interferência, o senhor sofreu alguma no seu período? Como lidava?
Daiello — O que a gente precisa entender: a estrutura da organização foi construída para que trabalhasse de maneira independente e, volto a dizer, não é trabalhar de maneira independente e cada um faz o que quer. É independente dentro de um padrão de regras, de leis, de manuais e tudo mais. A polícia analisou todos os seus procedimentos de investigação, de abordagem, de passaporte. Ela tem manual, tem ordem de serviço. Isso faz com que a pessoa tenha uma tranquilidade, que aqueles procedimentos já foram testados e têm bons resultados e a garantia de que nada de interferência vai acontecer naqueles procedimentos.

ConJur — Só que existiu barulho e pressão. Houve a “lava jato”…
Daiello — O que uma organização no momento desse tem que fazer é tentar ser mais transparente possível. E como se faz isso? Se alguém apresenta alguma reclamação de um procedimento que eu acho que é indevido, a polícia tem que apurar o acontecido, esclarecer e deixar transparente. O que aconteceu foi isso. Acho que a polícia aprendeu e continua sendo transparente. Não estou falando que a operação vai deixar de ser sigilosa, mas ser transparente nos seus procedimentos, nos seus processos. Eu peço busca, faço busca. Essa transparência. E se houver algum questionamento sobre ter sido abusiva, vamos apurar se houve. Se houve, vamos proceder, se não, vamos entender aquela apuração com clareza.

ConJur — Algum grupo da Polícia Federal faz intercâmbio com departamentos de Justiça ou de polícia estrangeiros sem o diretor-geral ficar sabendo, é possível?
Daiello — O diretor-geral não vai saber exatamente as questões específicas de um caso. O que ele faz? Define os modelos, os padrões, os manuais e as prioridades. Isso parametriza a tua relação. Então quando a gente fala de relação com outros países, com outras polícias, não há hoje como fazer o enfrentamento do crime organizado, num porte mais elevado, sem a relação com as polícias da América do Sul, da Europa. Não existe essa possibilidade. O dinheiro hoje se movimenta no mundo de maneira digital, não precisa mais enfrentar uma fronteira. Então é necessário ter essa capacidade de se relacionar com ingleses, franceses, italianos, alemães. Ou seja, onde houver interesse da organização em investigação da Polícia Federal no enfrentamento, ela deverá sim ter essa capacidade operacional. Diria que, pelo que conheço dos diretores-gerais que me sucederam e o atual diretor-geral [Rolando Alexandre de Souza], que a diretriz de manter a relação com as polícias do mundo e essa capacidade operacional vão continuar.

ConJur — As operações da PF se tornaram até mote de filme e tem se caracterizado já há algum tempo por nomes criativos e muita divulgação. O senhor acha isso positivo?
Daiello — Tem dois momentos aí muito preocupantes. O momento em que a Polícia Federal é acusada de espetacularização, que vem logo após ser acusada de ser uma caixa preta e não contar o que está acontecendo. Então no momento que todos falam que a Polícia Federal é uma caixa preta, que não se sabe de nada do que acontece lá, e depois dizer que vive dando espetáculo. No período em que eu estive como diretor-geral, a gente tentava equilibrar uma maneira de prestar contas à comunidade, de não esconder informações de operações e não expor as pessoas. Entretanto, a legislação mudou e a própria imprensa começa a ter acesso aos dados da operação antes. Então os nomes já eram conhecidos na imprensa mesmo antes da PF fazer a entrevista coletiva. E as coletivas passam a servir para esclarecimento, não mais para prestar as informações. O jornalista antes estava curioso para saber o que era. Agora ele já estava preparado para fazer perguntas mais profundas porque já tinha informação.

ConJur — E isso dentro do ponto de vista do trabalho da PF é positivo?
Daiello — Acho que ainda precisa melhorar. E os colegas que ainda se encontram na polícia precisam avaliar quais são os procedimentos que devem ser adequados para essa nova realidade. O mundo é dinâmico e a polícia deve se adequar rapidamente.

ConJur — Caso não houvesse tanta divulgação, a PF teria tanta força para fazer o trabalho que fez na “lava jato”?
Daiello — A PF se preparou como uma polícia de investigação. Digo isso com muita tranquilidade. Tive oportunidade de conviver com várias polícias do mundo, e ela é uma polícia muito bem preparada. Tem uma capacidade operacional de investigação que chama atenção até de outros países. Então, dentro desse aspecto, acho que sim. E acho mais. A maturidade do efetivo sabe da sua missão, dentro do espaço da lei. O que é obrigado a fazer e o que não pode fazer. Dá tranquilidade. O policial não tem escolha se vai investigar ou não. Ele tem que investigar.

ConJur — Não houve um período em que a PF focou só em investigar políticos?
Daiello — No meu período, as estatísticas na apreensão de drogas e no enfrentamento de grandes organizações na questão do tráfico internacional aumentavam anualmente. A diferença é que uma operação contra o tráfico já não tinha tanta mídia quanto uma operação de enfrentamento da corrupção. A percepção de que a parte segunda estava trabalhando sozinha é muito para fora. Dentro das estatísticas e dos acompanhamentos que a administração fazia, a questão do enfrentamento do tráfico de drogas continuava crescente.

ConJur — No meio desse barulho provocado pela “lava jato”, a PF acabou pegando uma fama de ser uma instituição cheia de vazamentos.
Daiello — Posso dizer com muita tranquilidade que toda vez que se suscitava da possibilidade de ter ocorrido um vazamento, era instaurado um procedimento e que, quase a totalidade deles nós concluímos que aquela informação tinha saído depois do encerramento do sigilo do processo. Ou seja, a notícia tinha saído 1 ou 2 horas depois de ter sido encerrado o sigilo do procedimento. Logo não há o que se falar em vazamento porque não é um procedimento mais sigiloso. Mas o que nós fazíamos na época para deixar as coisas muito transparentes era, havendo dúvida, instaurava-se um procedimento para esclarecer.

ConJur — Um dos efeitos colaterais da notoriedade pública é que as pessoas acabam se deixando levar e avançando em certos limites. Na sua época vocês se preocupavam em blindar os agentes disso?
Daiello — Foi construída dentro da Polícia Federal uma política de comunicação social. Era uma maneira de tentar dar uma mensagem para a sociedade de que estávamos trabalhando e que éramos uma polícia transparente. Quem faz o trabalho é a Polícia Federal. Não existe investigação de um homem só. Não existe uma operação que não tenha uma grande equipe, que trabalhou por muito tempo e com muita dedicação. E, via de regra, os grandes policiais são os anônimos. Aquele cara que não aparece justamente porque a operação ocupa demais.

ConJur — A ideia de mandato seria interessante para o cargo de diretor-geral?
Daiello — É e eu cheguei a discutir com os colegas de administração sobre isso. Éramos muito simpáticos à questão do mandato. Só discutíamos como seria o processo de escolha do diretor-geral. E isso realmente não se conseguiu ter uma maturidade na época para se fazer uma proposta.

ConJur — O diretor da PF ser indicado pelo presidente é o modelo ideal?
Daiello — Ainda acho que a polícia tem que ser indicada pelo chefe do executivo. Ele tem representatividade. O presidente expôs as suas ideias e foi eleito. Quando ele assume a presidência, é para impor as ideias que a maioria decidiu votando nele.

ConJur — Inclusive uma política de segurança pública?
Daiello — Inclusive. Então a polícia tem que estar vinculada a isso. É óbvio que, quando se fala em investigação, tem que ter autonomia. Isso é outra questão, senão é sabotar. Que é difícil. As pessoas misturam.

ConJur — O senhor mencionou várias vezes que a Polícia Federal é uma instituição dinâmica. Ela está preparada para lidar com um desafio como o das fake news?
Daiello — É claro que é difícil eu responder agora, não me encontro mais na direção, mas conhecendo a organização, tenho certeza de que existem grupos de estudos, que existem policiais se preparando. Tenho certeza que a Polícia Federal já tem contato com outros países para ver se tem alguma solução, alguma sugestão. Porque nós podemos perceber que esse não é um problema do Brasil. É do mundo. E o mundo procura uma maneira de achar uma solução para isso sem criminalizar tudo, sem censurar.

ConJur — Ainda sobre fake news. Como funciona a dinâmica de um inquérito como o instaurado pelo STF?
Daiello — O ministro pede para a polícia fazer um levantamento de tal objeto. A polícia faz um relatório e devolve, ponto. Como vale nos outros inquéritos. O Supremo faz os inquéritos do foro privilegiado. Via de regra alguns ministros definem diligências assim também. Outros a gente propõe e ele defere. Lembrando que as investigações de foro privilegiado são investigações judiciais, não investigações administrativas. É sempre bom não misturar isso.

