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Renzzo Ronchi: A judicialização da saúde durante a pandemia

No sistema jurídico brasileiro sempre houve uma flagrante falta de uniformidade nas da Justiça e uma dificuldade de se identificar com clareza qual é o entendimento de um tribunal sobre um tema específico, frente à ampla gama de decisões em diferentes sentidos tratando sobre a mesma matéria.

Desse modo, um dos objetivos do novo Código de Processo Civil (NCPC) foi expressamente estabilizar e uniformizar a jurisprudência, tendo pontuado a comissão de juristas que a segurança jurídica fica comprometida com a “brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito” [1].

Nessa linha, o artigo 926 do NCPC ficou redigido assim: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

O dispositivo legal prevê, assim, deveres gerais para os tribunais no âmbito do desenvolvimento de um sistema de precedentes, sendo eles: I) o dever de uniformizar sua jurisprudência; II) o dever de manter essa jurisprudência estável; III) o dever de integridade; IV) o dever de coerência e V) o dever de dar publicidade adequada aos seus precedentes [2].

Com efeito, em 23 de maio de 2019 o Supremo Tribunal Federal julgou o ED no RE nº 855.178/SE (com repercussão geral, relator ministro para  acórdão Edson Fachin), ocasião em que reafirmou a tese de que a responsabilidade dos entes estatais é solidária nas demandas prestacionais na área de saúde, competindo à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

A ementa do acórdão foi publicada recentemente, na data de 16 de abril de 2020, contendo o seguinte teor:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PRECEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, relator ministro Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos” (ED no RE nº 855178/SE, relator ministro LUIZ FUX, relator p/ acórdão: ministro Edson Fachin, Pleno, julgado em 23/5/2019, DJe de 15/4/2020). (grifos do autor) 

Embora tenha sido confirmada a solidariedade dos entes federativos pela prestação de saúde, fato é que no plenário do Supremo Tribunal Federal prevaleceu a orientação de que se fez necessário promover desenvolvimento da tese firmada no julgamento do AgR na STA nº 175/CE, relator ministro Gilmar Mendes, no sentido de que as políticas públicas de saúde devem ser prestigiadas e, consequentemente, as regras administrativas de repartição de competências também devem ser objeto de atento exame pelo magistrado.

O desenvolvimento da tese firmada que não se confunde com a figura da superação do precedente (overruling) justificou-se, conforme disse o próprio ministro Edson Fachin em seu voto, pelo fato de que “desde a realização da audiência pública em matéria de saúde e o julgamento da STA 175 passaram-se quase dez anos, em cujo lapso se inseriram diversos fenômenos correlatos à judicialização de prestações sanitárias, incluindo, neste rol, a criação do Fórum Nacional de Saúde no âmbito do CNJ. Além disso, houve: I) aumento da judicialização em matéria da saúde; II) desestruturação do SUS; III) sobreposição ou ausência de cumprimento de decisão judicial”.

Assim, a tese vencedora, que constou no voto do mininstro Edson Fachin, ficou redigida com o seguinte teor:

Partindo do exame das espécies de tutela examinadas na STA 175, é possível estabelecer condicionantes para a admissão das respectivas ações. Quando a pretensão veicular pedido de entrega de medicamento padronizada, a competência estatal é regulada por lei, devendo figurar no polo passivo a pessoa política com competência administrativa para o fornecimento do medicamento, tratamento ou material. Quando o medicamento não for padronizado, a União deve compor o polo passivo da lide. Além disso, a dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal nº 7.580/11. Base constitucional: o direito à saúde (artigo 196 e ss. da CRFB); repartição federal de competências (artigo 23, I e II, da CRFB).” (grifos do autor)

Como se percebe, houve uma mudança significativa no tratamento da matéria, pois, embora continue existindo a solidariedade entre os entes estatais para o acionamento do Poder Judiciário o que se fez para garantir a máxima proteção ao paciente enfermo, que pouco conhece do intrincado sistema de saúde , o magistrado, doravante, deve observar as regras de repartição de competências sanitárias ao direcionar o cumprimento da obrigação.

Em outros termos, isso significa que todos os entes da federação podem integrar o polo passivo do processo, mas o direcionamento da obrigação, que é feito pelo juiz, deve atentar-se para as regras de repartição de competências sanitárias.

