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André Nicolitt: Sobre a soberania dos veredictos

Em 2017, publicamos um artigo [1] dando conta de que, em 7 de março daquele ano, a 1ª Turma do STF se debruçou sobre o HC 118.770/SP para decidir sobre a liberdade do paciente que se encontrava preso havia nove anos, cinco meses e 21 dias, aproximadamente, sem que a condenação do tribunal do júri tivesse transitado em julgado. O caso poderia simplesmente ter sido resolvido pelo não conhecimento do Habeas Corpus, ao argumento de que se tratava de HC substitutivo de recurso ordinário, reproduzindo-se os precedentes da corte, também criticáveis, que restringem o manejo do instituto do Habeas Corpus nos tribunais superiores.

Todavia, uma preocupação tomou-nos o pensamento naquela altura. O referido julgado do órgão fracionário do STF possuía estrutura e razões que revelavam certa pretensão de tese a ser estabelecida. Vale transcrever a ementa:

“STF – HC 118.770, Rel. ministro Roberto Barroso.

Direito Constitucional e Penal. Habeas corpus. Duplo homicídio, ambos qualificados. Condenação pelo Tribunal do Júri. Soberania dos veredictos. Início do cumprimento da pena. Possibilidade. 1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (artigo 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular. 2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. (…) Tese de julgamento: ‘A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade'”.

Não obstante o resultado das ADCs 43, 44 e 54, a presunção de inocência como princípio de raiz iluminista não tem sossego em tempos de obscurantismo e autoritarismo.

Em fevereiro de 2019, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública apresentou o seu famigerado pacote “anticrime” (PL 882/2019), propondo a execução provisória das decisões condenatórias do júri (artigo 492, I, “e”, CPP).

Em sua justificativa, Sérgio Moro invoca exatamente o julgamento do HC 118.770/SP, cujo acórdão foi redigido pelo ministro Barroso, fundando ainda seu projeto no princípio da soberania dos veredictos:

“Os artigos 421, 492 e 584, na sua nova redação, dizem respeito à prisão nos processos criminais da competência do Tribunal do Júri. A justificativa baseia-se na soberania dos veredictos do Tribunal do Júri e a usual gravidade em concreto dos crimes por ele julgados e que justificam um tratamento diferenciado. Na verdade, está se colocando na lei processual penal o decidido em julgamentos do Supremo Tribunal Federal que, por duas vezes, admitiu a execução imediata do veredicto, tendo em conta que a decisão do Tribunal do Júri é soberana, não podendo o Tribunal de Justiça substituí-la” (STF, HC nº 118.770/SP, Rel. ministro Marco Aurélio, Rel. para o Acórdão ministro Luís Barroso, j. 7/3/2017 e HC nº 140.449/RJ, Relator ministro Marco Aurélio, Relator para o Acórdão ministro Luís Barroso, j. 6/11/2018).

Também em 2019 (setembro) foi distribuído ao ministro Barroso o RE 1235340, tendo sido reconhecida a repercussão geral em outubro de 2019. No julgamento iniciado em maio de 2020, votaram três ministros e houve pedido de vista pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Nessa altura, já se encontra em vigor a nova redação dada ao artigo 492 do CPP em razão do pacote “anticrime”, já desfigurado pelo Congresso, que se converteu na Lei 13.964/2019, transcreve-se:

“Artigo 492  Em seguida, o presidente proferirá sentença que:

I – no caso de condenação:

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas (…)”.

Note-se que o texto aprovado não prevê a execução provisória em qualquer caso, mas apenas nas condenações cuja a pena aplicada seja igual ou superior a 15 anos de reclusão.

Diante desse cenário vem ocorrendo o julgamento do RE 1235340, no qual já há três votos. Os ministros Roberto Barroso (relator) e Dias Toffoli (presidente) esposam a seguinte tese:

1) “A soberania dos veredictos do tribunal do júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.

Diametralmente em sentido oposto, o ministro Gilmar Mendes sustenta a tese:

2) A Constituição Federal, levando em conta a presunção de inocência (artigo 5º, inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado (artigo 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do artigo 312 do CPP, pelo juiz-presidente a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos jurados”. Portanto, é inconstitucional a nova redação determinada pela Lei 13.964/2019 ao artigo 492, I, “e”, do Código de Processo Penal.

Tanto no pacote “anticrime” como no voto do ministro Barroso, o fundamento para a execução provisória da pena decorreria da soberania dos veredictos. Segundo o parecer da PGR nos autos do RE 1235340, não obstante o entendimento fixado pelo STF, a soberania dos veredictos confere às decisões do tribunal do júri um especial e próprio caráter de intangibilidade material, o que permite um tratamento jurisprudencial diferenciado.

Ora, essa linha de interpretação é absolutamente equivocada. Ademais, a nova redação dada ao artigo 492, I, alínea “e” do CPP, sequer pode ser incluída na discussão sobre soberania dos veredictos. Vejamos.

O princípio da soberania dos veredictos está previsto na alínea “c” do inciso XXXVIII do artigo 5º da CRF/88, portanto, sob o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Não há dificuldade alguma em reconhecer em tal princípio a natureza jurídica de direito fundamental [2].

O tribunal do júri é marcado pela plenitude de defesa e pela íntima convicção dos jurados leigos, pelo julgamento do réu por seus iguais e pela soberania da decisão. A soberania refere-se à decisão sobre o fato, até porque a decisão sobre a pena é do juiz-presidente e pode, inclusive, ser reformada pelo tribunal. Assim, a soberania em nada se refere à pena, à prisão cautelar ou ao início da execução..

Por sua vez, a presunção de inocência também está prevista no artigo 5º da CRF/88, no inciso LVII, com a redação de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Além de fixar o ônus da prova para acusação e proclamando o in dubio pro reo, serve como limitação teleológica à aplicação das prisões cautelares vedando a antecipação da pena.

Assim estamos diante de dois direitos fundamentais: presunção de inocência e soberania dos veredictos. São eles fruto do pensamento liberal do século XVIII. Tratava-se de um catálogo de limites que visava à proteção do indivíduo diante do Estado, isto é, um leque de limites ao exercício do poder [3].

Essa noção é essencial para qualquer atividade interpretativa e de aplicação dos direitos fundamentais e, ao que nos parece, foi olvidado no julgamento do HC 118.770 do STF, em dois dos votos até então prolatados no RE 1235340, passando longe do pacto “anticrime”.

A soberania dos veredictos e a presunção de inocência, como direitos fundamentais que protegem o indivíduo, não podem agigantar o Estado em detrimento do homem.

Parece-nos verdadeiro que é inevitável reconhecer a importância da ponderação. Mesmo Ferrajoli, que possui posição crítica ao tema, destaca que há espaços de incidência da ponderação judicial atinentes à interpretação jurídica, espaços estes que se tornam mais amplos quando estamos diante de princípios. Contudo, a crítica que se faz refere-se à excessiva ampliação da ponderação judicial que transforma a ponderação em uma espécie de bolha terminológica, tão dilatada que chega mesmo a esvaziar e tornar inaplicáveis as normas constitucionais [4].

