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Adesão a programa tributário após recebimento de denúncia tranca ação

É possível trancar ação penal por adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), desde que o processo de recebimento da denúncia não tenha sido completado pelo juízo. O precedente foi fixado pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que concedeu Habeas Corpus em caso de sonegação fiscal.

Colegiado do TRF-3 definiu precedente sobre o tema da adesão a programa de parcelamento após identificação de sonegação fiscal  
Divulgação

O HC foi impetrado pelos advogados Arthur Sodré Prado, Conrado Gidrão de Almeida Prado e Natália Di Maio, da banca Malheiros Filho, Meggiolaro e Prado Advogados

No caso, uma empresa de venda de veículos foi acusada de falsas deduções de R$ 99, mil de CSLL e R$ 277,5 mil em IRPJ. Depois de aceita a denúncia pelo juízo federal, aderiu ao parcelamento previsto no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert). Esse programa foi disciplinado pela Lei n. 13.496/2017, que não dispõe sobre a suspensão da punibilidade penal. 

No entanto, a Lei 9.430/1996, que trata de crimes contra a ordem tributária, instituiu em seu artigo 83, parágrafo 2º, que é suspensa a pretensão punitiva do Estado quando o agente “estiver incluído no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal”.

O recebimento desta denúncia, de acordo com alterações no processo penal causadas pela Lei 11.719/2008, ocorre em duas fases: na primeira, a acusação é enviada ao juízo, que faz um primeiro exame sobre as condições da ação, na forma do artigo 396 do Código Penal; se aceita, há o oferecimento de defesa prévia, o que leva à segunda análise do recebimento, já com influxo das hipóteses de absolvição sumária. 

Após o segundo recebimento da denúncia, inicia-se a fase instrutória do processo. A empresa e os denunciados aderiram ao programa de parcelamento após o primeiro recebimento, mas antes da análise da defesa prévia, o que gerou uma zona cinzenta na legislação e na jurisprudência.

Política criminal e arrecadação

“A menção dupla ao “recebimento da denúncia”, em momentos diferentes, pelo Código de Processo Penal, pode ser atribuída à má técnica legislativa e dá azo a divergências doutrinária e jurisprudencial, mas que não pode ser tratada no caso concreto de forma casuística”, destacou o relator do caso, desembargador Maurício Kato.

Desembargador Maurício Kato citou má técnica legislativa como responsável pela discussão jurídica no caso penal

Desta forma, entendeu que a solução da controvérsia deveria recair em favor dos réus, por ser incontroverso o fato de que a adesão ao Pert ocorreu antes da análise do juízo criminal sobre as respostas da defesa à acusação.

Além disso, considerou a benesse do artigo 83 da Lei n. 9.430/96 “pode ser compreendida como expressão de uma política criminal comprometida com a redução da punibilidade dos agentes envolvidos com delitos de sonegação fiscal, os quais estariam mais relacionados ao interesse estatal de se garantir a arrecadação tributária que com a punição dos seus autores”.

Para a defesa, a importância do precedente está no fato de ser a primeira análise do TRF-3 sobre o tema. 

“o objetivo da impetração era demostrar que não há o menor interesse de agir do Estado em um caso em que houve adesão a Programa de Parcelamento e os pagamentos estão sendo feitos de forma regular e contínua, especialmente diante da pacífica jurisprudência no sentido de que o pagamento do débito é causa extintiva de punibilidade mesmo após o trânsito em julgado de sentença condenatória”, afirmou o advogado Conrado Almeida Prado.

Clique aqui para ler o acórdão

5004647-30.2020.4.03.00

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Homem preso após extinção do processo deve ser indenizado

As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, assim como as prestadoras de serviços públicos, devem responder pelos danos causados por seus agentes.

Homem foi preso depois de ser furtado

O entendimento é da juíza Rozana Silqueira Paixão, da 1ª Vara Empresarial e de Fazenda Pública de Montes Claros (MG), ao determinar que o Estado de Minas Gerais indenize homem que foi preso mesmo depois de seu processo ser extinto. A decisão foi proferida em 26 de maio. 

Segundo os autos, em 20  de dezembro de 2017 o autor compareceu a um posto policial para realizar boletim de ocorrência depois de ser furtado. Entretanto, ele acabou preso porque, segundo a autoridade policial, era alvo de mandado de prisão. 

 Ocorre que o único mandado contra o autor foi expedido em novembro de 2011, tendo sido extinto sem resolução de mérito em maio de 2014. O pedido de prisão diz respeito a uma dívida de pensão alimentar, devidamente paga. 

Ainda assim, ele permaneceu detido entre 20 e 24 de dezembro, véspera de natal, o que “lhe trouxe, além de humilhação da prisão injusta e o fato do contato com outros presos, traumas psicológicos”, relata a decisão. 

Segundo a magistrada, ficou demonstrada “a ocorrência de prisão ilegal, decorrida da existência de baixa do mandado do sistema respectivo, segundo informação dos autos não contestada pelo réu [Estado de Minas Gerais], o que enseja dano moral pleiteado pelo autor”. 

A juíza fixou indenização por dano moral no valor de R$ 10 mil. 

5007142-31.2019.8.13.0433

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Receita prorroga vencimento de parcelamentos de tributos

Situação excepcional

Receita prorroga vencimento de mensalidades de parcelas de tributos

Por 

A Portaria do Ministério da Economia 201/2020, publicada na edição desta terça-feira (11/5) do Diário Oficial da União, prorroga, devido à epidemia do novo coronavírus, os prazos de vencimento das mensalidades de programas de parcelamento de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Prorrogação da data de vencimento

das parcelas ajuda contribuintes

As parcelas que venceriam nos últimos dias úteis de maio, junho e julho poderão ser pagas, respectivamente, no fim de agosto, outubro e dezembro.

Rodrigo Rigo Pinheiro, especialista em Direito Tributário e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, diz que a portaria não é aplicável a parcelamentos de empresas sujeitas ao Simples Nacional. E, além disso, não afasta a incidência de juros durante o período de prorrogação.

Mas o advogado elogia a norma. “Como medida legal, em atenção à decretação da situação de emergência e o reconhecimento de estado de calamidade pública, a postergação dos programas de parcelamento é mais uma maneira de criar regra de auxílio fiscal ao setor empresarial brasileiro, de forma rápida e eficaz.”