De fato, a ementa desse acórdão não espelhou, com fidelidade, as questões que foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, mas isso não quer dizer que as teses, em si, não devam ser observadas, até porque a ementa é apenas uma síntese do julgamento.

Aliás, a ementa contém até mesmo um pequeno equívoco ao mencionar no final que a relatoria do julgamento no RE nº 657.718/MG ficou a cargo do ministro Alexandre de Moraes quando, em verdade, a redação do acórdão ficou sob a responsabilidade do ministro Roberto Barroso, que teve a tese vencedora. Tratando-se de um erro material, pode ser corrigido até mesmo de ofício.

Apenas a título de ilustração, em 2010, quando foi publicado o acórdão do julgamento realizado no AgR na STA nº 175/CE, relator ministro Gilmar Mendes, a ementa também não espelhava, com toda sua profundidade, as questões que foram examinadas pelo plenário da Suprema Corte, sendo necessária a leitura do voto proferido pelo relator para a perfeita compreensão da matéria.

Nesse ponto, realizado o julgamento do ED no RE nº 855.178/SE, que define ser do magistrado a responsabilidade pelo direcionamento da obrigação, cumpre enfatizar, nesse sentido, que a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), em seus artigos 16, 17 e 18, regulamenta a responsabilidade comum e define atribuições entre a direção nacional, a direção estadual e a municipal da saúde.

Por sua vez, o artigo 19-U da lei orgânica da saúde reforça a distribuição de competências, estabelecendo que a responsabilidade financeira pelo fornecimento de medicamentos, produtos de interesse para a saúde ou procedimentos de que trata este Capítulo será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite”.

O artigo 10 da Resolução nº 1/2012 da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) reforça a repartição de competência prevista na Lei Orgânica da Saúde. Por outro lado, a Portaria nº 1.555/2013 regulamenta a competência dos municípios para o componente básico de assistência farmacêutica, enquanto a Portaria nº 1.554/2013 define a competência dos Estados e da União para o componente especializado de atenção farmacêutica.

O Decreto nº 7.508/2011, como norma reguladora da Lei nº 8.080/1990, é o diploma legal responsável pelo direcionamento das ações e serviços de saúde, disciplinando a responsabilidade de cada ente político (União, estados, Distrito Federal e municípios).

Municípios são responsáveis pela atenção básica e pelo fornecimento dos medicamentos do componente básico de atenção farmacêutica, ao passo que estados e União são os responsáveis pela média e alta complexidades e pelo componente especializado e estratégico de atenção farmacêutica.

A Rename (relação nacional dos medicamentos essenciais), aprovada pela Resolução CIT nº 1/2012, atualizada periodicamente a cada dois anos, conforme Portaria nº 3.047/2008, é considerada o principal instrumento que fixa regras de repartição de competência e distribuição de atribuições.

Dessa forma, em se tratando de cumprimento de política pública, o magistrado poderá se nortear segundo esses diplomas normativos que integram o complexo sistema jurídico sanitário.

Situação diferente, no entanto, ocorrerá quando a demanda judicial pleitear tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas.

Para essas hipóteses, o ministro Edson Fachin, em seu voto, foi enfático ao pontuar que “a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (artigo 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação”.

De fato, a presença da União no polo passivo poderá esclarecer, entre outras questões: a) se o medicamento, tratamento ou produto tem ou não uso autorizado pela Anvisa; b) se está ou não registrado naquela agência; c) se é ou não padronizado para alguma moléstia e os motivos para isso; e d) se há alternativa terapêutica constante nas políticas públicas, etc.

Com efeito, tal posicionamento privilegia o Enunciado n° 78 do Comitê Executivo do Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, o qual dispõe que “compete à Justiça Federal julgar as demandas em que são postuladas novas tecnologias ainda não incorporadas ao Sistema Único de Saúde SUS”.

Perceba-se que a tese firmada no ED no RE nº 855.178/SE é diversa daquela assentada no julgamento do RE 657.718/MG, relator ministro para acórdão Roberto Barroso, que versou sobre o debate acerca da obrigação do Estado de fornecer medicamento sem registro na Anvisa. Isso porque no primeiro julgamento ficou definido que, em se tratando de demanda judicial pleiteando tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas, a União deve também compor o polo passivo. Isso irá ocorrer sem o prejuízo dos outros entes federados também integrarem o processo, considerando a responsabilidade solidária. No segundo julgamento, contudo, por se tratar de medicamento sem registro na Anvisa (órgão federal), o STF entendeu que a demanda deve ser ajuizada somente contra a União.