A jurisprudência no Brasil faz uso sem critério algum da teoria de Robert Alexy e transforma a ponderação em um enunciado performático, um álibi teórico, capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos. A ponderação não é colocar dois princípios em uma balança e ver o que pesa mais. Isso está longe de ser a concepção alexyana [5].

Já tivemos oportunidade de assinalar [6] que a dignidade humana é o farol que ilumina a ponderação, ou seja, é o critério para definir o princípio, valor ou interesse prevalente. Ana Paula Barcellos, indicando parâmetros normativos para a ponderação, ensina que a solução deve ser a que “prestigia a dignidade humana”, tendo esta preferência sobre as demais. A centralidade constitucional da pessoa humana, sua dignidade, é a diretriz que indica qual princípio a ser sacrificado no caso concreto e qual deve prevalecer. A dignidade humana é o parâmetro e diante das soluções possíveis que se chocam, deve ser “escolhida” a que fortalece a ideia de dignidade humana [7], e não a que prestigia o direito de punir etc.

A dignidade humana confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. Esse princípio funciona como fonte ética, fazendo da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado [8]. A ideia de unidade de sentido e concordância prática indica claramente sua função de balizar a solução que envolve a colisão entre direitos fundamentais. Aliás, isto está muito evidente na obra “A Nova Interpretação Constitucional” [9], organizada em 2006 pelo então professor, hoje ministro, Luís Roberto Barroso.

Acreditamos que os fundamentos do voto ainda não publicado do ministro Barroso no RE 1235340 não terão contornos muito diversos dos apresentados no HC 118.770, que vê na soberania dos veredictos autorização para antecipar a execução da pena, não sendo a presunção de inocência impeditiva [10].

Ora, a decisão ignora a dignidade como critério de ponderação ou de “escolha” da solução. A soberania dos veredictos, apesar de ser garantia fundamental, é usada em prejuízo do réu. Fazer prevalecer a presunção de inocência restitui a liberdade do paciente, fortalecendo sua dignidade. Ao contrário, a prevalência da soberania dos veredictos implica na execução antecipada da pena, na tutela do interesse do Estado. Na verdade, este último caso não é fazer prevalecer uma garantia em um processo de ponderação, mas, sim, subverter a garantia, aplicá-la onde não é cabível. Direito fundamental usado para se atentar contra a dignidade do acusado.

Já nos antigos manuais de processo penal encontramos solução diversa. Magalhães Noronha já advertia que a soberania dos veredictos não poderia ser óbice ao direito de liberdade do réu [11]. José Frederico Marques ensinava que:

“A soberania dos veredictos não pode ser atingida enquanto preceito para garantir a liberdade do réu. Mas se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentando algum se comete ao texto constitucional. Os veredictos do júri são soberanos enquanto garantem o ius libertatis” [12].

Tourinho Filho é preciso:

“Assim, entre manter a soberania dos veredictos intangível e procurar corrigir um erro em benefício da liberdade, obviamente o direito de liberdade se sobrepõe a todo e qualquer outro, mesmo porque as liberdades públicas, notadamente as que protegem o homem do arbítrio do Estado, constituem uma das razões do processo de organização democrática e constitucional do Estado [13].

Com efeito, não há dúvida de que a execução provisória da pena decorrente da condenação do júri é inconstitucional.

Contudo, no que tange à peculiaridade do artigo 492 do CPP, que prevê a execução relativamente às condenações igual ou superior a 15 anos, nem mesmo o equivocado argumento da soberania dos veredictos está em seu socorro, pois a decisão sobre os fatos é que está coberta pela soberania dos veredictos. No júri, a pena é aplicada pelo juiz presidente, cuja decisão não é soberana e está sujeita ao controle pelo segundo grau. A quantidade da pena aplicada não pode fundamentar a antecipação da execução, pois sequer possui o alegado amparo da soberania dos veredictos.

Sintetizando, a tese de que a decisão do júri pode ser executada provisoriamente, independentemente da pena aplicada, tem em seu socorro a aplicação equivocada do direito fundamental à soberania dos veredictos. Já a execução provisória da pena igual ou superior a 15 anos (artigo 492) imposta pelo tribunal do júri não se socorre, sequer, do emprego equivocado da soberania dos veredictos.

Com efeito, a execução provisória da pena decorrente de condenação do júri viola a presunção de inocência, princípio prevalente na hipótese examinada. Ademais, assiste razão a proposta de declaração de inconstitucionalidade da alínea “e” do inciso I do artigo 492 do CPP, na linha do que já ficou decidido nas ADCs 43, 44 e 54 do STF.

Oxalá o STF reafirme o compromisso com a tutela dos direitos fundamentais, explicitando, mais uma vez, a correta dimensão da presunção de inocência como princípio basilar do Estado democrático de Direito.

 


[1] NICOLITT, André. Habeas Corpus 118.770 do STF: Direitos fundamentais contra direitos fundamentais. Mais uma violência à presunção de inocência. Revista dos Tribunais | vol. 983/2017 | p. 155 – 175 | Set / 2017.

[2] MÉDICE, Sergio de Oliveira. Revisão Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 200.

[5] STRECK, Lenio. Neoconstitucionalismo, positivismo e pós-positivismo. . In: FERRAJOLI, Luigi et al (org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo. Um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 60-64.

[7] BARCELLOS, Ana Paul de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional. Renovar, 2006, p. 108-113.

[8] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2000. t. IV, p. 180-181.

[13] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2, p. 369.

 é juiz de Direito titular do Juizado Especial Criminal de São Gonçalo (RJ), doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professor do PPGD – Faculdade Guanambi (BA), professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e membro do Instituto Carioca de Criminologia (ICC).

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Defensoria de Goiás garante que jovem homossexual possa doar sangue

Defensoria de Goiás garantiu a jovem homossexual o direito de doar sangue 
Reprodução

A Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) garantiu a um jovem homossexual de 19 anos o direito à doação de sangue. A decisão se deu a partir da ação do Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH).

A resposta positiva se deu sem sequer a necessidade de ajuizamento de ação. Por meio de um ofício encaminhado à diretoria geral da unidade de saúde, situada em Goiânia, a DPE-GO apontou que o impedimento, supostamente provocado por “inaptidão temporária” ocasionada por “relação sexual com pessoa do mesmo sexo”, passou a ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 11/5. Com isso, o hospital informou que passará a adotar tal entendimento.

O caso ocorreu em 18/5 no Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), quando um homem compareceu à unidade de coleta e transfusão de sangue do local. Durante a triagem, o rapaz respondeu de forma positiva quando questionado sobre a prática de relações sexuais com homens. Após isso, segundo conta, ele foi informado de que não poderia realizar o procedimento.