ConJur — Dados mostram que a polícia mata muito no Brasil, a PF sabidamente participa muito pouco de confronto e não entra nessa estatística. Em algum momento o país deveria ter tentado desmilitarizar a polícia?
Daiello — Acho que não tem que discutir se é militar ou não, se usa farda. O que nós temos que discutir é a formação do policial. Nós temos que formar bem, temos que fazer com que a sociedade perceba que aquele personagem está ali para trabalhar, que é parte daquela comunidade, que está se defendendo ao proteger a comunidade. Agora, é formação, é investimento. Você não forma um policial na academia. Esse é o primeiro passo da formação. Tem que estar constantemente sendo formado e sendo trabalhado.

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Entrevista: José Eduardo Cardozo, advogado e ex-ministro da Justiça

José Eduardo Martins Cardozo apareceu e saiu dos holofotes da cena política em dois processos de impeachment. Em ambos, suas teses acabaram derrotadas. No primeiro, como presidente da CPI da Máfia dos Fiscais na Câmara de Vereadores de São Paulo, durante a gestão do então prefeito de São Paulo Celso Pitta (1997-2000), o pupilo do ex-prefeito Paulo Maluf acabou se safando em votação no plenário, em junho de 2000.

Mas o trabalho de Cardozo rendeu a cassação de três vereadores e, na eleição daquele mesmo ano, foi o candidato a vereador mais votado na capital paulista, com quase 230 mil votos.

Em 2016, depois de dois mandatos como vereador, outros dois como deputado federal e cinco anos à frente do Ministério da Justiça (2011-2016), deixou a função de advogado-Geral da União em maio quando a então presidente Dilma Rousseff foi afastada pela Câmara dos Deputados. Passou a atuar como advogado particular da petista durante o processo de impeachment no Senado.

Nos embates com Janaina Paschoal, uma das coautoras do pedido contra Dilma, a hoje deputada estadual pelo PSL levou a melhor na batalha. E acabou sendo eleita em 2018 com a votação mais expressiva (2.060.786) na história da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Cardozo se retirou da vida política e voltou a ser advogado e professor. Procurador do Município de São Paulo aposentado, hoje advoga e dá aulas na capital paulista (PUC) e em Brasília (UniCEUB).

Em entrevista exclusiva à ConJur, bateu no ativismo judicial, defendeu sua gestão à frente do Ministério da Justiça durante os governos Dilma  (2011-2016) e lembrou da pressão que sofreu tanto do seu partido [PT] quanto da oposição por suposta falta de “controle” sobre as ações da Polícia Federal.

Lembrou de quando foi convocado para depor no Congresso: “Das duas, uma, ou eu não controlo [a PF] ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso”.

Cardozo criticou os “engenheiros de obras prontas” nos casos da “Lei Anticorrupção” e do instituto da delação premiada, ambas sancionadas por Dilma e ferramentas essenciais nas condenações proferidas pelo então juiz Sergio Moro.

Quando você faz uma lei, é a partir da análise do momento em que é elaborada. Nunca imaginei que fosse ser utilizada da forma abusiva que foi.”

Na conversa de mais de 2 horas pelo telefone, o professor falou muito sobre impeachment, do acordo de cooperação investigativa com os Estados Unidos, de Constituição, do governo Bolsonaro e do nosso ordenamento jurídico.

“Não foi o ordenamento jurídico que falhou [nos abusos cometidos pela “lava jato”]. Foram os homens que operavam o ordenamento jurídico que falharam. Pelo Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Pelo Estado de Direito, não poderiam ter feito coisas como foram feitas, condenações sem provas, condenações por convicções, condenações midiáticas, operações feitas para chamar atenção da opinião pública.” 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Na entrevista em que anunciou que deixava o governo, o então ministro Sergio Moro [Justiça] citou vocês [governos Lula e Dilma]. Disse que a Polícia Federal não sofreu interferência direta como viria a sofrer neste atual governo. Não deixa de ser um elogio, mas também não foi temerário deixar o consórcio formado a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba operar com tamanha liberdade?
José Eduardo Cardozo — É uma crítica que tenho ouvido muitas vezes. Lembro da época que até fui criticado por alguns companheiros. Por adversários também, quando uma investigação chegava aos deles.

Diziam que estava instrumentalizando a Polícia Federal contra eles. Fui até chamado no Congresso. Estava em curso uma investigação que falava do cartel do Metrô de São Paulo. Tinha mandado abrir uma investigação e me chamaram para dizer que eu estava intimidando o Congresso, instrumentalizando a Polícia Federal.

Falava: das duas, uma, ou eu não controlo ou eu instrumentalizo. Decidam. Na verdade, não era nem controlar nem instrumentalizar, é saber respeitar o Estado de Direito, só isso. Não se  pode interferir numa investigação, a não ser em casos de abusos, abrindo inquéritos. E isso foi feito em todos os casos por mim quanto pelo Leandro Daiello, que era o diretor-geral da Polícia Federal.

ConJur — Mas houve muito abuso, não? Fica a impressão de que Polícia Federal e Ministério Público são incontroláveis, sem hierarquia.
Cardozo — Estes órgão têm autonomia investigativa, mas não têm autonomia para cometer abusos. Várias inquéritos foram abertos quando se tinha vazamento. Aliás, vou ser bem sincero. Na “lava jato”, parte daquilo que a imprensa falava em vazamento, era Moro quem já tinha levantado o sigilo de inquérito. Então não havia ilegalidade. Agora, se alguém da força-tarefa indicava aos jornalistas páginas do processo… Mas era público.

Muitas vezes a Polícia Federal é a parte visível das operações porque faz a busca, a prisão. A Polícia Federal apenas cumpre o que um juiz determina.

O ministro da Justiça não tem como punir delegado, mesmo que ele ache que a ordem judicial é arbitrária. Você está cumprindo ordem judicial. Quem tem que fiscalizar abusos do Judiciário não é o ministro da Justiça. É o CNJ (conselho da Justiça), o CNMP (conselho do Ministério Público).

Essa má compreensão das instituições que funcionam num Estado de Direito tem uma mentalidade autoritária. Cobra agir com os amigos diferente do que se age com os adversários. E isso fazia com que nós sofrêssemos muitas críticas de descontrole.

ConJur — Em 2014 o FBI já tinha feito grandes acordos no combate à corrupção no Brasil. Em 2013 Dilma havia sancionado a chamada “Lei Anticorrupção” e também oficializado o instituto da delação premiada. Não foi o conjunto dessas ações que possibilitou quase todas as condenações de Moro?
Cardozo — Era um projeto de lei muito antigo. Nós apoiamos. Quando você faz uma lei, é a partir da análise do momento em que é elaborada. Nunca imaginei que fosse ser utilizada da forma abusiva. Na verdade, visava combater organizações criminosas. Era necessária para enfrentá-las.

Agora, prender pessoas para delatar. Nunca imaginei que fossem dar uma latitude tão grande a isso. Hoje, pela experiência, acho que essa lei tem que ser aperfeiçoada para evitar o abuso de poder. Naquela época não tínhamos essa avaliação. Você nunca prevê o futuro.

Achava que as pessoas iam utilizar essa lei dentro das finalidades que ela estabelece e não utilizando a lei como pretexto para verdadeiros atos de tortura, quando o investigador vem e diz: “ou fala o que eu quero ou continua preso”.

Então, me admiro também, muitas vezes, alguns engenheiros de obras prontas. No momento em que a lei foi aprovada, não falaram nada.

ConJur — Houve cooperação da força-tarefa de Curitiba diretamente com investigadores dos Estados Unidos sem o governo federal ser informado. O que o senhor tem a dizer?
Cardozo — A Polícia Federal tem acordos de cooperação com polícias do mundo inteiro, não só com os Estados Unidos. Evidentemente eu não sei te dizer que tipo de contatos foram utilizados pela força-tarefa, Ministério Público e Polícia Federal com o acordo de cooperação. Há muita especulação sobre isso. Sou daqueles que não falo por convicções, só com provas.

Então, sinceramente, acho que não tenho como falar de fatos que eu não sei e que pesa haver muita especulação a respeito.

ConJur — Anos depois, como o senhor avalia a operação “lava jato”. Está enfraquecida?
Cardozo — A “lava jato” tem dois lados. Uma intenção muito boa e um propósito excelente que é o combate à corrupção. A corrupção é um dos grandes malefícios do Brasil historicamente.