Feitas essas considerações, incumbe aos tribunais e juízes brasileiros observarem as teses firmadas pela Suprema Corte do nosso país no julgamento do ED no RE nº 855.178/SE, relator ministro para acórdão Edson Fachin, haja vista que o artigo 926 do Código de Processo Civil preocupou-se em sistematizar a aplicação dos precedentes, apostando na criação de um ambiente decisório mais isonômico e previsível.

Além disso, em tempos de pandemia, é absolutamente necessário que tribunais e juízes produzam decisões que gerem segurança jurídica, ainda mais em prestações de saúde que lidam com o tema sensível da escassez de recursos.

Se é inquestionável que o direito à saúde é fundamental, por outro lado não se pode desconsiderar que sua concretização é garantida mediante políticas sociais e econômicas, sendo certo que o acesso às ações e serviços é feito de modo igualitário e universal conforme a realidade orçamentária de cada ente federativo.

Conforme Stephen Holmes e Cass Sunstein, “ignorar os custos é deixar certas trocas dolorosas fora do nosso campo de visão” [3].

O custo dos direitos é um tema que não pode ser relegado a segundo plano, haja vista que a concretização dos direitos fundamentais de caráter prestacional deve ser realizada à luz das possibilidades financeiras do Estado, sob pena de se criar seletividade e violação ao princípio da isonomia, favorecendo-se determinadas pessoas, que ingressam com demandas judiciais, em detrimento de toda a coletividade.

A harmonização dos julgados é fundamental para um Estado de Democrático de Direito, pois tratar as mesmas situações fáticas com a mesma solução jurídica resulta na preservação do princípio da isonomia, além do que também gera segurança jurídica, uma vez que evita longos debates sobre a matéria, permitindo, assim, que todos se comportem conforme o Direito.

Não bastasse isso, a uniformização da jurisprudência contribui para melhorar a credibilidade da imagem do Poder Judiciário, pois afasta o modo irracional de administrar a Justiça, sobretudo em um momento crítico como esse que o país está atravessando. Ademais, as ideias de unidade do Direito e de precedentes obrigatórios colaboram para o fortalecimento do Poder Judiciário enquanto instituição [4].

Em tempos de pandemia da Covid-19, caraterizada por uma crise sanitária e econômica de proporção mundial, a judicialização da saúde precisa ser racionalizada, sob pena de colapso do sistema sanitário e ineficácia das decisões judiciais.

 


[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Volume 2. 10ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2015.

 é juiz de Direito do TJ-MG, de entrância especial, titular do Juizado Especial Cível, Criminal e da Fazenda Pública de Teófilo Otoni, 2º titular da 1ª Turma Recursal do Grupo Jurisdicional de Teófilo Otoni, professor do curso de Direito da Faculdade Doctum-Teófilo Otoni, mestrando em Direito Processual Constitucional pela Universidad Lomas de Zamora, na Argentina e pós-graduado em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG.

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Barroso confirma decisão que impede expulsão de diplomatas

Durante a epidemia

Ministro Barroso confirma decisão que impede expulsão de diplomatas venezuelanos

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, confirmou liminar concedida no início do maio que autoriza a permanência de diplomatas venezuelanos no Brasil enquanto durar o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional. O mérito do Habeas Corpus ainda será julgado, sem previsão de data.

Carlos Humberto/SCO/STFBarroso confirma decisão que impede expulsão de diplomatas venezuelanos

No começo de maio, o ministro havia suspendido a expulsão por 10 dias, até que o governo apresentasse informações sobre a urgência da retirada dos venezuelanos. A nova decisão foi tomada após análise das informações apresentadas pelo Ministério das Relações Exteriores, Advocacia-Geral da União e parecer da Procuradoria-Geral da República.

O ministro ressaltou na decisão que é válida a ordem do presidente da República que determinou a expulsão por estar na sua esfera de discricionariedade política. Segundo Barroso, não se discute se o presidente poderia ou não determinar a expulsão porque cabe a ele, presidente, decidir sobre relações internacionais e reconhecimento (acreditação) dos diplomatas que representam os países estrangeiros.