A negativa foi recebida com surpresa. Doador de sangue voluntário desde os 16 anos, o rapaz diz que imaginava que não teria problemas em concretizar o ato voluntário, pois já estava ciente da decisão recente do STF. “Eu argumentei sobre a decisão do Supremo, mas a atendente disse que eles ainda não haviam recebido nenhuma informação sobre isso”, diz ele. “Eu fiquei muito triste. A doação de sangue é uma causa nobre”, acrescenta.

A Defensoria Pública, que foi acionada pelo rapaz, emitiu ofício solicitando que a decisão que declarou a inaptidão do doador fosse reconsiderada. No ofício, o defensor público Philipe Arapian, coordenador do NUDH, comunicou à direção geral do Hugol sobre a decisão. Nela, o STF declarou, por maioria, que são inconstitucionais as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde que impediam que homens homossexuais doassem sangue, com aspectos considerados discriminatórios e ofensivos à dignidade humana pela imposição de tratamento não igualitário injustificável.

Em resposta ao ofício, a diretoria técnica do Hugol comunicou que a unidade de coleta e transfusão do hospital passará a adotar o novo entendimento e que o voluntário poderá realizar a doação assim que tiver interesse. Com informações da assessoria de imprensa da DPE-GO. A identidade do doador foi preservada, a pedido dele.

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Encerrar instrução sem ouvir corréus viola direito de defesa

Encerrar a fase de instrução, abrindo o prazo para as alegações finais sem que todos os corréus envolvidos no processo sejam ouvidos, viola o pleno exercício da defesa. 

Ministro afirmou que corréus devem ser ouvidos para que processo tenha prosseguimento
STJ

O entendimento é do ministro Nefi Cordeiro, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao encerrar ação penal que apura um suposto esquema de venda de sentenças em Mato Grosso até que todos os corréus sejam ouvidos. A decisão foi proferida em 12 de junho e publicada nesta terça-feira (16/6). 

O ministro apreciou os argumentos da defesa do advogado Rodrigo Vieira Komochena, que é investigado junto com outras 34 pessoas. A defesa de Komochena é feita por Pierpaolo Cruz Bottini e Marcio Martagão Gesteira Palma, do escritório Bottini e Tamasauskas Advogados. 

A defesa apontou que não foram juntadas aos autos as oitivas do pecuarista Loris Dilda e do advogado Max Weyzer de Mendonça. A ausência dos interrogatórios impossibilitaria o encerramento da instrução.

De acordo com os autos, foram expedidas cartas precatórias para que os dois corréus fossem ouvidos. A abertura do prazo para requerimento de diligências, entretanto, foi feita antes que os depoimentos viessem aos autos. 

“É evidente a ausência de razoabilidade e amparo legal do entendimento de que se poderia encerrar a instrução de ação penal antes da realização, ainda que por carta precatória, do interrogatório de corréus”, afirma a defesa de Komochena em Habeas Corpus ajuizado no STJ. Para eles, a falta de interrogatórios justifica a suspensão do prazo previsto no artigo 402 do Código de Processo Penal. 

Nefi acolheu o argumento. “Esta é a situação presente, onde respondem os corréus pelos mesmos fatos imputados ao paciente [Komochena], o que evidencia a relevância recíproca de suas manifestações, e a necessidade de conhecimento dos interrogatórios para o pleno exercício da defesa de todos”, afirma.

Nefi também disse vislumbrar “constrangimento ilegal que justifica a superação da Súmula 691/STF, para determinar a suspensão da ação penal originária até a efetiva devolução e juntada das cartas precatórios com a oitiva dos corréus”. 

A súmula citada pelo ministro prevê a não admissão de HC impetrado contra decisão do relator, que em HC requerido a tribunal superior, indefere a liminar. 

O caso

Os réus foram denunciados pelo Ministério Público Federal em 2010, no curso da chamada “operação asafe”, que apontou a existência de um suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça e no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso. 

Ao todo, foram denunciadas 37 pessoas. As acusações envolvem advogados, juízes, desembargadores, servidores e lobistas. As investigações começaram três anos antes, quando a Polícia Federal em Goiás apontou possível exploração de prestígio em MT. 

O inquérito judicial que apura o caso foi aberto pela ministra Nancy Andrighi, do STJ, levando em conta o fato de que alguns acusados possuem foro privilegiado. 

O julgamento acabou desmembrado, sendo mantido no STJ quantos aos réus com foro. Os demais passaram a ser julgados na primeira instância de MT. O processo tramita na Vara Especializada Contra o Crime Organizado, Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica, Administração Pública e Lavagem de Dinheiro da Comarca de Cuiabá. 

Em novembro de 2017, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, chegou a suspender desdobramentos da operação, concedendo liminar em HC a Komochena. 

Na ocasião, o ministro identificou problemas nas interceptações telefônicas da investigação. Para ele, os grampos, sucessivamente prorrogados, não foram devidamente justificados.

A 1ª Turma do STF, no entanto, derrubou a decisão. Em 2019 o caso voltou a tramitar em primeira instância.

Clique aqui para ler a decisão

HC 580.685

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Paulo Queiroz: Manifesto contra o presidencialismo

O presidencialismo é uma loteria, uma aposta arriscada, com grande probabilidade de não dar certo, como nos mostra a história recente.

Com efeito, além de produzirmos em geral políticos medíocres, trata-se de uma aposta num único sujeito: o presidente. E grande é a chance de decepção. Quando eleito um presidente corrupto ou incompetente, a sociedade sangra por quatro anos, quando uma nova aposta tão arriscada quanto a anterior é feita. Ou tem início o desgastante processo de impedimento. O fracasso histórico dos presidentes é o fracasso do presidencialismo.

Além disso, é uma forma de governo que estimula o culto da personalidade e do populismo e a concentração de poder. Como escreve Ferrajoli, o método majoritário e o sistema presidencial favorecem inevitavelmente a autolegitimação da parte vencedora como expressão da soberania popular e seus infalíveis corolários populistas: a deslegitimação dos partidos, a ideia de que o consenso popular legitime qualquer abuso, a personificação do líder [1].

Também por isso, o presidencialismo é uma ameaça permanente à democracia, já que o presidente é o comandante supremo das Forças Armadas e há sempre a tentação de apelar-se à força quando lhe falta a capacidade de diálogo e o poder de impor uma determinada agenda política. De certo modo, o presidencialismo é um tipo de concessão que a democracia faz à tirania.

Também o parlamentarismo é uma aposta, mas uma aposta menos arriscada, pois elegemos muitos possíveis chefes (primeiro-ministro). Quando o eleito não dá certo, pode o Parlamento fazer uma nova eleição sem traumas. Tem ainda a vantagem de permitir uma filtragem das más escolhas populares.

Além disso, no parlamentarismo o primeiro-ministro nasce com maioria no Congresso e, pois, em boas condições de aprovar seus projetos. Já no presidencialismo o presidente é um estrangeiro, porque não integra o Parlamento e tem de fazer mil concessões para formar base parlamentar.

E, como nas democracias tudo tem de passar pelo Parlamento, e é impossível governar sem ele, também por isso o parlamentarismo que não é um sistema perfeito é preferível ao presidencialismo.