De acordo com ele, “há necessidades urgentes de caixa das empresas para tentar diminuir os efeitos econômicos para os trabalhadores e profissionais que tenham suas atividades reduzidas por força das medidas de restrição impostas pelas autoridades públicas”.

Mauricio Faro, sócio da área tributária do Barbosa, Müssnich, Aragão, afirma que a portaria complementa o adiamento do pagamento de tributos federais. Ele ressalta a importância da medida.

“A consequência da falta de pagamento de parcelas é muito grande. Se a pessoa ou empresa não paga uma parcela, pode ser excluída do programa. Então a prorrogação das datas de vencimento dá um pouco mais de tranquilidade para os contribuintes.”

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 12 de maio de 2020, 14h00

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Carvalho e Aguiar: Responsabilidade na omissão de socorro

Entendemos perfeitamente ao que estamos sendo expostos e vamos trabalhar todos os dias conscientes desse risco, mas queremos trabalhar com uma contrapartida de o hospital de garantir a nossa segurança”, diz Luciana (médica no Rio de Janeiro).

1. A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) trouxe ao debate público inúmeras questões que exigem reflexão no campo da ciência do direito penal. Dentre os temas relevantes, os relativos aos direitos e deveres de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares, administradores etc.) e de pacientes infectados, para além da dimensão ética do comportamento geral da sociedade durante o período e em situações de contágio. No caso particular de médicos e pacientes, diversas notícias apresentam cenários bastante delicados que começam a atingir o cotidiano do sistema de saúde e que, em efeito, suscitam questões relativas à responsabilidade jurídico-criminal.

Importante salientar que entendemos que a intervenção penal na área da saúde pública geralmente traz mais danos do que resultados positivos (p. ex., criminalização do aborto, consumo de drogas etc.), notadamente porque é ilusório o discurso da prevenção através da punição. Em geral, são as normas de caráter administrativo as mais adequadas para regular este tipo de relação, como a própria experiência da pandemia tem demonstrado. No entanto, o direito penal brasileiro apresenta uma série de hipóteses que espelha casos reais que vêm sendo noticiados e, por esse motivo, fundamental uma reflexão mais aprofundada (científica), imunizada das paixões próprias da esfera política.

Assim, pretendemos apresentar ao público não especialista, de forma bastante objetiva, mas seguindo critérios técnico-jurídicos, algumas situações problemáticas que envolvem a possibilidade de responsabilização criminal dos profissionais da saúde e dos pacientes sob os seus cuidados. O primeiro tema a ser enfrentado diz respeito aos limites da omissão de socorro punível de médicos e demais profissionais da saúde no atendimento às vítimas da Covid-19.

2. Em matéria publicada em 27/03/20, repórteres da BBC Brasil narraram o drama de médicos que se encontram na linha de frente no atendimento ao Coronavírus: “estamos apavorados”, é o título da reportagem. O pavor dizia respeito ao exponencial aumento do número de casos e, em consequência, do volume de pessoas que buscavam atendimento: “(…) faltam equipamentos de proteção adequados, e o risco de serem infectados aumenta ainda mais o estresse e o medo em sua rotina diária.”[1] Em algumas situações, médicos e enfermeiros estariam comprando equipamentos de proteção individual (EPI) por conta própria, em decorrência da falta de material ou porque o que está sendo disponibilizado nas unidades hospitalares seria inadequado para atender às necessidades do pronto-socorro e da terapia intensiva (UTI).

No caso da médica carioca, a situação chegou ao limite, pois apesar de ter comprado para uso pessoal uma máscara N95, em razão da ausência de material na unidade, “foi proibida de usá-la, porque, nas palavras da diretoria do hospital, deixaria outros profissionais que não tinham como fazer o mesmo preocupados. ‘Disseram que iria gerar um motim (entre funcionários)’, diz Luciana.”[2]

A questão que surge em relação aos deveres de médicos e dos demais profissionais da saúde diz respeito à possibilidade de não socorrer pessoas infectadas pelo novo coronavírus diante do risco de contaminação. A pergunta seria se, nesses casos em que o médico não dispõe de equipamento minimamente adequado, o não atendimento configuraria omissão de socorro, isto é, se haveria o dever jurídico de esses profissionais agirem mesmo em situações de risco real.

A omissão de socorro é um delito de periclitação da vida ou da saúde, que se caracteriza por uma inação (deixar de agir) materializada na colocação de alguém a uma situação de risco. Dentre os delitos de periclitação da vida e da saúde, encontramos, p. ex., o perigo de contágio venéreo, a exposição à moléstia grave, o risco à vida ou à saúde. Segundo o art. 135 do Código Penal, configura omissão de socorro “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública.” A mera abstenção da ação de cuidado é suficiente para caracterização do delito, sendo a pena majorada (causa especial de aumento) nos casos em que a omissão resulta em lesão corporal de natureza grave ou morte. Diferente do delito do art. 269 — “deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória” —, p. ex., a omissão de socorro não é um crime próprio do médico, ou seja, a conduta pode ser praticada por qualquer pessoa, também pelos profissionais de saúde. Basta que alguém esteja no lugar e no momento em que alguém necessita de assistência.

Na omissão de socorro a vontade do sujeito ativo engloba apenas a situação de risco, ou seja, há a intenção de omitir-se e há a consciência do perigo derivado da inação. Distingue-se, portanto, de outros casos de ações realizadas por profissionais de saúde e que resultam dano, como, p. ex., o homicídio (ou lesão corporal) por omissão ou por negligência. Isso porque se o agente quiser (dolo) a morte ou a lesão, responderá pelos crimes do art. 121 (homicídio) ou do art. 129 (lesão corporal). No caso do homicídio por omissão, o profissional da saúde, na posição de garantidor (dever de agir decorrente do art. 13, § 2º, Código Penal) e em condições de atuar, deixa deliberadamente de exercer o ofício com a intensão de provocar a morte. Na hipótese da negligência (art. 121, § 3º, Código Penal), o médico, no exercício profissional, infringe um dever de cuidado objetivo, viola uma regra técnica que deveria observar e provoca um dano não desejado.

