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Seção do STJ acolhe questão de ordem e nega jurisprudência sobre HC

Responsáveis por julgar matéria criminal, a 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça não desrespeitam a jurisprudência da 3ª Seção ao admitir ou não o uso de Habeas Corpus como substitutivo de recurso ordinário, pois ambos os entendimentos coexistem na corte pelo menos desde maio de 2017, sem que haja uma definição.

Questão de ordem foi levantada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca 
STJ

Com esse entendimento, a 3ª Seção do STJ acolheu questão de ordem na sessão desta quarta-feira (10/6) para mudar a proclamação do resultado de um HC julgado pelo colegiado (3ª Seção), de modo a não permitir a eventual conclusão de que a 5ª Turma não segue a jurisprudência da 3ª Seção. 

O acolhimento foi por maioria, vencidos os ministros da 6ª Turma — desfalcados por ausência justificada do ministro Antonio Saldanha Palheiro e pelo ministro Nefi Cordeiro, presidente da 3ª Seção e que não votou.

A questão de ordem foi levantada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, citando artigo publicado no site Migalhas que analisa a jurisprudência brasileira relacionada à matéria. Para o ministro, não há desrespeito da 5ª Turma, inclusive porque a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal também não admite HC como substitutivo de recurso ordinário. 

Ministro Sebastião Reis se opôs à discussão por quórum incompleto na 3ª Seção 
José Alberto SCO/STJ

Oportunidade da discussão

Quando a questão de ordem foi suscitada, o caso julgado pelo colegiado já estava definido, com a nova orientação de que é possível aplicar o princípio da insignificância em crime tributário relativo a ICMS, um tributo estadual. Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior conhecia do HC e concedia a ordem.

A questão de ordem foi contestada pelos três ministros da 6ª Turma presentes na sessão e com poder de voto. Sebastião Reis citou o quórum incompleto e o prejuízo pelo fato de o presidente da 3ª Seção ser um integrante da 6ª Turma. A ministra Laurita Vaz destacou que “não é momento oportuno”.

Presidente da 5ª Turma, o ministro Ribeiro Dantas explicou que a ideia não era impor um entendimento sobre o tema, mas apenas “mostrar que nós não estamos errados”. “O que o ministro Reynaldo propõe é que modifiquemos o dispositivo sob pena de estarmos descumprindo a jurisprudência da seção.”

Os ministros Sebastião Reis Júnior e Rogério Schietti protestaram. Fazer isso poderia significar que a 6ª Turma é quem descumpre a jurisprudência. Principalmente porque foi um de seus membros o responsável por afetar o Habeas Corpus à 3ª Seção. O julgamento prosseguiu e a questão de ordem foi acatada por maioria.

Ministro Marco Aurélio, do STF, inaugurou orientação seguida pela 5ª Turma do STJ 
Carlos Moura/STF

Histórico

A ideia de não conhecer de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário foi implementada pelo ministro Marco Aurélio, do STF, como forma de combater o problema criado pelo excesso de pedidos que chegavam à corte em 2012. A jurisprudência foi inaugurada na 1ª Turma do STF, sob alegação de que a prática configura tentativa de saltar instâncias.

“Se arrependimento matasse, eu estaria morto”, afirmou o ministro, posteriormente, em entrevista ao Anuário da Justiça. A prática caiu tão a gosto no Judiciário que ampliou o rigor da análise de ilegalidades e se transformou numa espécie de escudo dos julgadores. “Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura, que está prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus”, disse Marco Aurélio.

Em setembro de 2012, o STJ já aderia à jurisprudência proposta pelo ministro do STF, com críticas ao uso expansivo do HC. Foi só em maio de 2017 que a 6ª Turma passou a divergir, tanto por economia processual quanto por questões jurisprudenciais. A ideia é: não faz sentido analisar o cabimento se, ao checar ilegalidades apontadas, entra-se no mérito de qualquer maneira.

A questão do HC inclusive segue tormentosa na corte, como publicou a ConJur. Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2020 mostra que nos últimos cinco anos o julgamento de HCs na corte mais que dobrou, apresentando uma variação de 112,7% e dificultando a definição de teses qualificadas pelos ministros.

Ao se opor à questão de ordem, Schietti ressaltou que a questão é de terminologia. Segundo ele, a alteração feita pelo STF, com o tempo, se mostrou problemática.