Evidentemente, a adoção do parlamentarismo não basta. Outras tantas reformas são importantes, como a abolição do voto obrigatório, a reforma dos partidos políticos, a redução do número de deputados, a extinção do Senado etc.

 

[1] Luigi Ferrajoli. Principia iuris, v. 2. Trotta: Madrid, 2011, p.172/173.

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Barbosa e Caminada: Efeitos da Covid na guarda compartilhada

Em meio à pandemia da Covid-19, não é exagero afirmar que toda a sociedade vem suportando prejuízos, sejam estes físicos, psicológicos, econômicos ou sociais. Com o intuito de conter a disseminação da doença e, assim, mitigar os danos, as autoridades de saúde pública recomendam o isolamento domiciliar, evitando-se, ao máximo, os deslocamentos. 

Nesse cenário, exsurgem preocupações relevantes que perpassam o Direito de família, sobretudo no que tange aos pais que exercem a guarda compartilhada ou a guarda unilateral, com a regulamentação de visitas, sejam estes regimes definidos em decorrência de decisão judicial ou em decorrência de acordo entre os genitores. 

Desde 2014, em virtude da Lei nº 13.058, a guarda compartilhada passou a ser a regra para os casos de separação conjugal. Isso em razão do entendimento disseminado de que ambos os genitores desempenham papel fundamental na educação dos filhos. Desse modo, os pais exercem, em conjunto, o poder familiar, de forma que o tempo de convívio com os menores deve ser dividido de forma equilibrada. 

Sendo assim, a guarda compartilhada, pouco a pouco, tem se tornado o acordo de convivência mais comum adotado entre os genitores, após a extinção do vínculo conjugal. Com efeito, é próprio desse regime de guarda a locomoção frequente do menor: da residência do pai para a escola, para a residência da mãe, além das demais atividades. 

É exatamente nesse contexto que se coloca o principal questionamento dos pais que se encaixam nesta situação: como devem ser estabelecidos os períodos de convivência com os filhos? É preciso examinar as particularidades de cada situação caso a caso. 

Antes de proceder à eventual adequação dos períodos de convivência com os menores, é preciso ponderar os interesses de todos os membros da família, bem como de toda a coletividade. A título de exemplo, importante que seja observado se o menor convive com avós, avôs ou outros idosos, uma vez que estes são mais vulneráveis à doença, em caso de contágio. 

Importante analisar também se os genitores se encontram isolados; ou se o pai ou a mãe ainda está desempenhando suas atividades cotidianas em convívio social; ou, ainda, se algum dos genitores trabalha na área da saúde e atua no enfrentamento do novo coronavírus. Nessas situações, aumenta-se o risco de contágio dos filhos e, por consequência, das demais pessoas, o que deve repercutir no sistema de convivência adotado pelos interessados. 

Importa ressaltar que a ponderação das situações que cercam as crianças deve ser norteada pelo melhor interesse dos menores. Desse modo, os pais devem deixar de lado eventuais divergências pessoais e buscar, juntos, a proteção integral do filho — preservando, conforme possível, a convivência e o compartilhamento do poder familiar com ambos os genitores. 

De fato, em cenários conturbados como o presente, a melhor solução é o acordo amigável entre os pais, os quais precisam ponderar as variáveis envolvidas tendo em vista, acima de tudo, o interesse de seus filhos. Destaca-se que esse acordo pode ser homologado pelo Poder Judiciário, para que ambas as partes obtenham mais segurança jurídica. 

No entanto, caso um acordo não seja possível, é possível o ajuizamento de ação judicial para que seja estabelecido regime temporário de convivência condizente com o contexto excepcional de combate ao novo coronavírus. 

Por fim, cumpre rememorar que, caso se entenda pela necessidade de distanciamento de um dos pais, a distância física não precisa significar distância afetiva. Diante dessas circunstâncias, os genitores devem se fazer presentes na vida dos seus filhos durante esse período com o uso frequente dos meios de comunicação. 

Agora, mais do que nunca, o bom senso e a razoabilidade devem guiar as decisões de ambos os genitores, visando ao melhor interesse da criança, em consonância com o interesse da coletividade. 

Cláudio Barbosa é sócio do escritório Malta Advogados, pós-graduando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB-CNPq).

 é colaboradora do escritório Malta Advogados e graduanda em Direito pela Universidade de Brasília.

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Miola e Melo: Impactos da Covid-19 na educação básica pública

O momento atual exige todos os esforços para conter a crise sanitária, econômica e social que se instalou no país com a pandemia da Covid-19. Entre suas inúmeras consequências, é necessário discutir e refletir sobre os impactos da pandemia no financiamento da educação básica pública que, assim como a saúde, é um direito fundamental de especial envergadura no nosso ordenamento jurídico.

A Constituição da República prevê, basicamente, três pilares que sustentam o financiamento da educação básica pública no Brasil.

Primeiro, temos a vinculação da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, de, no mínimo, 25% para Estados, municípios e Distrito Federal e 18% para a União à manutenção e desenvolvimento do ensino (artigo 212). É tamanha a importância desse direito que a vinculação para a finalidade prevista no artigo 212 é uma exceção ao princípio da não afetação da receita de impostos previsto no artigo 167, IV, da CR/88.

Segundo, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), previsto no artigo 60 do ADCT como um fundo de natureza contábil e composto por parte dos recursos que os Estados, o Distrito Federal e os municípios devem destinar à educação a que se refere o artigo 212.

Por último, a contribuição social do salário-educação recolhida pelas empresas, na forma da lei, prevista no artigo 212, § 5º, como fonte adicional de financiamento da educação.

Todos os entes federativos são responsáveis pelo financiamento do ensino, mas cada qual atua em etapas definidas expressamente no texto constitucional: aos municípios compete atuar, prioritariamente, na educação infantil e no ensino fundamental (artigo 211, § 2º); aos Estados e ao Distrito Federal, nos ensinos fundamental e médio, prioritariamente (artigo 211, § 3º). Já à União compete organizar o sistema federal de ensino e financiar as instituições de ensino públicas federais (artigo 211, § 1º). Além disso, sendo o ente com a maior arrecadação da federação, a União exerce também, em matéria educacional, “função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios” (artigo 211, § 1º).

Dito isso, todas essas receitas somadas representaram, no ano de 2018, R$ 252 bilhões e serviram para financiar, aproximadamente, 142 mil escolas públicas de educação básica, 40 milhões de alunos e dois milhões de professores [1].

Apesar desse arranjo constitucional protetivo do direito à educação básica pública, de um modo geral pode-se dizer que os recursos já eram insuficientes para garantir uma educação de qualidade antes da pandemia da Covid-19. Dois dados básicos corroboram essa conclusão: o piso salarial dos profissionais do magistério da educação básica é de cerca de R$ 2,8 mil [2], ao passo que o Estado brasileiro gasta R$ 519 em média por mês com o aluno da escola pública da educação básica [3]. Um estudo divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Education at a glance) revelou que o Brasil investe por aluno três vezes menos que os países desenvolvidos que fazem parte da organização.