Mas tem um lado perverso. No Estado de Direito, os fins não justificam os meios. E em face dessa situação eu vi na operação situações extremamente abusivas. Aquelas que competiam à Polícia Federal eu mandei abrir sindicância. Todavia, vi uma série de abusos no âmbito do Poder Judiciário e no âmbito do Ministério Público.

Prisões indevidas, temporárias, cautelares, apenas com o objetivo de intimidar, de criar fatos midiáticos ou delações premiadas. Situações de perda de imparcialidade. Aliás, todas elas agora escancaradas pelas divulgações do The Intercept Brasil.

Então vejo um lado perverso, demoníaco, que prestou um grande desserviço ao país, que é exatamente essa burla da legalidade, responsável pelo desequilíbrio de poder. Acho que seria perfeitamente possível, como todos os países do mundo fazem, combater a corrupção de frente, sem comprometer a saúde das empresas. A “lava jato” acabou provocando, no Brasil, problemas e danos econômicos seríssimos.

Nós tentamos dialogar com o Ministério Público justamente para punirem as pessoas físicas que tinham feito isso. Punir o CPF, mas não punir as empresas.

ConJur — Nosso ordenamento jurídico falhou?
Cardozo — Não foi o ordenamento jurídico que falhou. Foram os homens que operavam o ordenamento jurídico que falharam. Pelo Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Pelo Estado de Direito, não poderiam ter feito coisas como foram feitas, condenações sem provas, condenações por convicções, condenações midiáticas, operações feitas para chamar atenção da opinião pública ao invés de uma finalidade de investigação.

ConJur — Uma avaliação da gestão de Moro à frente do Ministério da Justiça.
Cardozo —  Logo que ele aceitou, para meu espanto, um ministério daquele que indiretamente ajudou a eleger, achava antiético. Dizia também o seguinte: pelo perfil que eu observava, Jair Bolsonaro, que eu conheci, porque fui deputado com ele, e Sergio Moro, que observei como juiz, a situação era incompatível sem que um se submetesse ao outro.

E neste pouco mais de um ano que esteve no Ministério da Justiça a atuação ficou muito a desejar. Se limitou ao tal do “pacote anticrime”. Se tivesse sido aprovado na versão que ele mandou para o Congresso, seria um desastre. Vi também uma postura muito acanhada como ministro durante a crise do coronavírus. Ele sumiu.

ConJur — O senhor publicou recentemente um artigo aqui na ConJur em que defende decisão liminar que impediu a posse do novo diretor-geral da Polícia Federal escolhido pelo presidente.
Cardozo — Exato.

ConJur — No mesmo texto, porém, discorda de uma também decisão monocrática do STF, em 2016, que impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro da então presidente Dilma. Pode explicar melhor?
Cardozo — Tenho sido muito crítico do ativismo judicial. Julgar significa aplicar dentro das possibilidades daquilo que a lei e a Constituição dizem. Não pode ser aquilo que eu quero que a Carta diga. Descalibra o Estado de Direito. Feita a ressalva, digo que a teoria do controle de atos administrativos pelos textos jurídicos é uma norma antiga e pacífica. Vem do Direito francês e tem relação com a aplicação do princípio da legalidade. Se no Estado de Direito é a lei que determina o que é interesse público, o ato administrativo perfeito tem por finalidade alcançá-lo. Se um ato administrativo concretamente praticado se desvia da finalidade que a lei consagra, é um ato ilegal. E se é ilegal, o Judiciário tem o dever de anular. Normalmente, os autores brasileiros e estrangeiros afirmam que o desvio de poder não exige uma prova documental, digamos assim, absoluta, mas que ele se revela por um conjunto de indícios que somados mostram a finalidade desviada do ato. Exigir recibo de desvio de poder é a mesma coisa que exigir recibo de corrupção. Você prova por um conjunto de indícios.

No caso do presidente Bolsonaro, parece que fica claro, com o conjunto de indícios que mostram a correção da decisão do ministro Alexandre de Moraes. A renúncia de Moro isolada, por si só, não seria um conjunto de indícios.

Bolsonaro já disse que teve que pedir quase de joelhos para a Polícia Federal investigar uma coisa que poderia mostrar a inocência dos seus filhos. O presidente da República nem manda nem pede investigação para preservar quem quer que seja ou para punir quem quer que seja. Quem conduz uma investigação, pela lei, é o delegado de polícia. O ministro da Justiça e presidente da República são apenas superiores administrativos da Polícia Federal. Isso não lhes dá o direito de pedir investigação, até porque num caso desse tipo em que eu queira proteger alguém, isso obviamente tem a ver com a ausência do princípio da impessoalidade, que está previsto no artigo 37 da Constituição.

O Executivo tem liberdade para escolher quem queira nomear, mas se junto de evidências que cercam a nomeação ou qualquer ato administrativo mostrar que esta nomeação se destina a desrespeitar a lei, aí é desvio de poder.

ConJur — E o caso do ex-presidente Lula?
Cardozo — Vamos aos fatos. Primeiro, Moro divulga ilegalmente um áudio descontextualizado. Hoje fica cada vez mais claro que, se tivesse divulgado todos os áudios que envolviam aquela conversa vazada, nós saberíamos que Lula não queria ser nomeado justamente para que não dissessem que ele estava tentando se livrar da prisão. Mas naquele momento não eram conhecidas as descontextualizações do áudio.

Esse áudio é a razão de ser da decisão do Supremo, uma prova ilícita que a Corte [decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes] não sabia que era.

Mas mesmo que não fosse ilícita, a presidente, claramente, por meio de seus ministros, em uma nota oficial, disse que não confirmou aquele diálogo nesse sentido. Explicou que o sentido era outro. Lula não tinha aceitado naquele momento. Só poderia ir à posse já marcada de dois ministros numa sexta-feira porque acompanharia dona Marisa ao hospital.

Então o que eu tenho juridicamente é uma prova ilegal, que pedia uma interpretação, não confirmada pela presidente. O Supremo então tinha que ter esse contexto. A teoria do desvio de poder é a mesma a qualquer ato administrativo, só que no caso de Lula e Dilma não havia a certeza.

ConJur — Sobre impeachment. Se Eduardo Cunha não tivesse poder regimental de timing do processo, o desfecho poderia ter sido outro?
Cardozo — Não tenho a menor dúvida que sim. A bola propulsora do impeachment foi Eduardo Cunha, que contou com o apoio do grupo comandado por Aécio Neves.

Esse grupo não concordava com o resultado das eleições de 2014. E desde o primeiro dia tentou articular razões para o impeachment. Recontagem, que as máquinas de votação não funcionavam. Moveram tudo o que podiam. Aí, quando nada deu certo, foram para o impeachment. Contavam com Cunha porque o o presidente da Câmara queria controlar o governo para parar a “lava jato”. Ele não escondia isso.

E a gota d’água foi quando Dilma não comandou o PT, e nem deveria, para que o partido votasse contra o pedido de processo de cassação dele.

ConJur — O senhor não acha que o presidente da Câmara acumula muito poder?
Cardozo — Acho que a legislação do impeachment, como um todo, é muito antiga. Consegue ser mais velha do que eu, de 1950 [Cardozo nasceu em 1959].

Houve até um pedido do PCdoB, que entrou com uma ação no Supremo para criar regras depois do impeachment já aberto. Houve uma decisão do ministro [Luís Roberto] Barroso, e o STF acatou as regras como base do julgamento do presidente Fernando Collor. É necessária uma nova lei que rediscipline o impeachment. Precisa ser ajustada à Constituição de 1988, ao espírito democrático dela, inclusive dessa questão da abertura do processo de impeachment.

ConJur — No impeachment de Dilma, muitos defenderam que os crimes de responsabilidade tenham natureza penal. Outros defendem que são de natureza política.
Cardozo — O  fato dele ser chamado de crime não o transforma num processo penal, até porque um presidente pode ser condenado penalmente ou não condenado penalmente e ter ou não ter um processo de impeachment.

São responsabilizações diferentes, o que não afasta a necessidade de ter pressupostos jurídicos. A diferença entre o presidencialismo e o parlamentarismo, uma delas, está justamente no fato que quando um presidente perde a maioria parlamentar, ele cai. No presidencialismo, não. Então isso mostra que não basta perder a maioria parlamentar, é necessário juridicamente ter pressupostos e um ato ilícito grave sobre o qual se abre defesa para que se perca o mandato.

Ora, portanto não é um processo só político, em que basta a conveniência. É necessário demonstrar a ocorrência de um fato que justifique o crime de responsabilidade.