Os Tribunais têm reconhecido a omissão de socorro nas atividades que envolvem a área da saúde quando o profissional recusa o atendimento a pacientes em estado grave ou, tendo iniciado, deixa de prosseguir com o cuidado devido.[3] A recusa ao atendimento, por si só, não configura o delito, pois é necessária a demonstração de que a pessoa a ser socorrida estava em situação de perigo real.

3. Os dados públicos acerca da capacidade de expansão e, sobretudo, da letalidade da Covid-19, permitem afirmar que há efetivamente uma situação de risco que exige cuidado médico-hospitalar quando pacientes sintomáticos, com testagem positiva, aportam nas unidades de pronto-atendimento (UPAs) e nos hospitais.

O cenário de análise, portanto, é o da configuração (ou não) do delito de omissão de socorro quando o médico, motivado pela ausência real de equipamento adequado de proteção, nega assistência ou recusa mantê-la a pacientes infectados pelo Coronavírus.

O art. 135 do Código Penal possui um elemento normativo que permite excluir a tipicidade do delito nos casos em que a conduta exigida cria risco ao omitente. O Código refere um dever de assistência “quando possível fazê-lo sem risco pessoal”, ou seja, o risco integra o tipo penal como uma elementar que, se presente na situação real, exclui o injusto. A indagação complementar seria: a possibilidade de os profissionais da saúde contraírem o vírus em decorrência da insuficiência de equipamentos de proteção individual (“EPI”) configuraria risco pessoal? A resposta parece ser, à evidência, positiva.

Diversas notícias dão conta do insustentável cenário em que se encontram as unidades de saúde, ambientes nos quais os profissionais estão diante de pacientes infectados em estado grave sem contar com condições e equipamentos minimamente adequados. A propósito, o próprio Código de Ética Médica estabelece, como direito do médico, “recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais” (Capítulo II, IV, Resolução 2.217, Conselho Federal de Medicina, 27/09/2018).

Assim, a falta de estrutura hospitalar e a ausência de materiais mínimos de proteção, como máscaras, luvas, óculos, aventais, capotes e demais, fundamentam a negativa de atendimento a pacientes infectados (ou até mesmo com suspeita de infecção) por Covid-19, sem que isso configure o crime de omissão de socorro.

4. No entanto, a questão fica mais delicada quando há fornecimento de material de proteção individual pela administração, mas o equipamento é menos eficaz para Covid-19, como, p. ex., máscaras sem filtro PFF2 (adequadas para conter a transmissão) que não impedem a dispersão de aerossóis.

O caso do Hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, é exemplar. Em reportagem publicada pelo O Globo, em 19/03/20, médicos do hospital do Méier, na Zona Norte do Rio de Janeiro, denunciavam estar trabalhando com máscaras convencionais, visto que as N95, recomendadas pelo Ministério da Saúde para o contato direto com pacientes infectados, não estavam sendo fornecidas pela Secretaria Municipal da Saúde.[4] Em Mato Grosso, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) notificou três hospitais por disponibilização de máscaras inadequadas aos profissionais do atendimento ao novo Coronavírus. No Hospital de Acidentados Traumatologia e Ortopedia, Só Trauma, enfermeiros foram flagrados com máscaras do tipo TNT, contraindicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para utilização no combate ao Coronavírus – “o TNT só possui uma camada de tecido e, por isso, é inadequado ao uso dos profissionais, já que não barra nem filtra fluidos biológicos, o que expõe profissionais à contaminação.”[5] A situação é comum em vários outros estados da federação.[6]

Se é possível dizer que mesmo inadequadas, as máscaras TNT protegem o profissional de saúde de forma mais efetiva do que a ausência de qualquer EPI, igualmente é correto afirmar que mesmo o uso do EPI indicado pelas autoridades competentes não elimina completamente o risco de transmissão do vírus. Em razão desta, resta trabalhar com as situações em que o perigo possa ser reduzido a níveis toleráveis.

A conclusão possível, em termos abstratos, é que a falta de EPI adequado, isto é, em total conformidade com as normas técnicas, gera uma presunção de risco real. Eventualmente algum outro tipo de material pode apresentar nível de segurança similar, mas não entendemos que seja o caso das máscaras de TNT, p. ex. Tais casos devem ser analisados isoladamente, pois não é possível verificar, a priori e genericamente, todas as variáveis que envolvem a atestação da satisfação das condições sanitárias.

Assim, em face dos materiais disponíveis no momento do atendimento, os profissionais da saúde devem identificar sua suficiência e, verificando que o EPI não apresenta um grau satisfatório (mínimo) de segurança, devem comunicar a seu supervisor ou responsável, decidindo se podem fornecer o suporte requerido pelo paciente. Cientes, porém, de que o delito de omissão de socorro não está configurado quando o profissional estiver em risco pessoal de contágio, seja pela insuficiência do material de proteção, seja pelas más condições sanitárias do ambiente hospitalar.

Os limites do dever de agir estão elencados, de forma geral, na regulação jurídica da omissão imprópria. Segundo o art. 13, § 2º do Código Penal, a abstenção da conduta devida só é penalmente relevante quando o omitente podia agir. A possibilidade do agir não refere abstratamente uma capacidade física, mas uma condição pessoal real nos limites do risco aceitável.[7] E estar suscetível à contaminação pelo Coronavírus por ausência de equipamento de proteção individual minimamente adequado configura cenário que extrapola o que entendemos por risco aceitável.

Embora na grande mídia os médicos sejam saudados como “heróis” — e em certo sentido realmente o são em vista do notório empenho em salvar vidas na crise pandêmica que estamos vivendo —, o direito penal não exige atos de heroísmo e muito menos pune a omissão da ação devida quando implica risco pessoal. Eventual obrigação moral não se traduz em obrigação jurídica e é legítimo que os profissionais da saúde, nos casos em que o poder público não fornece as condições adequadas de trabalho e os coloca em perigo, deixem de prestar o cuidado esperado.