Dos três pilares de financiamento antes mencionados, o Fundeb é o principal mecanismo, correspondendo à maior parte dos recursos públicos destinados à educação em milhares de municípios que não possuem receita própria expressiva.

Por força da Constituição da República, a União complementará os recursos dos fundos sempre que, no DF e em cada Estado, o valor médio ponderado por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente (artigo 60, V, ADCT). Essa complementação será de, no mínimo, 10% do total dos recursos estaduais/distritais/municipais, a partir do quarto ano de vigência do fundo (artigo 60, VII, “d”, ADCT). No ano de 2018, a receita vinculada ao Fundeb de Estados e municípios representou R$ 138,8 bilhões, ao passo que a complementação da União ao fundo foi de R$ 13,8 bilhões, o que totalizou R$ 152,6 bilhões.

Uma auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no Fundeb (TC 018.856/2019-5) indicou que quatro fontes de receitas juntas representaram 93% do total dos seus recursos, com expressivo destaque para o ICMS, seguido pelos Fundos de Participação dos Estados e dos municípios (FPM e FPE) e pela complementação da União, nessa ordem.

Naturalmente, ou tragicamente, por força da retração da atividade econômica causada pela pandemia, já está havendo e haverá perda de arrecadação de tributos de toda ordem, o que refletirá na formação dos fundos estaduais e demais fontes de financiamento da educação.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação emitiram recentemente uma nota técnica sobre a queda das receitas da educação no contexto da pandemia Covid-19 e seus efeitos danosos na manutenção e desenvolvimento do ensino [4].

Os pesquisadores coletaram informações em bases de dados governamentais para estimar os cenários de decréscimos nas receitas de impostos e do salário-educação dos governos estaduais e municipais e seus impactos na área da educação. Foram estimados três cenários; no mais otimista, a educação perderia R$ 17,2 bilhões; no intermediário, perderia R$ 34,8 bilhões e, no mais pessimista, R$ 52,4 bilhões.

Em termos de recursos por aluno/mês, foram realizadas as seguintes projeções: de R$ 519 (valor referência em 2018), que já é considerado um patamar de partida muito baixo, estima-se que o valor caia para R$ 483, R$ 447 ou R$ 411, a depender da gravidade do cenário. Segundo a referida nota, a ameaça é imediata em 2020, mas com grandes chances de se estender para os próximos anos.

Outro estudo, intitulado “Covid-19 Impacto Fiscal na Educação Básica”, elaborado pelo movimento Todos pela Educação e o Instituto Unibanco, utilizando a base de dados do Tesouro Nacional, informações consolidadas das receitas tributárias de abril e maio, além de estimativas de especialistas para realizar uma projeção dos tributos vinculados a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) em 2020, estimou que “o conjunto das redes estaduais devem perder entre R$ 9 bilhões e R$ 28 bilhões em tributos vinculados à MDE, a depender do cenário de crise econômica” [5].

Ainda, o mencionado estudo estimou que as redes públicas terão custo adicional de pelo menos R$ 2 bilhões para 2020 com soluções para o enfrentamento das consequências da pandemia, sobretudo gastos com a implementação do ensino remoto e com o oferecimento de alimentação aos alunos durante a suspensão das aulas presenciais.

Será um impacto enorme para o financiamento da educação básica pública, principalmente se pensarmos que grande parte dos recursos do Fundeb são utilizados no pagamento dos profissionais do magistério da educação básica. A Lei nº 11.494/2007 determina que, no mínimo, 60% dos recursos do fundo devem ser utilizados no pagamento de profissionais da educação e há notícias de que, em várias situações, os montantes do Fundeb são integralmente absorvidos pela folha de pagamento da educação. Mesmo nos entes em que isso não acontecia, quedas na receita tendem a direcionar valores que poderiam ser investidos no incremento da qualidade da aprendizagem para cobrir gastos com pessoal

Temos que lembrar, ainda, que o Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014), que é decenal, está completando seis anos neste mês de junho e os efeitos econômicos da pandemia vão gerar um impacto significativo no atingimento das metas estipuladas, como, por exemplo, na ampliação da oferta da educação infantil.

Por outro lado, enquanto a arrecadação de tributos diminui, afetando as receitas vinculadas para a manutenção e desenvolvimento do ensino, o cenário descortina demandas e gastos extras na área da educação. Como exemplo, é possível antever um aumento no número de matrículas, nas redes públicas, de alunos egressos das escolas particulares cujos pais perderam a condição financeira de arcar com as mensalidades. Além disso, já se pensando no retorno às atividades presenciais, haverá também aumento de despesas com a segurança sanitária nas escolas.

No momento em que foi declarada a ocorrência do estado de calamidade pública no Brasil em decorrência da Covid-19 (Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020), estava em adiantada tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 015/2015, que trata da renovação do Fundeb em caráter permanente, de novas medidas de equidade e da expansão do financiamento da educação básica por meio da elevação da complementação dos recursos Fundeb por parte da União.

A baixa participação da União no financiamento da educação básica sempre foi alvo de críticas, e o quantum de sua complementação ao Fundeb estava finalmente em discussão, não sem uma “queda de braço” entre o Ministério da Educação e o Congresso Nacional com relação ao novo percentual. No relatório apresentado pela deputada Dorinha Seabra Rezende, relatora da PEC, a complementação federal havia sido fixada em 20% do total dos recursos.

Agora, é necessário que o novo Fundeb seja pensado, discutido e votado no paradigma da pandemia e no pós-pandemia, de modo que a complementação da União possa recompor, se não totalmente, ao menos parcialmente as perdas de receitas sofridas por Estados e municípios, porque todos terão perdas expressivas. Para esse propósito, é importante lembrar que a complementação da União ao Fundeb não está limitada pelo novo regime fiscal criado pela Emenda Constitucional nº 95/2016 (teto de gastos), pois foi excluída expressamente pelo artigo 107, § 6º, inciso I, do ADCT.

A situação é grave, e exige uma atuação afirmativa por parte dos entes federativos, a fim de se viabilizar o direito à educação para mais de 40 milhões de crianças e jovens brasileiros. Nesse contexto, a aprovação do Fundeb, com o incremento da complementação da União, é indispensável para recompor as vultosas perdas na educação pública brasileira. A pandemia da Covid-19 trouxe impactos inestimáveis para a economia e já vitima mais de mil pessoas por dia no país. Não se pode permitir que o futuro das nossas crianças e jovens seja mais uma dessas trágicas consequências.

 é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa.

 é procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais e mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Assis e Silva: Sobre revogação, rescisão e distrato

O Código Civil Brasileiro começa a estabelecer as condições gerais de contratação a partir do artigo 104 — ao ditar as normas de validade dos negócios jurídicos [1], passando pela disciplina das obrigações ou a disciplina da Teoria Geral das Obrigações.