ConJur — O senhor acha que a presidente Dilma não cometeu crime. E o presidente Bolsonaro?
Cardozo — Não tenho a menor dúvida. Tinha muita dúvida antes, nos últimos meses. Porque os primeiros atos dele foram irracionais, destemperados, falava-se muita bobagem. Falar bobagem e mostrar situações de descompasso com a racionalidade não são crimes de responsabilidade.

A partir do momento em que passa a participar da convocação de atos antidemocráticos. Em que tenta utilizar o seu poder para interferir nas investigações, isso a meu ver configura crime de responsabilidade.

Agora, há um juiz de conveniência e oportunidade que compete ao Congresso. O presidente pode partir para o ilícito e entender que não é caso de impeachment porque seria pior para a sociedade tirá-lo do que ele ficar. Então, por isso que é um processo jurídico-político.

ConJur — Alguma sugestão de como deveria ser redesenhado o processo de impeachment no presidencialismo brasileiro?
Cardozo — Tenho duas sugestões. Uma micro e outra macro. A micro é uma nova lei, uma perspectiva que seja mais segura, para garantir  o contraditório.

Numa perspectiva maior, daí eu falo das minhas convicções, que não são nem as do meu partido. Sou parlamentarista, acho o presidencialismo um sistema que traz instabilidade política e insegurança. Então, pessoalmente, se pudesse, proporia para o país o semipresidencialismo, que acho que se ajustaria muito bem à realidade histórica e cultural brasileira, nos moldes que existe em Portugal e na França. E isso casa com o voto distrital misto, que é o sistema alemão. Tudo isso qualificaria o sistema perfeito? Não, porque não existem sistemas perfeitos nem democracia perfeita, embora seja o melhor dos sistemas.

ConJur — Acha que o inquérito autorizado pelo Supremo contra Bolsonaro pode canalizar a decisão para o Judiciário em vez de ficar no Congresso?
Cardozo — Pode. A Procuradoria-Geral da República teria que denunciá-lo. Aí a autorização para abertura do processo pode implicar no seu afastamento. Claro, até o julgamento do processo. Então, talvez, se isso vier a acontecer, seria a maneira mais rápida, dentro da Constituição, desde que provado que ele praticou o crime. Ele pode ser afastado.

ConJur — Sobre Constituição. O senhor acha que ruiu esse modelo de 1988?
Cardozo – Não. Sou um defensor da Constituição de 1988, embora ache que existem algumas questões que nós devemos discutir para aperfeiçoá-la. O grande mérito dela é que firmou um Estado Democrático de Direito e assegurou direitos fundamentais e instituições como nunca antes nós tivemos na nossa história.

Evidentemente que há aspectos, por exemplo, em que acho que não andou bem. A reforma agrária, por exemplo. A Constituição de 1946 é um pouco mais avançada do que a nossa atual. Mas, de modo geral, é uma Constituição avançadíssima dentro da nossa história.

ConJur — Um dos argumentos utilizados para o impeachment de Dilma era a questão orçamentária, equilíbrio fiscal, que está dentro desse desenho da Constituição.
Cardozo — Sou favorável ao equilíbrio fiscal. Acho que nenhum governo pode ser irresponsável com as suas contas. O que eu sou contra é o engessamento que foi feito não pela nossa Constituição, mas por aquela emenda ao longo do governo Temer [2016-2018], que engessa teto de gastos. Aí é um pecado introduzido pelo Michel Temer.

ConJur — A emenda do teto de gastos e a reforma trabalhista redesenharam a Constituição?
Cardozo — Acho que trouxe grandes marcas à Constituição. Ou seja, o mal não está na estrutura da Constituição de 1988, está em certas questões que foram nela introduzidas, a meu ver incompatíveis a seu próprio espírito. O Congresso decidiu. A reforma trabalhista foi muito ruim. O teto de gastos foi péssimo. Não é questão para ser tratada em Constituição. A Carta Magna tem que colocar os grandes princípios. Ali se tentou agradar o mercado e realmente se esqueceu que o Estado Democrático de Direito do Brasil é um Estado social.

ConJur — Na campanha de 2018 Fernando Haddad chegou a defender uma nova Constituição. O que o senhor pensa a respeito?
Cardozo — Não concordo. Acho que o redesenho constitucional do Brasil hoje vai sair pior a emenda que o soneto. Uma Constituinte hoje, no clima que nós vivemos no Brasil de intolerância, de ódio disseminado, onde o símbolo da arminha prevalece ao símbolo do coração. Diria que seria uma Constituição do ódio, não da pacificação e não da estruturação de um Estado democrático, como faz a de 1988.

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Sebastião Ventura: Ainda não há condições para impeachment

O pedido de demissão do agora ex-ministro da Justiça Sergio Fernando Moro tumultua agudamente a já combalida realidade política nacional. Se não bastassem as fundas repercussões da tragédia do coronavírus, as placas tectônicas de Brasília entram em frenética dinâmica acelerada, ganhando temperatura e pressão. As consequências são naturalmente imprevisíveis, impondo às autoridades públicas o dever de agir com altura e responsabilidade na condução de assunto tão delicado.

Ora, ninguém vira ministro sem o aval presidencial, como ninguém permanece no cargo contra a vontade do presidente. Por assim ser, a sucessão ministerial é um fato corriqueiro na vida governamental. O problema é que, no caso, o demissionário, além de sério, respeitado e ilustre, encarnou o decidido combate à corrupção política, levando tal imagem e credibilidade à Esplanada dos Ministérios. Surpreendentemente, Sergio Moro foi demolidor em seu discurso de despedida, insinuando uma série de irregularidades que, uma vez comprovadas, poderão resultar em potencial crime de responsabilidade presidencial (artigo 85, CF).

Objetivamente, além de indicar indevida pressão política para a substituição da chefia institucional da Polícia Federal, o ex-ministro da Justiça foi categórico em questionar a veracidade de determinadas informações oriundas do Planalto. Adiante, foi sugerido que a exoneração, “a pedido”, do delegado Maurício Valeixo teria suposto vício formativo, em ato solene, publicado no Diário Oficial. Por fim, foi ainda revelado que o ministro da Justiça fora surpreendido por uma exoneração às escuras, sem a aconselhável diplomacia da prévia comunicação presidencial.

Em tempo, as acusações foram rechaçadas pelo digno presidente da República. Todavia, o entrechoque de versões faz questionar a verdade, abrindo o campo político para uma série de consequências imprevisíveis. Mas tal imprevisibilidade não é absoluta. Sob qualquer ângulo ou hipótese, ainda inexistem condições materiais para a abertura de um processo de impeachment. Por seu turno, com vistas à exata apuração dos fatos, a oposição, nos termos do artigo 58, §3°, da CF, poderá coletar assinaturas e requerer a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para a apuração do fato determinado.

Nos termos da lei, a instauração de CPI depende de três exigências certas e determinadas: I) subscrição do requerimento por um terço dos membros da casa legislativa; II) apontamento do fato determinado a ser objeto de investigação; e III) fixação de prazo definido. Sobre o ponto, a colenda Suprema Corte já decidiu que “a norma inscrita no artigo 58, §3°, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação da ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar” (DJ 4/8/2006).

Como se vê, a prerrogativa de instauração de CPIs é um direito das minorias políticas, que  em uma democracia dinâmica e pulsante   tem o intransferível dever de investigar eventuais descaminhos do governo estabelecido. É lição antiga que a vitória das urnas não é um cheque em branco à autoridade presidencial, pois, na República de poderes independentes e harmônicos entre si, ninguém pode tudo, embora muito possa querer.

Em sua insuperável monografia sobre o impeachment, a sabedoria superior de Paulo Brossard faz realçar que “embora possa haver eleição sem que haja democracia, parece certo que não há democracia sem eleição. Mas a só eleição, ainda que isenta, periódica e lisamente apurada, não esgota a realidade democrática, pois, além de mediata ou imediatamente resultantes de sufrágio popular, as autoridades designadas para exercitar o governo devem responder pelo uso que dele fizerem, uma vez que ‘governo irresponsável’, embora originário de eleição popular, pode ser tudo, menos governo democrático”.

Sem cortinas, a democracia, à luz do princípio da legalidade, exige responsabilidade categórica dos titulares de poder. O constitucionalismo contemporâneo, em sua normatividade superior, assegura a racional contenção de incontroláveis ímpetos arredios, outorgando aos cidadãos, sem qualquer discriminação, direitos fundamentais invioláveis e de fiel observância cogente. Por sua vez, em sua dimensão democrática, a Constituição é absolutamente intolerante com abusos de qualquer natureza, fazendo da política um instrumento de elevação da razão pensante, em favor de decisões públicas motivadas, justas e decentes.