“Isso cria um embaraço até para fins estatísticos. Temos dificuldade de identificar quando houve a denegação ou o efetivo não-conhecimento, além das hipóteses de manifesto descabimento”, disse.

CC 535.063

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HC em que Marcola pedia acesso a advogados é inviável

Instâncias suprimidas

HC em que Marcola pedia acesso a advogados na epidemia é julgado inviável

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, julgou inviável processualmente e, por isso, negou seguimento a um Habeas Corpus em que a defesa de Marco Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, pedia o restabelecimento do direito de entrevista pessoal e reservada com seus advogados, de forma presencial ou por meio de videoconferência.

Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola
Reprodução

Marcola cumpre pena na Penitenciária Federal de Brasília e, segundo os advogados, não tem contato com eles há mais de 60 dias. Ao STF, a defesa argumentou que o direito de acesso do preso a seus advogados é irrenunciável e não pode ser suspenso nem em caso de estado de sítio, e, menos ainda, por meio de portaria, ainda que seja boa sua intenção.

Em sua decisão, Lewandowski não constatou anormalidade, flagrante ilegalidade ou abuso de poder que justifiquem a análise do HC suprimindo-se instâncias. Para ele, diante da situação de epidemia, cabe aos juízes de primeiro grau observar as disposições da Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça sobre a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus nos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

HC 186.341

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Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2020, 20h08

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Acesso a perícia garantida em juízo não configura nova diligência

Se a defesa vê garantido por decisão judicial um pedido pela perícia de determinado documento, seu acesso ao conteúdo é apenas uma consequência lógica do primeiro provimento. Portanto, não é possível negar a cópia do laudo sob o entendimento de que configura nova diligência, pois é mero ato inerente ao cumprimento de sua determinação.

Documentos com força probante estavam em pendrive apreendido com o delator

Com esse entendimento, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu Habeas Corpus para determinar o acesso da defesa à perícia realizada em pendrive apreendido com o delator do crime pelo qual o réu é acusado. A medida, segundo o magistrado, visa garantir a paridade de armas e o contraditório.

O réu foi representado no caso pelos advogados Arthur Travaglia e Edgar Ehara, que requereram a perícia após a instrução, na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal. O pedido foi negado em primeiro grau e só garantido por meio de correição parcial.

Nesta decisão, o Tribunal de Justiça do Paraná destacou que planilhas encontradas no pendrive foram objetos de “inúmeras indagações durante a instrução processual”, o que enaltecem a força probante das mesmas.

A decisão entendeu “a necessidade da diligência postulada nesse particular no curso da instrução processual, no fio do que dispõe o artigo 402 do CPP, não havendo, por conseguinte, cogitar de preclusão”.

O pedido seguinte, de acesso ao conteúdo da perícia, foi negado em primeiro grau por “formulados nos autos em momento oportuno e, o que é mais importante, por serem estranhos ao objeto da correição parcial”. O entendimento foi mantido em liminar pelo TJ-PR.

“O pedido posterior de acesso ao conteúdo do pendrive consubstancia apenas um consectário lógico do pedido deferido pela corte local, por ocasião do julgamento da correição parcial”, apontou Schietti.

“Forçoso concluir pela concessão da ordem, a fim de garantir à defesa acesso integral ao material objeto da perícia, para que tenha plena possibilidade de responder às imputações que foram feitas aos pacientes. A defesa e o Ministério Público devem ter acesso integral ao resultado das investigações, a fim de observar-se a paridade de armas e o contraditório”, concluiu.

Clique aqui para ler a decisão

HC 576.713

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AGU não pode forçar estados e municípios a relaxar quarentena

Ainda que a Advocacia-Geral da União venha a tentar forçar judicialmente estados e municípios a seguir as ordens do governo federal sobre relaxamento das medidas de isolamento social — como quer o presidente Jair Bolsonaro —, a ação deve ser inócua. Afinal, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que tais entes federativos podem limitar atividades no combate à epidemia do coronavírus.

Jair Bolsonaro quer forçar governadores e prefeitos a liberarem o funcionamento de academias e salões de beleza
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nesta segunda-feira (11/5), um decreto de Bolsonaro incluiu salões de beleza, barbearias e academias de esportes no rol de atividades essenciais, permitindo que os estabelecimentos fiquem abertos no atual estágio da epidemia. No entanto, diversos governadores e prefeitos afirmaram que vão manter as restrições a essas atividades.