O código avança no sentido de estabelecer quais são as premissas da contratação, desde o agente capaz, da forma prescrita não defesa em lei, solenidade, se a escritura pública deve ser escritura pública, se o ato solene deve ser ato solene, se necessita de representação, representação, se necessita de assistência, assistência, o que pode ser contratado e o que não pode ser contratado.

Todas essas questões são muito claramente disciplinadas desde o artigo 104 do Código Civil até quando trata dos contratos em espécies, estabelecendo todas as formas de obrigação, contratos de adesão, contratos sinalagmáticos, enfim, reforçando que a contratação segue um rito, uma capacidade e uma forma [2].

Quando o código vai falar em revogação do contrato, ele começa uma simples questão trazida no artigo 472 [3], que “o distrato faz-se pela mesma forma exigida pelo contrato”, ou seja, a revogação, ou rescisão, embora fala apena de distrato, o distrato prevê, a princípio, apenas um acordo de vontades. Quando fala em distrato, ele fala que o desfazimento de um negócio jurídico por vontade de ambas partes deve seguir os mesmos ritos de formalidade, capacidade e legalidade da sua formação.

E quando o Código Civil estabelece as condições de desfazimento unilateral do contrato, ou resilição ou rescisão unilateral, também estabelece condições que seguem a mesma forma na formação do contrato. Ou seja, para desfazer um contrato, seja por vontade bilateral (distrato), seja por vontade unilateral (a resolução, a rescisão ou a revogação), também a lei exige o cumprimento das formalidades tal qual ou mais quando da formação do Contrato [4].

Esse é o ponto que deve ser verificado. O que isso nos leva a dizer em relação aos acordos, ou contratos de colaboração premiada, segue também algumas características. Os acordos de colaboração premiada são bilaterais, sinalagmáticos, mais há um misto de cláusulas de adesão, uma vez que uma das partes, o Ministério Público, exerce uma posição dominante ou monopolista [5].

Nesse caso, qualquer cláusula de adesão conforme o artigo 423 [6] deverá ser interpretada de forma favorável ao aderente, no caso, ao colaborador porque, embora seja um contrato bilateral, sinalagmático, há cláusulas de adesão. Estas seguem a interpretação mais favorável ao aderente. Este artigo quer trazer a atenção sobre uns pontos: primeiro, a formação do contrato deve seguir o que está claro para a legislação de Direito Civil Brasileiro e na Constituição Federal, preservação de garantias individuais, não eliminação dos direitos fundamentais, não eliminação de cláusulas pétreas, não violação de direitos e garantias fundamentais e de direitos humanos [7].

A rescisão, a resolução e a revogação de contratos de colaboração premiada devem seguir o mesmo ritual da formação. Da mesma forma que se exigiu o agente capaz para a formação do contrato, deve-se exigir o agente capaz para o desfazimento. Então, não pode a rescisão de um contrato de colaboração seguir um rito diferente do da sua formação. E as cláusulas de adesão devem ser interpretadas sempre a favor e em benefício do aderente.

Pois bem, a Lei 12.850, que deu ao Ministério Público Federal autorização para formar contratos de colaboração, estabeleceu uma margem estrita de negociação que como dito transforma o contrato em contratos mistos, bilaterais e sinalagmáticos, tendo em seu conteúdo, também, cláusulas de adesão.

Seguindo esta linha de desenvolvimento, o Artigo 4º, parágrafo 8º, da Lei 12.850 estabelece que após a formação do contrato, ou seja, após as partes discutirem e cumprirem com os requisitos exigidos para sua formação, será o mesmo remetido ao juiz, para verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, e, assim, poderá “recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto”[8].

A formação do contrato de colaboração se insere no sistema jurídico com a homologação do juiz competente para isso. A Lei 12.850 estabelece as condições de um contrato de colaboração premiada, mas não o desvincula da Constituição Federal, nem do Código Civil, nem de princípios constitucionais e de direitos humanos, data a sua natureza de contrato [9].

Estabelece as condições, as obrigações, estabelece algumas cláusulas de adesão também. O artigo 4o, parágrafo 8o, encerra a fase final da formação do contrato, que é a homologação.

Esse parágrafo 8o diz que o juiz poderá recusar a homologação de uma proposta que não atender aos requisitos legais. Ou seja, não se insere no objeto da contratação, que evidentemente deve ser lícito, e negociado no respeito da autonomia privada, em que pese um certo monopólio, então o juiz poderá recusar a homologação e a proposta que não atender aos requisitos legais ou adequá-la ao caso concreto.

Então, a formação do contrato exige tudo aquilo que o Código Civil exige, tudo o que a Lei 12.850 exige, tudo o que a Constituição exige e os princípios gerais de Direito e direitos humanos, e insere algumas cláusulas de adesão.

Portanto, e este é o nosso ponto, se para formação devemos seguir um rito, para rescisão tem que seguir desta mesma forma, sendo que para as cláusulas de adesão prevalece aquilo que foi favorável ao colaborador [10].

Em se tratando de rescisão, o que diz a lei? Nada. Mas o Código Civil diz que a rescisão segue a contratação, ou seja a formação do contrato e a deformação do contrato deve seguir o ritmo da formação, justamente porque não existe uma lei especial que estabelece o ritual de desfazimento do acordo de colaboração premiada, após formado. Porque antes da formação do contrato a parte pode retratar, porém após isso as partes estão jungidas, vinculadas e em caso de colaboração não se podem desprender por vontade unilateral e com rito diferente [11].

Eis o ponto: quando se requerer a rescisão de um contrato, o juiz para homologar ou não homologar a rescisão deve seguir o mesmo rito da formação, e qual é o rito da formação? O rito da formação está representado nas regras positivas e princípios já mencionados, e deverá homologar ou não, conforme os critérios de regularidade, legalidade, e voluntariedade, e interesse público, ou seja, em eventual pedido de rescisão caberá ao juiz que a tenha homologado, apenas para “homologar ou não homologar” [12].

Logo, o juiz não julga o pedido de rescisão. Ele homologa ou não homologa e para homologar ou não homologar ele tem que seguir esse rito. É, repetindo pela clareza ao leitor, o rito da legalidade, regularidade, voluntariedade da Lei 12.850, e ainda mais o ritual normativo da capacidade das partes, do implemento da formação, da irrevocabilidade, do atendimento ao interesse público, da possibilidade fática e real de rescindir ou não, e da interpretação das cláusulas aderentes em favor do colaborador.

E não pode o pedido de rescisão ser apreciado por outro juiz senão aquele que o homologou [13].

No caso de juiz em primeira instancia, compete ao juiz que homologou; no caso de tribunais, compete ao relator que homologou, e não à turma, porque se for assim, já estaremos tratando da rescisão em desobediência ao que diz o Código Civil, eis que não estará tratando da mesma forma de sua formação.