Nas lides do poder, cabe à oposição ter equilíbrio, inteligência e coragem para a tomada de atitudes que, ao invés do caos, garantam a paz, a integridade ética e honra política nas instituições da República. Com o brilhantismo que lhe era habitual, o saudoso professor Geraldo Ataliba bem pontuou que “o principal papel da oposição é o de formular propostas alternativas às ideias e ações do governo”, vindo a concluir que “pela proteção e resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a República faz da oposição instrumento institucional do governo”.   

É lógico que eventual instauração de CPI, para fins de investigação parlamentar dos fatos arrolados pelo ex-ministro Sergio Moro, causará inconvenientes ao Planalto. Em época já tensionada pelo drama da Covid-19, caberá à oposição ter cautela e altura para medir o tamanho do seus atos e suas possíveis consequências. De nada, absolutamente nada, valerá desgastar o governo para inviabilizar o futuro Brasil. Impeachment é assunto sério e complexo, não servindo para aventuras irresponsáveis nem para traquinagens oposicionistas.

A hora exige grandeza, espírito público e fiel preocupação com o bem-estar dos cidadãos brasileiros. Independentemente do que virá, o processo histórico de desenvolvimento ou retrocesso do país seguirá a sorte das escolhas que forem feitas. Que não pratiquemos a irresponsabilidade das soluções de empreitada. Afinal, entre o sim e o não, há uma Constituição que serve de bússola a nosso destino republicano.

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Martinez e Werneck: Lei 13.994 surge apenas para certificar o óbvio

Há anos demais, a conciliação encampada no cotidiano do rito sumaríssimo tem tido como exceção a postura ativa do conciliador em uma atividade promotora do entendimento mútuo. Com ênfase na dinâmica consumerista, tão massificada no proceder judicial quanto na vida, não raro o intuito conciliatório se vê resumido à quase clama do Poder Judiciário ao representante do fornecedor demandado em um robotizado: “Tem proposta de acordo, doutor(a)?”.

Comparado ao sistema de manifestação prévia das partes que institui o artigo 334, § 4º, inciso I, CPC/2015, no qual o desinteresse de ambas torna dispensável a assentada, o entendimento pela imprescindibilidade da audiência nos Juizados Especiais vem se provando de um formalismo mais rigoroso que o do procedimento ordinário, fulminando o princípio da simplicidade da Lei nº 9.099/95.

Em 2015, com o advento do atual Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária aos procedimentos especiais, o Poder Judiciário teve a oportunidade de se modernizar sem negar a premissa da ocorrência obrigatória da conciliação. Bastava reconhecer a aplicação supletiva da previsão de realização eletrônica (artigo 334, § 7º, CPC) e esquecer a interpretação histórica de que “comparecimento em audiência” equivale à presença física, fruto de um tempo em que esta era a única opção.

Ancorada em um princípio de oralidade cuja interpretação tem levado à exigência ultrapassada de presença pessoal das partes, foram necessários 25 anos de vigência e uma pandemia que já mumificou suas estruturas por 40 dias para se provar o anacronismo da Lei nº 9.099/95.

Na data de autoria deste pequeno texto, 27 de abril, adveio a Lei nº 13.994, que, ao alterar a Lei nº 9.099/95, finalmente autoriza a realização da audiência de conciliação por meios eletrônicos e, ao mesmo tempo, cria curiosas perplexidades. Diz-se, em especial, face ao novo artigo 23, segundo o qual “se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o juiz togado proferirá sentença”.

Entre outras possíveis interpretações, uma das que se podem extrair do novo caput do artigo 23 da Lei nº 9.099/95 é a de que a expressão “não comparecer” se conecta com “a tentativa de conciliação não presencial”, de modo que os fatos do meio virtual finalmente veem seu reconhecimento para esse rito processual. É dizer, ainda que virtualmente, que a presença do demandado para o intuito conciliatório finalmente se passará a enxergar como “comparecimento”, ampliando o sentido dessa hipótese para vários dos efeitos normativos.

A título de exemplo, visto o novo dispositivo dessa forma, então, além do julgamento da lide sem instrução, iria se atrair o efeito da confissão ao demandado que não compareça e também repercutiria sobre a posição processual do demandante que, falhando em comparecer à audiência virtual, terá como regra o arquivamento da sua queixa e o pagamento de custas processuais.

Contudo, conectar a expressão “comparecer” ao meio indicado no artigo 23, que agora especifica ser apenas o não presencial, por mais estranho que soe, significaria que não há mais fundamento legal para o julgamento conforme o estado do processo quando o demandado se ausentar nas audiências presenciais. Se assim for, embora a ausência à audiência presencial continue a ensejar confissão ficta (artigo 20), ao revel que comparece ao processo ainda caberia a produção de provas durante a instrução, como o é no rito ordinário.

Seria superável essa repercussão lógica sobre a ausência nas audiências presenciais se o intérprete considerasse o “não comparecer” do artigo 23 como uma condição autônoma, geral e independente do complemento da oração, de modo a abarcar qualquer tipo de não comparecimento. A alternativa para evitar tal efeito soa ainda mais estranha.

No mais, agora que há dois tipos de audiência conciliatória, é no mínimo curiosa uma segunda interpretação, complementar, que partiria da escolha legislativa consciente de distinguir o ato de “não comparecer” daquele de “recusar-se a participar” da sessão virtual, quando, ao final, o demandado seria peça faltante em qualquer dos casos.

Isso porque, se tomada a distinção como proposital, então, quando o demandado apenas não comparecer à sessão virtual, haverá três efeitos: I) o impedimento à juntada da defesa; II) a aplicação da confissão de que trata o artigo 20; e III) o julgamento conforme o estado do processo do artigo 23.

Contudo, sob a mesma premissa de diferenciação, quando a ausência do demandado se qualificar pela recusa expressa em participar da audiência virtual, haverá hipótese distinta da do artigo 20, que delimita seus efeitos apenas ao não comparecimento. Com isto, a única consequência seria o julgamento antecipado e o tolhimento da instrução processual, mas resguardado o direito do réu à apresentação de contestação e à produção de prova documental.

Embora o ponto de contato em ambas seja, finalmente, a premissa de que o ato de “comparecer” à audiência é circunstância expressamente realizável também por meio digital, ambas as linhas trazem problemas interpretativos desnecessários ao procedimento pretensamente mais simples dos Juizados Especiais.

Desde o advento do CPC/2015, a aplicação supletiva do artigo 334, §§ 7º e 8º, já revelaria a possibilidade de fazer audiências por via digital e demonstravam que o sentido de “comparecer” seria também realizado por esse meio. Não fosse a reticência dos aplicadores do Direito em interpretar as normas sob a forma de sistema, sem criação de nenhum dos problemas aqui suscitados.

Isso e a falta de qualquer menção à presença física na Lei nº 9.099/95 nos mostram aqui que, além de criar novas complexidades para um rito que se pretendia simples, o verdadeiro mérito da Lei nº 13.994/2020 é apenas um: certificar o óbvio.

 é advogado, sócio do escritório Aragão Werneck Advogados Associados e pós-graduando em Direito Tributário (IBET).

 é advogado, professor universitário, sócio do escritório Aragão Werneck Advogados Associados, doutorando e mestre em Direito (UFBA).

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Estabilidade por gravidez pode ser reconhecida sem certidão de nascimento

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, por unanimidade, que é desnecessária a apresentação pela mãe da certidão de nascimento para garantir o direito à estabilidade da gestante. Com isso, condenou a Flavia’s Comércio de Produtos Alimentícios Ltda., de Campo dos Goytacazes (RJ), ao pagamento da indenização substitutiva a uma atendente de caixa dispensada no sétimo mês de gravidez. 

Para provar que estava grávida, empregada dispensada não precisa juntar certidão de nascimento do filhoDollar Photo Club

Na ação, ajuizada depois do nascimento do filho, a empregada sustentou que fora dispensada de forma arbitrária e sem justa causa dentro do período de estabilidade garantido por lei. Pedia, assim, o reconhecimento do direito, com o pagamento dos salários a partir da data da demissão até a data de reintegração. 

A defesa da empresa sustentou que a trabalhadora não havia informado, na época da dispensa, que estava grávida, e teria agido de má-fé ao ajuizar a ação trabalhista quase dois anos depois. Argumentou, ainda, que não havia nos autos qualquer certidão de nascimento que comprovasse o direito.

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) indeferiu a estabilidade da gestante, por entender que a ação fora ajuizada muito depois da data prevista para o nascimento da criança. Por isso, seria imprescindível a prova de que, de fato, houve o nascimento, a fim de limitar o período de garantia de emprego.