Bolsonaro afirmou que os governantes que descumprirem o decreto estarão “partindo para a desobediência civil” — e que usaria a AGU para forçá-los a obedecer a norma.

“Se porventura o governador disser que não vai cumprir, a AGU vai tomar a devida medida. Quando qualquer um de nós achar que uma lei ou decreto está exagerado, tem a Justiça ou o Parlamento. Nós definimos quais eram as profissões essenciais. Fora daquilo, os governadores e prefeitos tomam as próprias providências. Aí entra em descumprimento de uma norma. Tem a ver com descumprimento, a AGU vai se empenhar para que aquele governador cumpra o decreto”, disse o presidente na terça-feira (12/5).

Na quinta-feira (14/5), em reunião com empresários — e da qual participou o ministro da Economia, Paulo Guedes —, o presidente subiu o tom. Referiu-se a “guerra” para descrever o conflito entre a União e alguns governadores.

A AGU exerce advocacia de Estado, representando a União. Dessa maneira, pode ser instada a ir ao Supremo alegar que estados e municípios estão violando o decreto que permitiu a abertura de academias e salões de beleza.

Contudo, a ação muito provavelmente seria inócua, avaliam os ex-advogados-gerais da União Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo. “Não acho que seja eficiente a AGU mover ação no Supremo por esse motivo, pois a corte decidiu que estados e municípios têm competência para estabelecer regras para combater a epidemia. Eles têm a prerrogativa de ajuizar essa ação. Mas não acho que seja muito frutífero”, opina Adams.

Já Cardozo aponta que a AGU deveria orientar Bolsonaro no sentido de que ele está errado nessa situação. Primeiro, pela decisão do STF. Segundo porque o decreto que permitiu a abertura de academias e salões de beleza ofende o princípio da razoabilidade, pois essas atividades não são essenciais durante a epidemia.

“Bolsonaro está fazendo a AGU seguir uma postura juridicamente insustentável. O presidente precisa perceber que a Constituição Federal e o Estado não são ele. E AGU é advocacia de Estado. A postura correta da AGU seria informar o presidente que ele não pode fazer tudo o que quer, porque estamos em um Estado Democrático de Direito”, declara Cardozo.

Decisões do STF

No mês passado (15/4), no julgamento da ADI 6.341, o Supremo estabeleceu que, além do governo federal, os governos estaduais e municipais têm competência administrativa para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da epidemia do coronavírus — conforme determina o artigo 23, II, da Constituição de República. Além disso, os ministros fixaram que governadores e prefeitos têm competência para definir quais são as atividades consideradas essenciais durante a crise do coronavírus.

No julgamento da ADPF 672, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, reconheceu que “não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas”. Assim, reconheceu e assegurou a competência concorrente dos governos estaduais e distrital para a adição de medidas de enfrentamento à epidemia — com concorrência suplementar dos municípios (conforme artigo 30, II, da Constituição).

Dessa maneira, ressaltam os ex-advogados-gerais da União, o descumprimento, por governadores e prefeitos, do decreto presidencial não é um ato de “desobediência civil”, como disse Bolsonaro. “Ninguém é obrigado a cumprir uma norma ilícita”, diz Cardozo.

Por sua vez, Adams destaca que, de acordo com as decisões do Supremo, estados e municípios têm competência para adotar medidas específicas para combater a epidemia na região. Portanto, se entenderem que salões de beleza e academias de ginástica não são atividades essenciais em seu território, podem ordenar que os estabelecimentos do tipo permaneçam fechados.

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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STF rejeita queixa-crime contra Bolsonaro por espalhar doença

Sem Covid, sem crime

Lewandowski rejeita queixa-crime contra Bolsonaro por espalhar doença

Por 

O presidente Jair Bolsonaro não foi contaminado pelo coronavírus, conforme confirmado após a divulgação dos exames autorizada pelo ministro Ricardo Lewandowski, em reclamação enviada ao Supremo Tribunal Federal. Com isso, não há como subsistir queixa-crime baseada em propagação de doença contagiosa.

Bolsonaro participa de manifestação durante a pandemia do coronavírus Reprodução

Com esse entendimento, o ministro negou o pedido feito pelo advogado José Gabriel Avila Campelo, embasado em “conduta que sugere, de forma robusta, o cometimento de crimes de disseminação de doença contagiosa”. 