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, não está isento de seguir o mesmo rito, e tem a missão de garantir o exercício de direitos fundamentais na formação do contrato e, portanto, não pode suprimir no eventual desfazimento do contrato. E, por fim, uma das garantias fundamentais, que é o duplo grau de jurisdição, jamais poderá ser suplantada em qualquer decisão por aqueles que não tenham foro por prerrogativa de função, portanto um acordo de colaboração homologado por um ministro do Supremo Tribunal Federal não pode ter um pedido de rescisão, homologado ou não homologado, como dito, pelo plenário dessa corte. Se isso ocorrer, a corte estará desobedecendo o Código Civil e a Constituição Federal tirando, daquele que aderiu, o duplo grau de jurisdição [14].

 


[1] O artigo 104 CC dispõe: “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”.

[3] Veja-se o artigo 472 CC que dispõe: “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.

[4] Veja-se, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 13. Ed. V. 3. São Paulo, Saraiva, 2016.

[8]  Veja-se os parágrafos 7o e 8o do Artigo 4o da Lei 12.850 de 2013:  “§ 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor” e “§8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto”.

[13] Veja-se, LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 11. Ed. São Paulo, Saraiva, 2016, sobre o principio do Juiz Natural como Direito e Garantia Constitucional.

Francisco de Assis e Silva é advogado empresarial, mestre em Direito e Filosofia e doutorando em Direito.

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Toron: O HC substitutivo de Recurso Ordinário e a 3ª Seção do STJ

Uma questão instrumental sacudiu o julgamento do HC nº 535.063 realizado pela 3ª Seção do STJ na sessão desta quarta-feira (10/6). O ministro Sebastião Reis Jr. trouxe um tema da maior importância: saber se o conceito de insignificância aplicável pela jurisprudência aos tributos federais sonegados também o pode no caso dos impostos estaduais. O assunto foi ventilado pelo conceituado advogado Leonardo Massud e, de saída, o presidente da seção, ministro Nefi Cordeiro, adiantou que, ressalvada a posição do ministro Rogério Schietti, o colegiado estava a conceder a ordem. O advogado, inteligentemente, desistiu da sustentação oral.

Ocorre que o ministro Reynaldo Soares da Fonseca levantou uma questão de ordem sustentando que o Habeas Corpus não deveria ser conhecido porque se tratava de impetração substitutiva do recurso ordinário, mas “concedido de ofício”. Houve um acendrado debate, apesar da advertência de vários ministros de que o quórum não estava completo para se decidir a questão de ordem. O ministro Rogério Schietti, como noticiou a ConJur (“3ª Seção do STJ acolhe questão de ordem para negar jurisprudência sobre HC”), ponderou (corretamente, diga-se) que o não-conhecimento “cria um embaraço até para fins estatísticos. Temos dificuldade de identificar quando houve a denegação ou o efetivo não-conhecimento, além das hipóteses de manifesto descabimento”.

Deixemos de lado o problema estatístico, que é real e importante, e também o igualmente relevante fato, sobretudo para uma corte que se pretende “de precedentes”, de que o Pleno do STF, ao julgar o HC 152.752, relatado pelo ministro Edson Fachin, firmou o entendimento de que “é admissível, no âmbito desta Suprema Corte impetração originária substitutiva de recurso ordinário constitucional” (DJe 27/6/2018). Esqueçamos também a estranheza de se conceder uma ordem de ofício, mas nos termos em que pedida.

Poderia ser que os defensores do não-conhecimento da ordem substitutiva do recurso ordinário tivessem algum argumento de natureza dogmática, científica, a alicerçar seu posicionamento. Mas não! O que se ouviu é que a 1ª Turma do STF, embora majoritariamente, continuava a “não conhecer” e que, na 2ª, talvez a ministra Carmen Lúcia tivesse o mesmo posicionamento. Decepcionante. Argumento de autoridade por autoridade, melhor seria seguir a orientação definida pelo Pleno do STF no citado HC nº 152.752 (caso Lula). Quanto à ministra Carmen Lúcia, é bom dizer que no julgamento do HC nº 157.627, do famigerado caso da cronologia da entrega dos memoriais, que a 5ª Turma do STJ não havia conhecido, ela conheceu e concedeu a ordem.

Mas o ponto é outro! A gênese da confusão está em querer ressuscitar pela via exegética uma proibição que não existe na Constituição de 1988. Foi com o AI-6, de 1º de fevereiro de 1969, que se mudou o processamento do Habeas Corpus. Das decisões denegatórias proferidas pelos Tribunais de Justiça dos Estados e pelo Tribunal Federal de Recursos (lembremo-nos que os Regionais Federais só vieram com a Constituição Federal de 1988) era perfeitamente possível impetrar-se Habeas Corpus originário substitutivo do RHC. A jurisprudência o admitia desde 1951, como percucientemente anotou o ministro Moreira Alves no voto que proferiu no RHC nº 67.788 (STF, Pleno, DJ 22/2/1991).

Como todos sabemos, o regramento constitucional em vigor, estabelecido pela Constituição de 1988, não reproduziu a proibição constante do AI-6 e por essa razão passou-se a admitir o manejo do Habeas substitutivo do RHC. Elucidativo a esse respeito o acórdão relado pelo ministro Costa Lima: “A Constituição em vigor não opõe restrições à impetração originária de habeas corpus, visando a substituir o recurso ordinário” [1]. No STF, a jurisprudência construída pelo pleno, em julgamento realizado em 1º de agosto de 1990, relatado pelo ministro Moreira Alves, foi clara nesse sentido:

Ora, se a atual Constituição se omitiu quanto a essa proibição, quer quanto ao S.T.F. quer quanto ao S.T.J., nos casos em que admite recurso ordinário de Habeas Corpus para eles, o sentido normal dessa omissão é o de ter deixado de haver a proibição, que tanto não era infensa ao sistema processual do Habeas Corpus que o Supremo Tribunal Federal, de 1951 a 1969, admitiu pacificamente essa substituição (RHC nº 67.788)”.

Todavia, no julgamento do HC nº 109.956, em 2011, da relatoria do ministro Marco Aurélio em razão da “sobrecarga de processos”, uma questão funcional, revigorou-se a proibição pela via interpretativa. O próprio ministro Marco Aurélio voltou atrás no julgamento do HC nº 115.601, mas os demais membros da turma, não.

A 2ª Turma do STF não acompanhou o movimento restritivo da 1ª Turma. Em sentido oposto: “Possui entendimento consolidado no sentido da possibilidade de impetração de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário (HC 122.268, relator ministro Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe de 4/8/2015; HC 112.836, relatora ministra Carmen Lúcia, 2ª Turma, DJe de 15/8/2013; HC 116.437, relator ministro Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJe 19/6/2013)” [2]. No julgamento do HC nº 106.566, o ministro Gilmar Mendes trouxe à colação o voto proferido no HC 111.670, no qual sustentou o cabimento do Habeas Corpus substitutivo do recurso ordinário. Nesse julgamento, o ministro Gilmar Mendes trouxe um argumento irrebatível e que deveria iluminar essa discussão:

“O valor fundamental da liberdade, que constitui o lastro principiológico do sistema normativo penal, sobrepõe-se a qualquer regra processual cujos efeitos práticos e específicos venham a anular o pleno exercício de direitos fundamentais pelo indivíduo. Ao Supremo Tribunal Federal, como guardião das liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição, cabe adotar soluções que, traduzindo as especificidades de cada caso concreto, visem reparar as ilegalidades perpetradas por decisões que, em estrito respeito a normas processuais, acabem criando estados de desvalor constitucional” [3].