O relator do recurso de revista da atendente, ministro Douglas Alencar, destacou que a estabilidade prevista na Constituição da República tem como objetivo a proteção ao bebê, preservando as condições econômicas necessárias à garantia de sua saúde e de seu bem-estar.

Segundo o relator, para ter o direito assegurado, basta que a trabalhadora esteja grávida no momento da dispensa imotivada, sendo inexigível a juntada da certidão de nascimento como prova para a concessão da estabilidade. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

 RR 100896-70.2016.5.01.0282

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Opinião: Nomeação de Ramagem no STF: o acerto jurídico da liminar

Texto em coautoria com outros advogados[1]

Não é de hoje que manifestamos nosso inconformismo contra o ativismo judicial que tem marcado a atuação de parte do Poder Judiciário. Direitos e garantias constitucionais têm sido constantemente violados, sob pretextos retóricos e messiânicos, abalando o nosso Estado Democrático de Direito.

Temos consciência plena do quanto fazem mal para a nossa jovem Democracia os processos acentuados de politização do Judiciário e de judicialização da política. Contra eles, inclusive, temos nos pronunciado frequentemente.

Não defendemos, com isso, o amesquinhamento do Poder Judiciário ou que ele abdique do seu dever de aplicar as leis ou de fiscalizar e fazer aplicar a nossa Carta Constitucional de 1988.

Por isso, no momento em que se discute a correção jurídica da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que concedeu liminar impedindo a posse de Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal, convém firmarmos nossa posição.

É um debate polêmico, que divide e incendeia a comunidade jurídica.

Entendemos que a decisão foi correta e adequada aos princípios constitucionais e às regras legais em vigor.

De acordo com a nossa Constituição, o Poder Judiciário pode e deve controlar a validade de atos administrativos, a partir de seus requisitos eminentemente jurídicos, mesmo reconhecida a liberdade de opção discricionária do administrador ao praticá-los.

No Estado de Direito, embora juízes estejam impedidos de adentrar ao campo valorativo decisório de mérito das competências administrativas, desde que sejam provocados legitimamente, poderão invalidar atos que ultrapassem esses limites de liberdade.

Uma das razões pelas quais juízes podem anular atos administrativos se dá quando estes são praticados em desacordo com a sua finalidade legal. Quer dizer: um ato administrativo deverá ser anulado sempre que o poder do administrador de praticá-lo tiver sido desviado da finalidade para a qual a lei admitia a sua prática. É o vício denominado de “desvio de poder”.

E foi o que inegavelmente ocorreu na nomeação em discussão. Um claro e inequívoco “desvio de poder”.

Ao ser contrastado pelas denúncias do ex-Ministro Sérgio Moro de que a nomeação de Ramagem visava a que a Polícia Federal atuasse de acordo com os interesses pessoais do Chefe do Executivo, em uma coletiva de imprensa e em outras manifestações, o próprio presidente confirmou esse fato, afirmando, inclusive, que já solicitara desse órgão a realização de uma diligência destinada a obter um depoimento em favor de um de seus filhos.

Essa intenção presidencial de retirar a atuação da PF dos trilhos legais foi confirmada por mensagens escritas divulgadas pelo próprio ex-ministro Sérgio Moro, ainda não contestadas, e, também, pela notória relação de amizade que o nomeado mantém com o núcleo da família Bolsonaro.

Não queremos dizer, com isso, que qualquer nomeação de um amigo para um cargo de confiança seja ilícita. Cargos de confiança existem para serem ocupados por pessoas que mantém uma relação de confiança com quem escolhe seus ocupantes. E é bom que seja assim.

O que se afirma é que é ilegal nomear-se alguém para cumprir uma missão ilícita, qual seja, a de fazer com que a Polícia Federal deixe de investigar parentes ou aliados do presidente da República , ou ainda, que esse órgão rompa com o dever legal de sigilo, prestando informações sobre investigações que, por lei, não podem ser prestadas.

Justamente por tal razão, não se afigura pertinente a pecha de incoerência da decisão liminar, por ter vedado a nomeação de Alexandre Ramagem para a Direção Geral da Polícia Federal, ao tempo em que o manteve no cargo de Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). À Polícia Federal, que detém atribuições de polícia judiciária, cabe resguardar o segredo quanto ao andamento de investigações em curso, mesmo ao presidente da República, e sobretudo quando se tratar de apurações que envolvam seus familiares. Isso diferencia a natureza do órgão em comparação com a Abin, cuja competência, aí sim, destina-se a suprir a cúpula governamental com elementos informativos necessários à tomada de decisões de gestão.

Nesse contexto, o rompimento do preceito constitucional da impessoalidade, admitido pelo próprio presidente, traduz fato incontroverso que enseja a avaliação da ocorrência do desvio de poder, facultando a impetração de mandado de segurança preventivo para conter o iminente ato abusivo.

Por isso, temos como acertada a decisão do Ministro Alexandre de Moraes.

Uma liminar não é uma decisão definitiva e deve ser concedida sempre que a aparência do direito é boa e a demora de uma decisão definitiva seja prejudicial.

Foi o que ocorreu, no caso, em face das próprias palavras do presidente e da urgência de se evitar a posse daquele que, declaradamente, receberia do presidente da República a missão de desviar a PF do seu dever de atuar de acordo com o princípio republicano.

Nos parece, assim, que a vedação da posse de Alexandre Ramagem na Direção-Geral da Polícia Federal distingue-se essencialmente da liminar que impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil no governo da presidenta Dilma Rousseff. Naquele caso, tudo derivou de um áudio ilicitamente divulgado pelo então juiz federal Sergio Moro que, apesar de imprestável como prova, induziu o STF a considerar haver uma tentativa de obstrução de justiça, num clima midiático que inibiu  o necessário choque de versões entre o que alguns pretendiam extrair do diálogo mantido e a própria explicação dada pela então chefe do Executivo. Isso eliminava, à época, ao nosso ver, a aparência da ilegalidade e a possibilidade daquela matéria ser discutida pela via do mandado de segurança.

Ou seja: embora no plano do direito possam parecer situações análogas, a nomeação feita por Dilma envolvia prova ilícita, contestada veementemente e, na soma, implicava , também,  versões fáticas discrepantes e ocultação intencional de fatos relevantes, manipulados com um objetivo conhecido e inconfessável.  A nomeação feita por Bolsonaro, por sua vez, diz respeito à prova lícita e à narrativa do próprio Presidente, confirmando o desvio de finalidade em que incorreu.

Entendemos, pois, que rejeitar nefastos ativismos ou abusos judiciais não significa defender que o Poder Judiciário deva deixar de cumprir, dentro da lei e da Constituição, a sua importante função de controlar atos administrativos abusivos praticados por um Chefe de Estado arbitrário e que ignora a lei, as instituições e os interesses públicos.

Este é o desafio.

 


[1]

Weida Zancaner, advogada, mestre em Direito e professora de Direito Administrativo. Membro do IDAP do IDID e do IBDA.

Fernando Hideo Lacerda, advogado criminalista, doutor e mestre em Direito.

 Marco Aurélio de Carvalho, sócio fundador do Grupo Prerrogativas e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Conselheiro do Sindicato dos Advogados de São Paulo. Sócio fundador do CM Advogados. Especialista em Direito Público

Carol Proner, advogada, professora de Direito Internacional da UFRJ, membro fundador da ABJD.

Fabiano Silva dos Santos, advogado, mestre e doutorando em direito pela PUC/SP.

Mauro de Azevedo Menezes, advogado, mestre em Direito Público pela UFPE, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

José Eduardo Cardozo é advogado. Foi ministro da Justiça e Advogado Geral da União. Professor da PUC-SP, mestre em Direito e doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha) e pela USP.

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Bolsonaro volta a participar de atos contra STF e Congresso

O presidente Jair Bolsonaro voltou a participar neste domingo (3/5) de atos em favor de seu governo e contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. O protesto ocorreu em Brasília.

Manifestações ocorreram neste domingo (3/5), na frente do Palácio do Planalto
Reprodução

Bolsonaro apareceu na rampa do Palácio do Planalto sob gritos de “mito” e “Moro traidor”, em referência ao ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. O STF e os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também foram alvos das palavras de ordem.

Os atos ocorrem um dia depois de Bolsonaro afirmar, durante uma live, que tem o apoio das Forças Armadas e que não aceitará novas  interferências em seu governo. 

“Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade. E o mais importante, temos Deus conosco. Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana, chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço”, afirmou na transmissão. 

“O que nós queremos é o melhor para o nosso país, a independência verdadeira dos três poderes, não apenas uma letra da Constituição. Chega de interferência, não vamos mais admitir interferência, acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente”, prosseguiu. 