Barroso entendeu, porém, que os efeitos da decisão que ordenou a retirada imediata devem ser suspensos enquanto durar a situação de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional. Isso porque não se trata de providência de urgência ou emergência que justifique romper o isolamento social recomendado pela OMS e todas as entidades médicas, expondo os diplomatas venezuelanos a uma longa viagem por terra, cruzando estados brasileiros em que a curva da doença é ascendente e os hospitais estão lotados.

“Diante do exposto, ratifico a medida liminar deferida para, sem interferir com a validade da decisão político-administrativa do Presidente da República, suspender temporariamente sua eficácia, assegurando que os pacientes permaneçam em território nacional enquanto durar o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional”, disse. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

HC 184.828

Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2020, 11h28

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STF declara inconstitucionais atos que censuram universidades

São inconstitucionais atos judiciais ou administrativos que autorizem que agentes públicos entrem em universidades para proibir aulas, debates e manifestações de ideias. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual encerrado nesta sexta-feira (15/5).

Em 2018, Faculdade de Direito da UFF foi obrigada a retirar faixa contra o fascismo durante eleições
Reprodução

Todos os ministros acompanharam o voto da relatora. A ministra Cármen Lúcia considerou que a imposição de pensamento unânime em universidades impede a manifestação plural de pensamentos. “É trancar a universidade, silenciar o estudante e amordaçar o professor.”

“A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana. E tirania é o exato contrário de democracia”, criticou.

O Plenário declarou inconstitucional a interpretação dos artigos 24 e 37 da Lei 9.504/97, que conduza a prática de atos judiciais ou administrativos que possibilite, determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas.

E ainda: o recolhimento de documentos; a interrupção de aulas; debates ou manifestações de docentes e discentes universitários; a atividade disciplinar docente e discente; e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenho.

Eleições atípicas

Em 2018, decisões autorizaram busca e apreensão de materiais de campanha nas universidades durante as eleições daquele ano. O caso que chamou mais atenção foi o da Faculdade de Direito da UFF (RJ), que foi obrigada a retirar uma faixa contra o fascismo.

À época, o Plenário da Corte já havia referendado liminar concedida pela ministra, que classificava o caso como “antológico”. O colegiado determinou a suspensão de todos os atos judiciais que permitiram a censura de manifestações políticas em universidades públicas. 

A decisão foi unânime e recorreu aos princípios da liberdade de expressão e de cátedra. Os ministros acolheram a arguição de descumprimento de preceito fundamental apresentada pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que afirmou que os atos contrariavam a Constituição.

Com a decisão, também foram anuladas determinações proferidas pelo juízo da 17ª zona eleitoral de Campina Grande (PB), pelo juízo da 20ª zona eleitoral do RS, pelo juízo da 30ª zona eleitoral de BH (MG), pelo juízo da 199ª zona eleitoral de Niterói (RJ) e pelo juízo da 18ª zona eleitoral de Dourados (MS).

Clique aqui para ler o voto da relatora

ADPF 548

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STJ nega envio de ação contra ex-conselheiro à Justiça Eleitoral

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou habeas corpus no qual o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Domingos Lamoglia de Sales Dias, pedia a remessa de ação penal contra ele para a Justiça Eleitoral. Para o colegiado, como a apuração criminal ainda está em curso na Justiça comum e não há decisão sobre eventual conexão dos crimes com a esfera eleitoral, seria prematuro que o STJ analisasse o caso neste momento.

A “operação caixa de pandora” investigou esquema de pagamento de propina à base aliada ao governo do Distrito Federal na época, além de atos de corrupção praticados antes mesmo do exercício dos mandatos no Executivo e no Legislativo naquele período. Segundo a denúncia, Domingos Lamoglia, nomeado em 2009 para o TC-DF, seria responsável por arrecadar recursos ilícitos.

O ex-conselheiro foi denunciado pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção ativa. No pedido de habeas corpus, a defesa alegou que a descrição dos fatos narrados na denúncia sinalizaria a sua participação, em tese, em delitos como falsidade ideológica eleitoral e apropriação indébita eleitoral, o que atrairia a competência da Justiça Eleitoral para o julgamento da ação.