No caso, as lições de Nélson Hungria ganham especial relevo: “a lei não obriga ninguém a ser herói ou santo, isto é, a sacrificar-se por amor ao próximo (…). Mesmo aquele a quem incumbe, especialmente, o dever de assistência ao periclitante, não cometerá o crime, se se abstém para evitar risco pessoal. O texto da lei é incondicional quando se refere a risco pessoal (…).”[8]

5. Estabelecidos os limites do agir dos profissionais da área médica, fundamental referir, ainda, que é dever da administração, através das secretarias de saúde competentes (âmbitos federal, estadual e municipal), o fornecimento de equipamentos adequados para proteger a saúde dos servidores, sobretudo na esfera pública. Se por um lado o médico, o enfermeiro e todos os demais profissionais da cadeia de atendimento não são heróis, não sendo obrigados a ações de risco, por outro também necessitam cuidados. Cuidados que se materializam no fornecimento, pela administração pública, de condições mínimas para o atendimento às vítimas da Covid-19.

Assim, em caso de eventual contaminação dos profissionais de saúde pelo Coronavírus, em decorrência da não disponibilização de material de atendimento adequado, e demonstrada a relação de causalidade entre o não-fornecimento possível do equipamento e o contágio, seria cabível inclusive a responsabilização dos gestores pelos danos, nas esferas administrativa e cível e, eventualmente, no campo criminal.

Fundamental, portanto, nestes casos, uma atuação forte das associações, conselhos, sindicados e demais entidades representativas dos profissionais da área da saúde para que se cumpram, pelos poderes públicos e instituições privadas, as diretrizes que garantam minimamente a atuação no cuidado às vítimas.

 é mestre (UFSC) e doutor (UFPR) em direito; professor de Direito Penal da UFRJ e da Unilasalle/RS e sócio do Davi Tangerino & Salo de Carvalho Advogados.

Lucas Albuquerque Aguiar é advogado do escritório “Davi Tangerino e Salo de Carvalho Advogados Associados”; LL.M. em direito penal internacional (Universidade de Leiden/Holanda); bacharel em direito (UniCEUB) e relações internacionais (UnB).

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Suzane Prado: Abuso de autoridade e a Lei 13869/19

Com a edição da Lei 13.869/2019, houve a expressa revogação da antiga Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65), conforme dispõe o artigo 44 daquela. Num breve retrospecto, sabe-se que a Lei 4898/65 [1] penalizava em três searas civil, administrativa e criminal condutas de autoridades consideradas abusivas. Autoridade para o fim dessa Lei era “quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração” (artigo 5º).

E as condutas passíveis de enquadramento como abusiva estavam nos artigos 3º e 4º da 4898/65. No primeiro deles, dizia constituir abuso de autoridade qualquer atentado (essa expressão é muito importante; quer dizer que não precisava a ocorrência efetiva de algum dano, não admitindo tentativa) às liberdades de locomoção, de consciência, de crença, de culto religioso, de associação, mais à inviolabilidade de domicílio, ao sigilo de correspondência, aos direitos e garantias assegurados ao exercício do voto, ao direito de reunião e aqueles assegurados ao exercício profissional e, por fim, mas não menos importante, à incolumidade física do indivíduo.

No artigo 4º, mais dez hipóteses de abuso de autoridade descrevendo condutas tanto comissivas quando omissivas. A saber:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

Sempre que constatada a prática de alguma destas condutas, a ação penal era pública incondicionada (Lei 5249/67, excluindo necessidade de representação mencionada no artigo 1º da Lei 4898/65), e a pena de detenção, de dez dias a seis meses (artigo 6º, § 3º, “b”).

Ainda, em havendo resultado penalmente relevante quando da prática de alguma das condutas incriminadas, dava-se o concurso material. Isso porque, para além do  bem jurídico protegido pela Lei Especial a regularidade da prestação do serviço público e o exercício dos direitos constitucionais o agente também viria a ofender, por exemplo, a integridade física do ofendido, atingindo bem jurídico diverso. A propósito, “a Lei nº 4.898/65, cuidando da questão referente ao abuso de autoridade, definiu, caso a caso, as sanções administrativa, civil e penal aplicáveis de acordo com a gravidade do abuso cometido. Desta forma, o abuso de autoridade passou a ser punido independentemente de responder o agente, em concurso material, por outros delitos que da sua ação resultar” [2].

Na nova lei encontramos como atos suscetíveis de configurar abuso de autoridade, em termos penais, aqueles previstos nos artigos 9º a 38, descritos de forma mais pormenorizada, se comparados com os tipos da lei anterior. Assim como o conceito de agente público, praticamente repetido no caput e parágrafo único, mas especificando carreiras de Estado, no artigo 2º.

O que motivou essa escrita foi o fato de encontrar-se em trâmite nos Juizados Especiais Criminais de nossa atribuição, termos nos quais se investiga o abuso de autoridade cometido quando da prisão do sujeito, de regra, pelo atentado à incolumidade física da pessoa (artigo 3º, “i”). A primeira indagação foi: houve continuidade normativo-típica?

Discorrendo sobre o princípio da continuidade normativo-típica, Luiz Flávio Gomes [3] começa falando da abolitio criminis pela revogação da lei que considerava típico um fato determinado, por outra lei. Esta, por ser mais benéfica deve ser aplicada de imediato e, de regra, leva à extinção da punibilidade (artigo 2º, parágrafo único, e 107, III, ambas do CP). Todavia, o autor faz a ressalva: “Essa revogação nem sempre culmina na abolitio criminis. Isso porque a conduta descrita na norma revogada pode continuar tipificada em outro diploma legal. E esse fenômeno é denominado pela doutrina como princípio da continuidade normativo-típica”.

Embora o enquadramento típico vá migrar da lei revogada para outra, na qual o tipo penal subsista (de regra, com alteração de pena ou inserção de qualificadora), é a lei do tempo do fato que determina a sanção penal a que está sujeito o agente e a forma de execução da mesma. A propósito, o HC 106155, julgado em 04/10/2011, relator para o acórdão ministro Luiz Fux, determinando a aplicação da pena prevista na lei anterior e a tipificação da conduta na lei que sucedeu [4].

No questionamento feito sobre os processos de abuso de autoridade por atentado à incolumidade física da pessoa, algumas questões devem ser postas, frente a redação do artigo 13 da nova lei.

“Artigo 13   Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:

(Promulgação partes vetadas)

Pena detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência”.