As declarações foram dadas depois que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. 

Além disso, Bolsonaro enfrenta acusações feitas por Moro de que ele tentou interferir na Polícia Federal. Neste sábado (2/5), o ex-ministro da Justiça deu depoimento à polícia, mostrando conversas que teve com o presidente. 

O inquérito foi autorizado pelo STF e busca investigar se as acusações de Moro são verdadeiras. Caso não sejam, o ex-ministro poderá responder por denunciação caluniosa e crime contra a honra.

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Sem novas fake news, impostores reciclam vídeos antigos

Novo truque velho

Sem novas fake news, impostores reciclam vídeos antigos

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Voltou a circular nas redes sociais um vídeo de exaltação a uma traquinagem de auditores da Receita: a falsificação de acusações contra personalidades com objetivos escusos. Entre as 134 vítimas da fraude estavam os ministros do STF, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, e suas mulheres. O truque era simplório: atribuir a prática de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência, sem dizer por que, descrever fatos ou juntar qualquer documento ou relatório de investigação.

O vídeo reprisado foi gravado diante do edifício do Supremo Tribunal Federal — um protesto contra decisão do ministro Alexandre de Moraes. Ele afastara os auditores que assinavam as conclusões escalafobéticas. Até por um motivo formal. Não cabe a auditores fiscais investigar crimes não tributários. O espetáculo gravado foi estrelado por especialistas na matéria.

Pouco tempo depois, o coordenador da traquinagem foi preso. Ele e mais dez auditores da receita. O motivo: descobriu-se que se cobravam propinas de investigados em troca do cancelamento de autuações milionárias. Acusado como chefe da quadrilha, o auditor Marco Aurélio Canal estava bem posicionado para extorquir suas vítimas. Era o supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da ‘lava jato’, também conhecida como Equipe Especial de Fraudes.

Essa investida que bateu às portas do Supremo não foi única nem autônoma. Fazia parte de um conjunto de articulações que visava emparedar advogados e escritórios de advocacia, intimando seus clientes e fazendo circular notícias que os desmoralizassem. O manual da Gestapo nazista reescrito.

O uso desavergonhado do vídeo confirma a falta de limites dos embusteiros. Sem “munição nova” — depois que o STF abriu inquérito e o Congresso instalou Comissão para investigar a fabricação de notícias fraudulentas — recicla-se material antigo para, novamente, tentar intimidar ministros.

Tão destemidos quanto os ousados personagens que foram se manifestar diante do STF para defender o que os auditores faziam — e foram presos por isso —, os artífices dessas produções cinematográficas, parece, só desistirão quando forem dividir celas com seus colegas.

 é diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.

Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2020, 13h52

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Uma boa notícia em tempos difíceis: o STF e os danos ambientais

Em tempos de pandemia e crise generalizada, tomamos a liberdade de interromper a sequência de colunas sobre os Direitos Fundamentais em tempos de pandemia, para tratar de algo que pode ser tido como uma das decisões mais importantes e impactantes do STF em matéria ambiental, no sentido da proteção do direito e dever humano e fundamental à proteção de um ambiente equilibrado, somando-se a uma plêiade de julgados nessa mesma linha.

Concluído em 17/4/20, o julgamento do STF proferido no âmbito do Recurso Extraordinário 654.833, relator Ministro Alexandre de Moraes, fixou a tese controversa, como é sabido da imprescritibilidade da pretensão pela reparação civil de dano ambiental. A tese exarada, nada obstante a importância, será ainda objeto de diversos estudos, seja para sistematizar sua aplicação, seja para compreender seus efeitos e consequências.

A despeito de ainda não terem sido divulgados os votos proferidos por ocasião do julgamento e carente de publicação o respectivo Acórdão, considerando-se, ainda, que se tratou de sessão virtual de julgamento do Tribunal Pleno, pretende-se neste texto tecer alguns comentários sobre a tese fixada, ademais de se avaliar alguns dos seus efeitos diretos, inclusive no que diz com a efetividade do direito fundamental à proteção ambiental no contexto do marco jurídico-constitucional brasileiro.

Antes disso, indispensável, todavia, que se escreva algumas linhas sobre o caso em si, que teve origem no ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal (MPF), pleiteando a reparação por danos materiais, morais e ambientais decorrentes de extração madeireira ilegal realizada mediante invasões ocorridas entre os anos de 1981 a 1987 em área indígena ocupada pela comunidade Ashaninka-Kampa localizada no Rio do Amônia no estado do Acre.

Com a condenação em primeiro grau, confirmada em segunda instância, e mediante o não provimento do Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi interposto Recurso Extraordinário, em razão do reconhecimento da imprescritibilidade do dano ambiental pelo STJ em julgamento que teve como relatora a Ministra Eliana Calmon (REsp 1.120.117/AC).

No RE ora comentado, o Ministro Relator Alexandre de Moraes, reconheceu a repercussão geral e a tese da imprescritibilidade, ponderando da necessidade e relevância de serem estabelecidas balizas precisas e seguras quanto ao instituto da prescrição nos casos envolvendo direitos individuais ou transindividuais lesados, de forma direta e indireta, em razão de danos ambientais oriundos de ação humana.

Quando do julgamento pelo Tribunal Pleno, por maioria, extinguiu-se o processo, com fundamento no artigo 487, inciso III, alínea b, do Código de Processo Civil, em virtude de um acordo firmado entre as partes, restando o recurso prejudicado, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli, que deram provimento ao pleito recursal. Além disso, foi fixada a tese da imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental, mediante a apreciação do tema da repercussão geral.

Embora o STJ já contasse com sólidas decisões sustentando a imprescritibilidade do dano ambiental[1], a matéria não deixou de ser causa de incertezas jurídicas, que se acentuaram com o reconhecimento da repercussão geral no ora comentado Recurso Extraordinário. Também, de se notar que, avaliando as classificações atribuíveis ao dano ambiental[2], a imprescritibilidade era reconhecida em decisões do STJ para os danos não individuais, ou seja, quando relacionados à reparação de danos ambientais que detivessem relação com a dimensão coletiva do direito ao ambiente.[3]

Assim, de acordo com a jurisprudência do STJ, seriam prescritíveis os danos ambientais individuais, isto é, os casos de danos reflexos. Nesse sentido, o STJ estabeleceu diferença entre as concepções de dano ambiental transindividual e individual para a aplicação dos efeitos da prescrição. No primeiro caso (danos coletivos e difusos), a pretensão pela reparação civil estaria coberta pela proteção da imprescritibilidade, enquanto no segundo caso incidiria a prescrição, obedecendo-se, em regra, aos prazos do Código Civil, apesar da possibilidade de aplicação do prazo quinquenal, em uma relação consumerista, ainda que bystander, como determinado pelo Código do Consumidor.[4]

A singularidade atribuída ao dano ambiental de natureza transindividual (coletivo e difuso) aliada à ausência de regras específicas sobre a prescrição de uma pretensão de reparação civil sustentada em um direito difuso com as características peculiares à proteção ambiental, exigiu que se pensasse para além das regras de direito privado relativamente aos danos individuais. Porém, embora houvesse obras e decisões sobre o tema, a insegurança jurídica não foi por completo superada, o que, em princípio, poderá vir a ocorrer com a decisão ora comentada do STF, quando da publicação do Acórdão. 

Note-se que, nada obstante o RE tenha tido como objeto hipótese de dano transindividual, o STF, ao fixar a tese em nível de repercussão geral, limitou-se a reconhecer que os danos ambientais são imprescritíveis, de modo que não se sabe, ainda, ao certo, se tal imprescritibilidade também alcança os danos individuais e, nos dois casos, as modalidades direta e indireta. Assim, tais aspectos de subida importância e mesmo as razões determinantes do reconhecimento da tese da imprescritibilidade pelo STF somente ficarão esclarecidos pela leitura do Acórdão e dos votos dos Ministros.

De qualquer sorte, algumas considerações já nos parecem podem ser arriscadas. 