Soa especiosa a criação de limites artificiais, ainda mais quando descolados da lei e da Constituição, para se restringir a discussão de temas fundamentais ligados à liberdade quando se proclama, mais e mais, a instrumentalidade das formas, ou será que tal forma de pensar só vale quando se trata de flexibilizar direitos e garantias preteridos?

O sistema de proteção judicial efetiva reclama que as ilegalidades sejam discutidas sem peias e, obviamente, repudia artificialismos que não se compadecem com outras garantias constitucionais (CF, artigo 5º, e Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 25).

 é advogado, doutor e mestre em Direito pela USP, professor de Processo Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e ex-diretor do Conselho Federal da OAB.

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Seção do STJ acolhe questão de ordem e nega jurisprudência sobre HC

Responsáveis por julgar matéria criminal, a 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça não desrespeitam a jurisprudência da 3ª Seção ao admitir ou não o uso de Habeas Corpus como substitutivo de recurso ordinário, pois ambos os entendimentos coexistem na corte pelo menos desde maio de 2017, sem que haja uma definição.

Questão de ordem foi levantada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca 
STJ

Com esse entendimento, a 3ª Seção do STJ acolheu questão de ordem na sessão desta quarta-feira (10/6) para mudar a proclamação do resultado de um HC julgado pelo colegiado (3ª Seção), de modo a não permitir a eventual conclusão de que a 5ª Turma não segue a jurisprudência da 3ª Seção. 

O acolhimento foi por maioria, vencidos os ministros da 6ª Turma — desfalcados por ausência justificada do ministro Antonio Saldanha Palheiro e pelo ministro Nefi Cordeiro, presidente da 3ª Seção e que não votou.

A questão de ordem foi levantada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, citando artigo publicado no site Migalhas que analisa a jurisprudência brasileira relacionada à matéria. Para o ministro, não há desrespeito da 5ª Turma, inclusive porque a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal também não admite HC como substitutivo de recurso ordinário. 

Ministro Sebastião Reis se opôs à discussão por quórum incompleto na 3ª Seção 
José Alberto SCO/STJ

Oportunidade da discussão

Quando a questão de ordem foi suscitada, o caso julgado pelo colegiado já estava definido, com a nova orientação de que é possível aplicar o princípio da insignificância em crime tributário relativo a ICMS, um tributo estadual. Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior conhecia do HC e concedia a ordem.

A questão de ordem foi contestada pelos três ministros da 6ª Turma presentes na sessão e com poder de voto. Sebastião Reis citou o quórum incompleto e o prejuízo pelo fato de o presidente da 3ª Seção ser um integrante da 6ª Turma. A ministra Laurita Vaz destacou que “não é momento oportuno”.

Presidente da 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas explicou que a ideia não era impor um entendimento sobre o tema, mas apenas “mostrar que nós não estamos errados”. “O que o ministro Reynaldo propõe é que modifiquemos o dispositivo sob pena de estarmos descumprindo a jurisprudência da seção.”

Os ministros Sebastião Reis Júnior e Rogério Schietti protestaram. Fazer isso poderia significar que a 6ª Turma é quem descumpre a jurisprudência. Principalmente porque foi um de seus membros o responsável por afetar o Habeas Corpus à 3ª Seção. O julgamento prosseguiu e a questão de ordem foi acatada por maioria.

Ministro Marco Aurélio, do STF, inaugurou orientação seguida pela 5ª Turma do STJ 
Carlos Moura/STF

Histórico

A ideia de não conhecer de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário foi implementada pelo ministro Marco Aurélio, do STF, como forma de combater o problema criado pelo excesso de pedidos que chegavam à corte em 2012. A jurisprudência foi inaugurada na 1ª Turma do STF, sob alegação de que a prática configura tentativa de saltar instâncias.

“Se arrependimento matasse, eu estaria morto”, afirmou o ministro, posteriormente, em entrevista ao Anuário da Justiça. A prática caiu tão a gosto no Judiciário que ampliou o rigor da análise de ilegalidades e se transformou numa espécie de escudo dos julgadores. “Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura, que está prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus”, disse Marco Aurélio.

Em setembro de 2012, o STJ já aderia à jurisprudência proposta pelo ministro do STF, com críticas ao uso expansivo do HC. Foi só em maio de 2017 que a 6ª Turma passou a divergir, tanto por economia processual quanto por questões jurisprudenciais. A ideia é: não faz sentido analisar o cabimento se, ao checar ilegalidades apontadas, entra-se no mérito de qualquer maneira.

A questão do HC inclusive segue tormentosa na corte, como publicou a ConJur. Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2020 mostra que nos últimos cinco anos o julgamento de HCs na corte mais que dobrou, apresentando uma variação de 112,7% e dificultando a definição de teses qualificadas pelos ministros.

Ao se opor à questão de ordem, Schietti ressaltou que a questão é de terminologia. Segundo ele, a alteração feita pelo STF, com o tempo, se mostrou problemática.

“Isso cria um embaraço até para fins estatísticos. Temos dificuldade de identificar quando houve a denegação ou o efetivo não-conhecimento, além das hipóteses de manifesto descabimento”, disse.

CC 535.063

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Senado aprova criação de programa de apoio a microempresas

Linha de crédito

Senado aprova criação do Programa Nacional de Apoio às Microempresas

O Senado aprovou nesta terça-feira (7/4) o Projeto de Lei 1.282/2020, que cria o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). A medida faz parte do conjunto de propostas do Legislativo para minimizar os impactos econômicos e sociais causados pela pandemia do coronavírus.

Senado aprovou projeto para socorrer pequenas empresas durante pandemia
Creative Commons

O texto aprovado por unanimidade, com 78 votos, foi o substitutivo preparado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO). O projeto original era do senador Jorginho Mello (PL-SC).

O programa cria linha de crédito especial, mais barata e com menos exigências, para as empresas e microempresas, na mesma linha do que acontece com o Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf). 

O valor total do crédito a ser oferecido é de R$ 10,9 bilhões e é destinado a empresas com faturamento bruto anual de até R$ 360 mil.

O prazo para pagamento é de 36 meses, com carência de seis meses e juros de 3,75% ao ano. Como contrapartida, as empresas não podem rescindir contrato de trabalho sem justa causa no período entre a contratação do crédito e 60 dias após o recebimento da última parcela.

A operacionalização da linha de crédito será feita pelo Banco do Brasil e corresponderá à metade da renda bruta anual calculada no exercício de 2019. O projeto prevê que cooperativas de crédito e bancos cooperativos participem do programa.

As instituições financeiras que participarem custearão 20% do valor de cada financiamento, sendo que os 80% restantes virão de recursos da União utilizados no programa. O projeto foi aprovado com 26 emendas.

Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2020, 22h19