De regra, o conteúdo apurado nos termos circunstanciados em andamento é a violência usada quando da prisão, para além do necessário (quando foi necessário), sem as finalidades constantes do artigo 13 da nova Lei (o dito “corretivo” no jargão popular). Assim, se praticado o ato antes da vigência da Lei 13869/19, sem resultado material e sem qualquer das hipóteses previstas nos incisos do artigo 13, estando a conduta enquadrada tão somente na Lei 4898/65, salvo engano, é de se reconhecer a abolitio e, por consequência, aplicar o artigo 107, III, do CP. Ou, havendo resultado material, mas sem estar delineada qualquer das hipóteses acima, continua com o termo (seja na fase investigatória, instrutória ou executória), mas tão somente com relação ao crime conexo.

Por fim, se presente na conduta qualquer das finalidades do artigo 13 e incisos, continua com o termo, mas tendo por baliza o sancionamento anterior (detenção, de dez dias a seis meses, enquanto aqui se tem de um a quatro anos).

Doutra banda, encontram paralelo, sempre a depender da criteriosa análise do caso concreto, na Lei 13.869/19, as alíneas do artigo 3º, sendo de se prosseguir o feito, observadas as normas punitivas da legislação anterior as alíneas do artigo 3º da Lei 4898/65:

“a”  atentado à liberdade de locomoção nos artigos 9º, 10, 18, 19 e 37;

“b”  à inviolabilidade de domicílio no artigo 22;

“d”  à liberdade de consciência e de crença no artigo 15;

“i”  à incolumidade física do indivíduo no artigo 13.

Do artigo 4º, sem pretensão exauriente e lembrando da inafastável análise à vista do caso concreto, pode-se dizer da continuidade normativo-típica das alíneas:

“a”  ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder nos artigos 16 e 20;

“b”  submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei  nos artigos 13, 31 e 38;

“c”  deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa nos artigos 12 e 19;

“d”  deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada nos artigos 12, IV, e 19, parágrafo único;

“f”  cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor no artigo 33;

“h”  o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal no artigo 36;

“i”  prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade nos artigos 12 e 19.

Esses seriam, em tese, os tipos penais sobreviventes da Lei 4898/65, a serem considerados em cotejo com os trazidos pela Lei 13869/65. Superado esse exercício quanto aos procedimentos em curso (delitos praticados antes de 26 de março), e mantendo a vista na “incolumidade física do indivíduo”, como tratar, a partir dali, os abusos de autoridade (uso de violência, de regra) contra os detentos que não se encaixem nas hipóteses do artigo 13?

Pensamos que, havendo prova da materialidade do delito e indícios bastante de autoria, o socorro vai para o Código Penal (por exemplo, artigos 121, 129 e 132, observada a agravante genérica do artigo 61, II, “f”) ou, para a Lei de Tortura, se presente qualquer das hipóteses do artigo 1º [5] da Lei 9.455/97, que escape àquelas do artigo 13 da Lei 13869/19.

 é promotora de Justiça titular da 9ª PJ da comarca de Ponta Grossa (PR) e mestre em Direito Penal Econômico pela PUC–PR.

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Victor de Almeida: Os tipos de guarda no sistema jurídico

O direito de família é uma área jurídica extremamente dinâmica, eis que novas questões surgem a todo tempo, seja quanto à questão de sucessão (como por exemplo testamentos, doações e partilha de bens), bem como nas questões pertinentes ao seio familiar (matrimônio, adoção, investigação de paternidade e guarda).

No presente texto, abordaremos a questão relativa à guarda, que pode se dar de forma alternada, compartilhada ou unilateral. Contudo, há uma certa confusão, em especial com relação à modalidade de guarda compartilhada e à guarda alternada. Inicialmente, falaremos sobre a guarda unilateral, que se mostra mais recorrente nas ações judiciais que versam sobre esse tema.

A guarda unilateral está definida no início do parágrafo primeiro do artigo 1.583 do Código Civil, trazendo o seguinte texto “Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (..)”. Podemos, dessa forma, sintetizar que a guarda unilateral será exercida por um dos genitores (pai ou mãe), enquanto com relação a uma pessoa que substitua um dos genitores, podemos exemplificar com a atribuição da guarda aos avós, ou ainda aos tios, na ausência de um dos genitores.

Cabe mencionar que na guarda unilateral, em regra, é fixado o direito de visitas ao genitor que não detêm a guarda ou a quem o substituiu. A forma como serão regulamentadas essas visitas deverá sempre atender ao melhor interesse da criança, podendo ser fixada de comum acordo entre as partes envolvidas ou pelo juiz.

Por fim, é importante salientar que cabe ao genitor não guardião a fiscalização quanto aos cuidados e à forma pela qual a criança é tratada por seu guardião (entenda-se por alimentação, saúde e educação), podendo ser o caso de demandar de forma judicial para obtenção de informações e outras medidas necessárias.

No tocante à guarda compartilhada, há uma certa confusão, eis que algumas pessoas interpretam que a guarda compartilhada seria a convivência da criança por determinado período, de forma igual, na residência dos genitores, quando na verdade a guarda compartilhada não se limita a isso.

A guarda compartilhada está prevista no final do parágrafo primeiro do artigo 1.583 do Código Civil com a seguinte redação “(…) E, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Em outras palavras, a guarda compartilhada pressupõe um consenso entre os genitores, não se limitando à alternância de lares, mas incluindo também decisões e responsabilidades quanto à criação de forma conjunta. Faz-se necessária, portanto, uma harmonia entre os genitores a fim de garantir o melhor interesse do infante.

A autora Maria Berenice Dias [1] entende que essa modalidade deve ser estimulada inclusive pelo Poder Judiciário, eis que atende aos melhores interesses da criança. Inclusive, ao nosso ver, a guarda compartilhada deve ser adotada, eis que permite um desenvolvimento sadio. Entretanto, deve-se atentar sempre à situação familiar no intuito de verificar qual situação se amolda melhor à criança.

Por fim, no que diz respeito à guarda alternada, esta não está prevista na legislação brasileira. Ela foi uma construção da jurisprudência [2], ou seja, um conjunto de decisões judiciais sobre tal questão.