Nesse contexto, calha anotar que é necessário ter como premissa que, se o dano ambiental, considerado coletivamente, pode se estender por um longo período de tempo, isso não significa dizer que a imprescritibilidade do dano ambiental está assentada na ideia de um dano abstrato, ou futuro, o qual não se sabe realmente se ocorrerá.[5] Assim, o que reforça a tese da imprescritibilidade do dano ambiental é a própria natureza fundamental do bem jurídico protegido: o ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, como expressamente consagrado e garantido no artigo 225, CF.[6]

Outro ponto digno de nota e altamente controverso diz respeito à tese de que a imprescritibilidade não alcança apenas danos já ocorridos, mas também danos futuros que venham a ocorrer na sequência e pelas mesmas razões, isto é, para os casos em que os efeitos do dano se protraem no tempo, muitos deles somente vindo a ser conhecidos futuramente. Porém, o reconhecimento da imprescritibilidade do dano ambiental não assegura indenização por conta de um dano ambiental que ainda não ocorreu, inclusive inexistem posicionamentos na jurisprudência do STJ favoráveis à responsabilidade civil por danos futuros, embora seja uma questão debatida doutrinariamente.[7] Para tanto, veja-se que a contagem do prazo para a prescrição em caso de dano ambiental individual, relativamente ao qual o STJ não tem reconhecido a imprescritibilidade, tem início quando se toma conhecimento do dano ambiental.[8]

Outro aspecto a considerar diz respeito à aplicação da imprescritibilidade do dano ambiental para os casos em que a conduta lesiva ocorreu em momento anterior à promulgação da CF. Esse era precisamente o caso do RE 654.833, porém a solução do mérito se deu pela homologação da transação, de tal sorte que tal ponto somente restará elucidado quando da publicação do Acórdão.

Nesse sentido, embora o desencadeamento dos danos ambientais tenha se dado antes de 1988, como pode acontecer dos danos perdurarem ou mesmo aparecerem após determinado tempo, a imprescritibilidade, que decorre principalmente do fato de se tratar de lesões a um direito fundamental, deveria alcançar as mais diversas formas de lesão ao ambiente. Mediante tal expediente, estar-se-á levando a sério o princípio da máxima eficácia e efetividade possível dos direitos fundamentais, até mesmo por se tratar, ao fim e ao cabo, de dano continuado.

Além disso, é claro que a responsabilidade civil por dano ambiental precede a CF, com a responsabilidade objetiva generalizada mediante o artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981, e antes disso, tendo o Decreto 79.437/1977 promulgado a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, que introduziu a responsabilidade objetiva do proprietário do navio, ademais de prevista, no artigo 4º, da Lei 6.453/1977, a responsabilidade objetiva do operador de instalação nuclear pela reparação de dano causado por acidente nuclear.

O grau emblemático da fixação, pelo STF, da tese da imprescritibilidade do dano ambiental pode ser visualizado com base em dois pontos de grande importância. O primeiro deles, remete diretamente à própria efetividade do direito fundamental ao ambiente como previsto no artigo 225, da CF, bem como dos deveres fundamentais ambientais correlatos.

Nesse contexto, ainda que ausente uma previsão explícita da imprescritibilidade do dano ambiental na CF ou na legislação infraconstitucional, ao contrário do que ocorre com a expressa menção à imprescritibilidade da prática de racismo ou da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, incisos XLII e XLIV, da Constituição) e da imprescritibilidade do ressarcimento ao erário (artigo 37, §5º, da Constituição), o fato de ter o STF fixado tal tese revela o grau de importância da proteção ambiental com efetividade na ordem jurídica brasileira e o quanto a nossa Suprema Corte a tem levado a sério.

O segundo aspecto a destacar, aponta para uma robusta e clara sinalização contrária à impunidade pelos danos ambientais que assolam os mais diversos ecossistemas do país. Mais do que isso, por se tratar de um caso de desmatamento ilegal, a tese adotada pelo STF reforça com contundência o combate ao desmatamento ilegal que persiste em acontecer na Amazônia Legal, com aumento considerável nestes últimos tempos.[9]

Por fim, é possível dizer que a fixação da tese da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento por dano ambiental pelo STF representa um marco histórico no desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil por dano ambiental no Brasil.

Isso não quer dizer que não existam agora mais questões a desafiarem equacionamento, merecendo outros estudos, porquanto mesmo a questão da prescrição em matéria de dano ambiental, em especial no que diz com questões que envolvem a geração de riscos e sua conexão com o princípio da precaução, ainda não está sedimentada, em especial em relação aos efeitos decorrentes das mudanças climáticas,[10] bem como nas situações que envolvem o assim chamado direito dos desastres.[11]

 


[1]  REsp 647.493/SC (Relator Ministro João Otávio de Noronha); REsp 1.644.195/SC e REsp 1.559.396/MG (ambos do Relator Ministro Herman Benjamin).

[2] Veja-se, por exemplo, a classificação de Morato Leite e Ayala em dano ambiental puro, dano ambiental lato sensu e dano individual ambiental ou reflexo. Cf. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial: teoria e prática. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 104-105.

[3] São os casos, por exemplo, do REsp 1.641.167/RS (Relatora Ministra Nancy Andrighi) e do REsp 1.346.489/RS (Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva).

[4] Vide o Resp 1.354.348/RS (Relator Ministro Luis Felipe Salomão) e o AgRg no REsp 1.365.277/RS (Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino).

[5] Milaré, ao considerar o risco abstrato ou incerto, também denominado dano ambiental futuro, refere a sua distância para que seja viabilizada a aplicação do instituto da responsabilidade civil, devido as suas características, invisíveis, incertas, de dimensões inimagináveis e inestimáveis. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 426.

[6] Há que ter em conta que a reparação civil dos danos ocorre independentemente da responsabilidade administrativa e penal (artigo 225, §3º, da Constituição).

[7] Vide, por exemplo, o mencionado posicionamento contrário e crítico de Milaré à existência do dano ambiental futuro, e o posicionamento favorável, ainda que para fins de medidas preventivas, de Carvalho. Cf. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 426; CARVALHO, Délton Winter de. A teoria do dano ambiental futuro: a responsabilização civil por riscos ambientais. Lusíada. Direito e Ambiente, Lisboa, n. 1, p. 71-105, 2008, p. 102.

[8] Assim já se manifestou o STJ, no sentido de vincular o termo inicial da contagem do prazo prescricional à ciência inequívoca da incapacidade laboral, nos termos da Súmula 278 do Superior Tribunal de Justiça. E, especificamente sobre um dano ambiental, veja-se o REsp 1.346.489/RS (Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva).

 

 

[9] É possível constatar um aumento no desmatamento realizado na Amazônia Legal conforme os dados disponibilizados pelo projeto PRODES: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/increments

[10] Sobre a litigância climática, vide obra paradigmática, no Brasil, de WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Litígios climáticos: de acordo com o Direito Brasileiro, Norte-Americano e Alemão. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 82-96.

[11] A respeito do tema: FARBER, Daniel A. Catastrophic Risk, Climate Change, and Disaster Law. Asia Pacific Journal of Environmental Law, v. 16, 37-54, 2013, p. 40-48; no Brasil, v. CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 29-52.

 é professor, desembargador aposentado do TJ-RS e advogado.

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Presidente do TRF-3 mantém divulgação do exame de Bolsonaro

O presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargador Mairan Maia, negou um segundo recurso da Advocacia-Geral da União e manteve a determinação de que Bolsonaro apresente o resultado dos exames de coronavírus. 

Bolsonaro deverá divulgar resultados de exame
Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Não se trata de personalíssimo direito à manutenção da privacidade dos resultados dos exames, senão de informação que se reveste de interesse público acerca do diagnóstico da contaminação ou não pela Covid-19”, afirma a decisão, proferida neste sábado (2/4). 

Ainda segundo o magistrado, na defesa de Bolsonaro, a União se limitou “a justificar que não existe obrigatoriedade no fornecimento dos laudos dos exames realizados pelo excelentíssimo senhor presidente da República”. “Não demonstra, ainda que de maneira superficial, em que medida a decisão de primeiro grau tenha potencial concreto de ofensa à ordem pública”, afirma.

Na decisão de primeira instância, a juíza Lúcia Petri Betto, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, acatara pedido feito pelo Jornal O Estado de S. Paulo, determinando que o presidente divulgasse o resultado dos exames a que foi submetido. Na ocasião, definiu que o presidente deveria apresentar os exames em um prazo de dois dias. 

A juíza elencou justificativas e precedentes para basear a decisão e lembrou que “no atual momento de pandemia que assola não só Brasil, mas o mundo inteiro, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto aos deveres de informação e transparência”.

Neste sábado, no entanto, a desembargadora Mônica Nobre, do TRF-3, suspendeu a decisão do primeiro grau, por cinco dias, pouco antes de o primeiro prazo (de dois dias) expirar.

“Diante dos fatos e de sua repercussão para ambas as partes, a conclusão que se afigura mais razoável é a dilação do prazo indicado na decisão agravada, medida que, em sede de exame em plantão, é suficiente para garantia de análise do pleito formulado pelo relator designado”, afirmou a magistrada. 

A decisão da presidência do TRF-3 veio hora depois de Nobre determinar a dilação do prazo.