O relator do habeas corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, destacou que a questão da incompetência da Justiça comum não chegou a ser decidida, no mérito, nem em primeiro nem em segundo graus, de forma que seria inviável a apreciação do pedido pelo STJ, sob pena de supressão de instâncias.

Além disso, ele ressaltou que o ex-conselheiro “deixa claro que não existe sequer apuração de crimes eleitorais relacionados à sua conduta, requisito essencial para justificar eventual modificação de competência por conexão”.

Sem elementos

Reynaldo Soares da Fonseca afirmou também que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando analisou pedido de liminar em habeas corpus, entendeu que os trechos da denúncia que foram apresentados pela defesa não continham as informações elementares sobre a existência dos crimes eleitorais mencionados.

Por não reconhecer evidente ilegalidade na decisão impugnada pelo habeas corpus, capaz de justificar o afastamento da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal e o processamento do pedido no STJ, o ministro afirmou que se deve resguardar a competência do TJ-DF para a análise do tema, evitando a indevida supressão de instância. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

HC 569.021

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Rodrigo Reis: O stalking no ordenamento jurídico brasileiro

O termo stalking (também conhecido como perseguição obsessiva) designa uma forma de violência psicológica que faz a vítima se sentir com medo ou assediada. A partir de táticas de perseguição e de constrangimento, o stalker invade a esfera de privacidade da vítima, por diversos meios diferentes, tais como: envio de e-mails ou mensagens indesejadas nas redes sociais, ligações telefônicas persistentes, exposição de fatos e boatos sobre a vítima na internet, envio de presentes não solicitados, permanência na saída da faculdade ou trabalho da vítima para encontrá-la, etc [1].

Nos Estados Unidos, a prática de stalking é considerada crime e, de acordo com dados do Office on Women’s Health (OWH), órgão vinculado ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, uma em cada seis mulheres já sofreu stalking em sua vida [2]. Tais condutas podem resultar em danos à integridade psicológica e emocional da vítima, restrição à sua liberdade de locomoção ou dano à sua reputação. Os motivos que levam à prática de stalking são os mais variados, podendo-se destacar erotomania (patologia amorosa), violência doméstica, inveja, ódio ou vingança.

No Brasil, com exceção de algumas condutas (a exemplo da ameaça e dos crimes contra a honra), o comportamento do stalker não é considerado crime, mas tão somente uma contravenção penal designada “importunação à tranquilidade”, prevista no artigo 65 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41):

“Artigo 65  Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável.

Pena prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”

Muito embora o stalking não configure crime, no contexto da Lei Maria da Penha tal conduta poderá caracterizar violência psicológica contra a mulher, nas hipóteses em que ocasionar dano emocional, diminuição da autoestima, prejuízos nos âmbitos familiar e profissional e até mesmo a restrição da liberdade da vítima decorrente do medo da perseguição. Com efeito, a violência psicológica é prevista expressamente no artigo 7º da Lei Maria da Penha como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher [3].

Nesse contexto, forçoso concluir que a vítima de stalking também pode se valer das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha a fim de coibir e obstar que o perseguidor continue a constranger e a invadir a sua esfera de privacidade. Tais medidas cautelares, destinadas à proteção da mulher, abrangem qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independentemente da existência de coabitação.

Há dois casos recentes ocorridos no Brasil que podem ilustrar bem a situação. No primeiro deles, uma juíza de São Paulo concedeu medidas protetivas de urgência a uma mulher vítima de stalking contra um sujeito que a estava perseguindo com o intuito de iniciar um relacionamento amoroso, apesar das recusas da vítima. O stalker fazia diversas ligações para a vítima através de números diferentes e chegou a comparecer no local de trabalho da vítima com a intenção de levá-la para almoçar e fazer um pedido de casamento. Além disso, o stalker criou vários perfis falsos nas redes sociais para entrar em contato com a vítima, com seus familiares e amigos. Diante disso, a magistrada proibiu o stalker de se aproximar ou fazer contato com a vítima e seus familiares, tendo destacado que tal situação demonstrava a existência de “risco à integridade física, psicológica e moral da ofendida” [4].