A princípio, o processo sequer teria andamento porque o advogado não pagou as custas processuais, conforme o parágrafo 2º do artigo 806 do Código de Processo Penal. Assim, nenhum ato ou diligência poderia ser realizado até o recolhimento do valor. Seria o caso de intimar o autor e aguardar.

Ocorre que a exibição dos exames do presidente Jair Bolsonaro acaba por resolver a questão, na visão do ministro Ricardo Lewandowski. “Neste momento, reputo inviável a presente queixa-crime, pois restou esvaziada a imputação feita pelo querelante”, concluiu o ministro.

Além da questão relacionada ao uso do Direito Penal na pandemia, a queixa-crime ainda continha pedido liminar para submeter Jair Bolsonaro a avaliação psiquiátrica por perito nomeado pelo STF. Ao fazê-lo, o advogado se define favorável à internação compulsória.

Clique aqui para ler a decisão

Pet 8.838

 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2020, 15h31

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MP recomenda lockdown em regiões críticas da cidade e estado do RJ

Lockdown proposto duraria 15 dias
Sandeepachetan

Para reduzir a intensidade da propagação do coronavírus, o Ministério Público fluminense recomendou, nesta quarta-feira (13/5), que o estado e a prefeitura do Rio de Janeiro adotem medidas mais rigorosas de isolamento social, como aquelas de bloqueio total (lockdown) de atividades não essenciais e da circulação de pessoas nas regiões mais críticas, especialmente em áreas da capital e região metropolitana.

A recomendação é que os bloqueios durem 15 dias, renováveis até que o número de infectados e mortos pela Covid-19 comece a cair.

A Promotoria sugere que seja proibido o acesso de pessoas a espaços de lazer público, como praças, calçadões e complexos esportivos. Também recomenda vedar a circulação de pessoas e veículos particulares, exceto para compra ou abastecimento de alimentos, medicamentos e produtos de higiene pessoal; atividades de segurança; idas a hospitais e clínicas; obtenção de benefícios sociais; entrega em domicílio e no trajeto caso/trabalho de serviços essenciais.

Além disso, o MP-RJ quer a proibição do funcionamento de qualquer tipo de comércio que permita a aglomeração de pessoas na rua. As exceções seriam lugares que só abrem para fazer entregas em casa.

O uso de máscaras deve ser obrigatório sempre que for necessária a interação com pessoas que não pertençam ao círculo familiar, tanto em ambientes públicos como em privados.

Estado e município do Rio também devem regulamentar como fiscalizarão o cumprimento dessas regras e estabelecer multas para quem as desrespeitá-las. Os infratores também poderão responder pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva (artigo 268 do Código Penal) e desobediência (artigo 330 do Código Penal).

Para que o lockdown funcione, no entanto, é preciso que os entes adotem medidas para assegurar condições de sobrevivência à população, alerta o MP-RJ. Entre elas, a oferta de cestas básicas, a reativação do programa estadual de transferência de renda e o uso de quartos de hotéis para pessoas em condição de rua.

Nova tentativa

Na quarta-feira passada (6/5), o MP encaminhou ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella, e ao governador, Wilson Witzel, um estudo da Fiocruz que alerta para a necessidade de adotar ações de lockdown no estado, com o objetivo de conter a disseminação do novo coronavírus.

Desde então, Crivella já ordenou o lockdown de 11 bairros da capital fluminense.

Clique aqui e aqui para ler as recomendações

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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MPF quer revisão de todos os pedidos de auxílio emergencial negados

Ampla defesa

MPF quer revisão de todos os pedidos de auxílio emergencial negados

MPF quer que o governo faça a revisão de todos os pedidos de auxílio negados
Reprodução

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública com pedido de liminar para que a União Federal e a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) revisem os pedidos de auxílio emergencial que foram negados em todo o país. O pedido é assinado pelo procurador Oscar Costa Filho.

Conforme o procurador, representações recebidas pelo MPF relatam o indeferimento dos pedidos de auxílio emergencial para cidadãos que preencheriam, em tese, todos os requisitos formais para ter acesso ao benefício.

Os reclamantes têm prestado queixa sobre a falta de transparência do aplicativo de solicitação que, após o período de análise dos recursos, se limita a informar a negativa da solicitação sem apresentar os motivos para a não qualificação do postulante como beneficiário do auxílio emergencial.