Conforme mencionado anteriormente, na guarda alternada a criança convive com os genitores de forma alternada por igual período. Entretanto, diversos autores criticam tal modalidade, tendo em vista que não atende aos melhores interesses da criança. Ademais, não é uma modalidade usual de ser fixada de forma judicial, mas somente por meio de acordo.

Portanto, a espécie de guarda a ser aplicada dependerá de cada caso concreto, valendo-se sempre do melhor interesse da criança, bem como, se possível, da conciliação entre as partes.

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Juiz de PB condena Banco do Brasil por suspender saques

Privar clientes do usufruto de serviços bancários essenciais e, ao mesmo tempo, manter a cobrança de taxas, tarifas e demais encargos, justifica o pagamento de indenização por danos morais. 

Banco não oferta todos os serviços desde fevereiro de 2016, quando houve uma explosão na agência

Com esse entendimento, o juiz Jackson Guimarães, da Vara Unica de Alagoa Grande (PB), condenou o Banco do Brasil a pagar R$ 500 mil em danos morais coletivos depois que a instituição deixou de disponibilizar o serviço de saques. A decisão é desta quarta-feira (6/5). 

Para o magistrado, suspender os serviços atenta contra o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual órgãos públicos são obrigados a fornecer atendimento adequado, eficiente, seguro e contínuo quando a prestadora possui caráter essencial. 

“A conjugação entre os transtornos gerados à população e ao comércio local (que há mais de quatro anos não conta com todos os serviços bancários da agência do Banco do Brasil no município), o aumento dos custos e dos riscos às pessoas que são obrigadas a irem aos municípios vizinhos, e ainda a natureza essencial do serviço bancário, atendendo ao preceito constitucional da função social, imprescindível a reabertura da agência do banco, com todos os serviços bancários apontados na inicial, fixando-se um prazo razoável para cumprimento da sentença”, afirma a decisão.

Os R$ 500 mil serão usados no combate à epidemia do novo coronavírus em Alagoa Grande. O magistrado ainda deu o prazo de 60 dias para que o banco volte a disponibilizar seus serviços integralmente. 

Danos morais

No caso concreto, a agência deixou de fornecer o serviço de saque depois de ser atacada por criminosos, que explodiram caixas da agência em fevereiro de 2016. De lá para cá, segundo os autos, os consumidores passaram a ter que se deslocar aos municípios vizinhos de Areia e Guarabira ou acessar suas contas por meio da internet. 

O banco alegou não ter culpa pela indisponibilidade dos serviços, já que a explosão na agência foi provocada inteiramente por terceiros. O juiz, no entanto, não aceitou o argumento. 

“Depositária de valores, a instituição financeira ocupa posição de elevado risco diante da ação ilícita de agentes criminosos. Em outros termos, o risco da atividade integra a linha de previsibilidade da exploração do negócio, de modo que a prática de crimes por terceiros constitui hipótese de fortuito interno incapaz de afetar o dever compensatório”.

Clique aqui para ler a decisão

0800854-10.2019.8.15.0031

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Luciana Prado é a nova sócia de seguros do Demarest Advogados

20 anos de experiência

Luciana Prado é a nova sócia de seguros da banca Demarest Advogados

O escritório Demarest Advogados tem uma nova sócia: Luciana Prado, na área de Seguros e Resseguros.

Ela tem 20 anos de experiência no setor, sendo os últimos 12 anos na banca Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Entre as especialidades de Luciana está a consultoria regulatória para os setores de seguros e resseguros, previdência complementar (abertas e fechadas) e saúde suplementar. Sua atuação envolve ainda operações de fusões e aquisições e reestruturações societárias das áreas.

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Revista Consultor Jurídico, 7 de maio de 2020, 8h03

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Jhonny Prado: Benefícios fiscais devem ser concedidos em período eleitoral

Sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de limitações para o gestor público no último ano do seu mandato, visando a impedir o tão recorrente uso da máquina pública como forma de propaganda eleitoral antecipada. Sucede que, na esteira do que vem acontecendo no resto do mundo, o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis que a memória recente nos traz. Em decorrência da pandemia causada pela Covid-19, estudos apontam queda do PIB brasileiro em até 6% [1] para o ano de 2020. Grandes municípios, como o de Porto Alegre, estimam queda de arrecadação em até 60% do estimado para o corrente ano. Empresas, independentemente do porte, estão encontrando dificuldades em manter seus quadros de funcionários, muitas estão enfrentando dificuldades financeiras, diante da paralisação das atividades, em decorrência da quarentena que foi determinada em todo o território nacional.

Nesse cenário é que surge a dúvida: é possível que agentes políticos municipais, diante da crise generalizada enfrentada, concedam benefícios fiscais no ano das eleições municipais?

Para o deslinde da dúvida jurídica submetida à análise, imperiosa se faz a análise do artigo 73 da Lei nº 9.504/1997, que dispõe sobre as condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral:

“Artigo 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

§10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”.

O supramencionado artigo é o mais importante para o objeto do presente estudo, trazendo uma série de condutas vedadas aos agentes públicos no ano da eleição, período que se convencionou chamar de calendário eleitoral. Decorre do §10 do a referido texto legal que, no ano relativo ao pleito, fica proibida a distribuição de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública. Assim, pode-se afirmar que, em regra, a Lei 9.504/1997 é obstáculo a ter-se, no ano das eleições, para o implemento de benefício fiscal referente à dívida ativa do município. Contudo, como não poderia ser diferente, não se trata de regra absoluta.

Com efeito, as referidas vedações possuem uma razão de ser: afastar a conduta do agente público que se vale dos bens e mecanismos da Administração Pública para desigualar a disputa a seu favor, em decorrência do cargo público ocupado. “A interpretação teleológica do preceito revela a impossibilidade de a máquina administrativa ser manipulada com vistas a conquistar simpatizantes para determinada candidatura”. (TSE. Consulta 1531-69/DF. Relator: ministro Marco Aaurélio. 20/9/2011).