Em outro caso, também ocorrido em São Paulo, a vítima solicitou a concessão de medidas protetivas em face do seu ex-marido que, após o pedido de separação, passou a persegui-la e difamá-la para amigos em comum e para qualquer nova conexão que ela estabelecesse. Além disso, a vítima narrou que as atitudes do ex-marido foram responsáveis pelo fim do noivado que ela havia estabelecido com um novo parceiro e que, por conta da perseguição que sofria, teve que deixar a cidade de São Paulo, tendo ainda passado a apresentar ataques de pânico e medo de ser perseguida ao sair de casa. Ao analisar esse caso, a juíza estabeleceu como medida protetiva de urgência a proibição do agressor de se aproximar da vítima, de frequentar os mesmos lugares da ofendida e ainda de tentar estabelecer contato com ela por qualquer meio [5].

Apesar de tais situações lamentavelmente serem comuns, ainda são raras as decisões reconhecendo a prática de stalking, em razão da ausência de tipificação da conduta como crime. Há, no entanto, duas propostas em tramitação na Câmara dos Deputados, já aprovadas pelo Senado Federal: o Projeto de Lei 1414/19, que propõe a alteração da redação e o aumento da pena da contravenção penal de “importunação à tranquilidade” [6]; e o Projeto de Lei 1369/19, que propõe a tipificação do crime de “perseguição”, que passaria a criminalizar a conduta daquele que perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de ação ou opinião [7] [8]. 

Além do óbice decorrente da lacuna legislativa, outro problema enfrentado pelas vítimas é a dificuldade de coleta e de produção de elementos de prova idôneos, capazes de demonstrar ao juiz que a perseguição (stalking) sofrida pela vítima supera a simples vigilância ou observação de algum aficionado para configurar uma situação real de invasão de privacidade e constrangimentos, aptas a justificar a imposição de medidas restritivas à liberdade do suposto stalker.

Fato é que os avanços tecnológicos e a costumeira exposição da vida pessoal nas redes sociais facilitam a vigilância e retroalimentam o desejo dos stalkers de se manterem observando e em constante contato com o alvo da sua obsessão. A consequência natural, ainda que não seja desejável, é que seja cada vez mais comum nos depararmos com casos como os que foram retratados no presente artigo, circunstância que impõe aos operadores do Direito que se mantenham em constante atualização, a fim de deterem as ferramentas necessárias para julgar e patrocinar causas envolvendo estes novos fenômenos sociais.

 é advogado criminalista, sócio do escritório Reis & Rodrigues — Advocacia Especializada, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e especialista em Ciências Criminais pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL).

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TJ-MG confirma condenação de empresa por verme em caixa de leite

Ficou feio

TJ-MG confirma condenação de laticínio por verme encontrado em caixa de leite

Por considerar que o dano foi suficientemente comprovado, a 13ª Câmara Cível do TJ-MG confirmou a condenação da Usina Laticínios Jussara, dada em primeira instância, por causa de um corpo estranho encontrado por uma mulher em uma caixa de leite produzido pela empresa. A usina terá de pagar à consumidora R$ 15 mil por danos morais.

Fábrica da Laticínios Jussara localizada 

na cidade de Patrocínio Paulista
Divulgação

Alegando ter encontrado algo semelhante a um verme em uma caixa de leite da marca Jussara, a mulher entrou com uma ação por danos morais na comarca de Guaxupé-MG. Ela contou que passou mal após ingerir o produto e que teve de ser atendida em um posto de saúde de sua cidade, já que apresentava vômitos e dor abdominal.

Condenada a pagar a indenização, a empresa recorreu ao TJ-MG com a alegação de que não havia provas da contaminação do leite. Além disso, a empresa argumentou que a entrada de um corpo estranho na embalagem era impossível e que o lote fora aprovado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF/Mapa) para comercialização.

No recurso, a empresa pediu a redução do valor da indenização, caso a condenação fosse mantida, mas não teve sucesso. O relator, desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata, entendeu que o laudo médico comprovou a contaminação e que as fotos anexadas ao processo confirmaram os fatos narrados pela consumidora.

“O mesmo laudo ainda registrou que a ora apelada compareceu ao posto de saúde portando o leite e o elemento nele encontrado”, argumentou o relator, que teve seu voto acompanhado pelos desembargadores José de Carvalho Barbosa e Newton Teixeira Carvalho. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MG.

Acórdão 1.028.712.009.538.800.120.191.463.867

Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2020, 17h26