Pode-se dizer que a regra geral prevista no dispositivo só é aplicável em situações de normalidade, não sendo a simples prática da conduta que se amolde àquela descrita no texto legal que caracterizará, inexoravelmente, conduta vedada, exigindo-se, nas palavras do TSE, “em qualquer das situações, é necessário que tais irregularidades possuam uma mínima correlação, um liame, com o pleito eleitoral” (RO nº 9-80 e RO nº 3230-08, relator ministro Henrique Neves, DJE de 12/5/2014).

Deveras, nem toda conduta praticada pelo gestor público que se subsumir àquela prevista na moldura normativa, merecerá reprimenda do ordenamento jurídico, exigindo-se do agente público o dolo específico de se beneficiar diretamente daquele ato na corrida eleitoral ou, ao menos, que seu ato seja capaz de afetar a igualdade da disputa (Recurso Especial Eleitoral nº 3289-97.2014.616.0000) [2].

Sucede que, afora as condutas que possam configurar promoção pessoal ou causar desiquilíbrio ao pleito eleitoral, ao gestor deve ser assegurada todas as demais atribuições para gerir a máquina pública, podendo lançar mão de todos os instrumentos disponíveis para o melhor desenvolvimento das necessidades públicas, visando à consecução do interesse público. Com efeito, o legislador não é capaz de antever o cenário ao qual estarão submetidos os destinatários da norma, devendo, por essa razão, a aplicação da regra geral ficar restrita à situação de normalidade, tendo em vista que, a depender das circunstâncias fáticas, poderá ser exigido do administrador funções proativas destinadas à solução da crise social, que, numa primeira análise, ficaria em uma linha tênue entre a conduta necessária e a vedada pela lei eleitoral.   

Não foi por outro motivo que o próprio texto legislativo trouxe, expressamente, uma ressalva: “os casos de calamidade pública, de estado de emergência e os programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”. Deveras, nesses casos, seria ilógico impor limitações ao gestor público que o impeçam de adotar medidas políticas e sociais que conduza a situação novamente à normalidade. Seria, em outras palavras, submeter toda a população aos efeitos deletérios da crise, pelo simples medo do uso eleitoral da máquina pública. Em última análise, mediante uma interpretação teleológica da norma, seria um contrassenso, tendo em vista que geraria um desequilíbrio eleitoral reverso, para o ocupante do cargo público, diante da imposição de limitações ilógicas perante a realidade posta, impedindo-o de solucionar a situação emergencial, transformando-o no capitão do naufrágio. A aplicação da vedação no caso concreto transformaria a norma no mal para o qual pretendia ser o remédio. Assim, tendo em vista o fim para o qual a norma foi criada, a interpretação para a sua aplicação absoluta deve ser afastada.

Nesse contexto, de pronto, pode-se afirmar que, verificada a existência da exceção de calamidade pública, duas condutas vedadas descritas no artigo 73 da Lei n.º 9.504/97, restarão legalmente permitidas, quais sejam: a) a realização de transferência voluntária de recursos da União aos estados e municípios, e dos estados aos municípios nos três meses que antecedem o pleito; e b) assim como a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública. Trata-se de interpretação inafastável do texto legal, extraída da simples leitura, tendo em vista que a hipótese é expressamente prevista como exceção. Em que pese a clareza da previsão, no atual cenário brasileiro, a dúvida é pertinente. O gestor zeloso, preocupado em seguir os ditames legais e atento à possibilidade de ter sua conduta tida como não autorizada pelos órgãos de controle, tende a se deparar com o dilema. André Cyrino e Gustavo Binenbojm tratam do referido dilema enfrentado pelo administrador público, fazendo uma pertinente crítica ao controle desenfreado que se tem exercido no Brasil, na tendência de se limitar cada vez mais a atuação do gestor público. Vale a transcrição do seguinte trecho:

‘Somente o administrador médio está confortável e seguro. Sem tal clarividência, no entanto, os incentivos ao administrador público que quiser ser honesto serão de adoção de postura estritamente burocrática, em sua pior conotação. Será um sujeito preso a ritos e cautelas que tendem a gerar paralisia decisória. É o apagão das canetas, como se tem referido. Um quadro de temor e inação”. (Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 203-224, nov. 2018.)

No entanto, o momento exige do administrador público uma atuação proativa, de boa governança e gestão eficiente (artigo 37, CF), destinada ao afastamento da crise, à preservação do mínimo existencial e da vida humana. Diante do delicado momento que se atravessa, não há como cogitar que a vontade geral, para a qual os representantes são eleitos para fazer prevalecer (artigo 1, parágrafo único da CF), seja pela inanição do administrador. Há que se fazer uma ponderação dos valores envolvidos, merecendo prevalecer os direitos fundamentais dos cidadãos, previstos no artigo 5 da CF, bem como a busca do pleno emprego, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna (artigo 170, da CF). 

Nessa esteira, o STF, reconhecendo a situação de excepcionalidade e realizando a referida ponderação de valores, na ADI 6357, afastou a exigência de diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal durante a situação de crise, tendo em vista que sua aplicação, no momento, seria incompatível com a Constituição Federal.

Desse modo, salvo melhor juízo, pode-se afirmar, com segurança, que a atual situação está abarcada pela exceção legal. A situação de calamidade foi reconhecida pelas três esferas federativas, pelo menos nos principais centros urbanos. Pode-se citar como exemplo o Decreto Legislativo nº 06/2020, no âmbito da União, que reconheceu o estado de calamidade pública no país (ademais, anteriormente, a Portaria n.º 188/2020 já havia declarado Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, que, salvo melhor juízo, já seria suficiente para enquadramento na ressalva legal). Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, bem como os municípios São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, também reconheceram em seus territórios o estado de calamidade. Inafastável, portanto, a conclusão pelo preenchimento do pressuposto exigido no §10º do artigo 73 da lei 9.504/97.

Do mesmo modo, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica em reconhecer plena aplicabilidade à exceção supramencionada, conforme se demonstrará a seguir:

“Agravo regimental. Recurso especial. Eleições 2012. Prefeito. Ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso de poder político. Artigo 22 da lc 64/90. Conduta vedada a agente público. Artigo 73, § 10, da Lei 9.504/97. Calamidade pública. Reexame fático-probatório. Desprovimento.

Inexiste, no caso, afronta ao artigo 275 do Código Eleitoral, porquanto a Corte Regional manifestou-se sobre a tempestividade do recurso eleitoral interposto pelos agravados.

O TRE/PA, em análise do conjunto fático-probatório, entendeu que o programa assistencialista temporário criado durante as cheias do Rio Xingu, no Pará, em 2012, impunha-se diante de estado de necessidade e calamidade pública, afastando, dessa forma, conduta vedada a agente público (artigo 73, § 10, da Lei 9.504/97) e abuso de poder político (artigo 22 da LC 64/90). Para modificar essa conclusão, é imperioso, como regra, reexame de fatos e provas, vedado na via extraordinária, nos termos da Súmula 7/STJ.

Agravo regimental não provido.” (Recurso Especial Eleitoral nº 79973, Acórdão, relator ministro Herman Benjamin, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 25/05/2016, Página 51)

Na mesma esteira, julgou a Consulta n° 56-39.2014.6.00.0000; o Ac de 25/9/2014 no AgR-REspe nº 5410280, relator ministro Henrique Neves e o Ac de 15/2/2007 no AgRgREspe nº 25.980, relator ministro Gerardo Grossi.

Realizando a mesma interpretação, diversos municípios concederam benefícios fiscais aos seus administrados, como Belo Horizonte, que por meio do Decreto 17.308/2020 dispôs sobre medidas excepcionais de diferimento tributário para a redução dos impactos sobre a atividade econômica do município causados pelas ações de contenção da pandemia ocasionada pela Covid-19; a prefeitura de Niterói, que concedeu a ampliação dos prazos para recolhimento do ISS, por meio da resolução SMF n. 44; a prefeitura de São Paulo, que expediu diversos atos normativos concedendo benefícios fiscais aos seus contribuintes, podendo-se citar como exemplo a Lei Municipal n.º 17324/2020, Decreto 59.293/2020 e 59.326/2020. Esses são apenas alguns exemplos de atos normativos expedidos por administrações municipais, mesmo dentro do calendário eleitoral, visando a contornar a crise gerada pela pandemia do coronavírus. 

Assim, a adoção de medidas assistenciais e de amparo aos munícipes, como a distribuição de alimentos, cestas básicas, etc., bem como a previsão e estabelecimento de alguns benefícios tendentes a mitigar os prejuízos causados pela pandemia, como a concessão de benefícios fiscais, podendo ser consubstanciada, por exemplo, pela prorrogação do prazo de pagamento de tributos; a postergação dos prazos para a entrega das obrigações acessórias; a concessão de moratória; a previsão de parcelamento dos impostos de sua competência e, até mesmo, a isenção de taxas e tarifas, entre outras medidas possíveis. Trata-se, na verdade, de meros exemplos, trazidos em abstrato, em que a atuação da Administração Pública restaria acobertada pela ressalva legal, desde que utilizados com razoabilidade e em respeito às formalidades legais exigidas para a respectiva instituição do benefício.

Vale ressaltar, por fim, que os benefícios concedidos devem guardar estrita relação com o enfrentamento e superação da crise, vedando-se toda e qualquer conduta que possa configurar desrespeito ao princípio da impessoalidade, previsto no artigo 37 da CF. Para tanto, é recomendável a fixação de critérios objetivos para a concessão dos benefícios, evitando-se, ao máximo, a atribuição de benefícios a grupos específicos, sem que haja discrímen razoável ou fundamentação relevante. É recomendável, também, a adoção de instrumentos que assegurem a transparência das condutas adotadas, permitindo aos órgãos de controle eleitoral, a fiscalização definida no § 10 do artigo 73 da norma de regência.

Diante do exposto, entendo, embasado na literalidade do texto legal, bem como na jurisprudência pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, que as medidas adotadas visando ao afastamento da crise, sobretudo no atual cenário em que a situação de calamidade é mundialmente reconhecida, não só devem ser permitidas, como revelam-se um poder-dever do gestor público diligente.

O momento é de flexibilização da burocracia administrativa, do apego à legalidade estrita, entendendo a relação circular existente entre o Direito e a realidade, de modo a permitir que os agentes políticos dos poderes das três esferas federativas consigam contornar a grave e inesperada situação. Tal condução deverá sempre ter como pano de fundo a Constituição Federal e sempre sob vigilância (necessária e moderada) dos controles internos, externos e popular. 

 é procurador do município de Porto Alegre e integrante da força-tarefa do município para o combate à Covid-19.

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Bretas agiu ilegalmente em ação penal contra Temer, diz TRF-2

Pedido liminar em Habeas Corpus proposto pela defesa do ex-presidente Michel Temer foi deferido nesta quinta-feira (30/4) pelo desembargador Antonio Ivan Athié, do TRF-2.

Juiz Bretas determinou abertura de prazo antes de todas as provas terem sido disponibilizadas à defesa
Cauê Diniz

O HC foi proposto porque o juízo de primeiro — Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro — determinou a abertura de prazo para a apresentação de resposta à acusação, apesar de a defesa ainda não ter obtido acesso a todos os elementos de prova apresentados pelo MPF. 

A peça foi assinada pelos advogados Eduardo Carnelós, Roberto Soares Garcia, do escritório Carnelós e Garcia Advogados, Átila Machado (escritório Machado, Castro e Peret Advogados) e Brian Alves Prado (da banca Advocacia Donati Barbosa).

Além disso, Bretas reduziu o prazo concedido para dez dias — originalmente, eram 20.

Na ação penal, Temer responde pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.

Na decisão que negou o pedido de suspensão do feito até que os advogados tivessem acesso a todo conjunto dos elementos de prova, o juízo de piso argumentou que a defesa não demonstrou a necessidade de acesso aos documentos faltantes.

No segundo grau, então, o relator Athié afirmou que “a defesa em ação penal não precisa mostrar necessidade de acesso a documento, papel, ou o que seja que esteja integrando os autos, já que tem direito a conhecimento INTEGRAL do caderno processual e do que a ele apensado, anexado, ou o que for, configurando ilegalidade condicionar a exibição de qualquer das peças a justificativa alguma, a demonstração de necessidade, vez que o que é necessário à acusação, e se não fosse não estaria nos autos, é também necessário ao acusado”.

Clique aqui para ler a decisão

HC 5004132-22.2020.4.02.0000/RJ