Para Costa Filho, a postura adotada pelos órgãos responsáveis pela análise e concessão dos pagamentos viola princípios consagrados nas leis administrativas tais como o princípio do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

“Não bastasse a negativa sem apresentação de motivos que possam ser contraditados, verifica-se que resta prejudicada inclusive a possibilidade de recorrer da decisão administrativa, seja pela falta de transparência, seja pelo desconhecimento sobre os meios para interposição de recursos, seja pela ausência de motivos que explicitem as razões que levaram ao indeferimento do benefício”, destaca o procurador da República.

A ação do MPF requer que — além da revisão de todos os pedidos negados — sejam conferidos a todos que tiverem o benefício negado tenham direito à explicitação dos motivos dos indeferimentos em respeito à garantia da ampla defesa do cidadão.

Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2020, 19h16

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O RJET e a teoria de imprevisão: entendendo o artigo 7º

O projeto de lei que institui o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia da Covid-19 (RJET) tem sido beneficiado pelo ambiente propício ao debate científico que emergiu durante este período de confinamento. Apresentado há pouco mais de um mês pelo senador Antonio Anastasia, o RJET já foi objeto de ampla discussão na rede mundial de computadores, como testemunham os vários artigos veiculados na coluna Direito Civil Atual, publicada neste sítio, bem como os seminários promovidos na TV ConJur pela Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo. Esses aportes contribuem para a maturação do texto, que ainda se encontra em gestação no Congresso Nacional.

Nesse cenário de particular profusão acadêmica, um dos dispositivos do RJET que mais têm despertado a atenção da comunidade jurídica é o seu artigo 7º, que aborda o tema da resolução por onerosidade excessiva e da revisão judicial dos contratos. Em sua redação atual, o caput do dispositivo prevê que “não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário”. As opiniões que se formaram acerca desse artigo são as mais variadas [1].

Há dois pontos essenciais para a correta compreensão desse dispositivo. Primeiramente, o artigo 7º do RJET não modifica, nem mesmo provisoriamente, regime de resolução ou revisão contratual instituído pelo Código Civil. Trata-se, em verdade, de uma diretriz hermenêutica dos dispositivos do Código e que deve vigorar durante o período da pandemia. Em outras palavras, o artigo 7º, ao “fixar o sentido de uma lei anterior” [2], é um autêntico exemplo de uma “lei interpretativa”, uma categoria legal muito cara ao Direito Tributário, mas que apenas em raras ocasiões é empregada no Direito Civil.

Essa estratégia regulatória bastante comedida condiz com os princípios que nortearam a elaboração do RJET. Conforme ressalta a sua exposição de motivos, o projeto buscou “não alterar as leis vigentes” e, no que tange especificamente ao tema regulado pelo artigo 7º, declara que o Código Civil brasileiro já possui “regras adequadas para resolver ou revisar contratos por imprevisão”. A manutenção do modelo previsto no Código Civil foi, portanto, uma escolha consciente da comissão elaboradora do RJET.

A segunda questão relevante sobre o artigo 7º está no fato de que a diretriz interpretativa nele prevista não representa, a bem dizer, uma inovação no Direito brasileiro. Pelo contrário: a ideia de que as vicissitudes econômicas, notadamente as alterações inflacionárias, cambiais e monetárias, não constituem fatos imprevisíveis a justificar a revisão ou a resolução dos contratos, está há muito tempo incorporada à tradição jurídica nacional, especialmente em razão do posicionamento reiterado dos tribunais superiores 3].

Essa tese remonta a antigos precedentes do STF, proferidos ainda em meados no século passado [4], e foi rapidamente integrada à jurisprudência do STJ, quando de sua criação [5]. A ideia por detrás desse entendimento é bastante intuitiva: o Brasil é um país historicamente marcado pela instabilidade econômica e pelas frequentes oscilações de inflação, de câmbio e pela sucessão da padrões monetários. Na opinião dos tribunais, essas alterações, conquanto bruscas, não constituiriam eventos imprevisíveis que permitiriam a flexibilização da força obrigatória dos contratos. E, de fato, o entendimento contrário poderia conduzir a uma excessiva fragilização dos vínculos contratuais, que seriam passíveis de revisão toda vez que se findasse um ciclo econômico.

Assim, o STJ decidiu pela inaplicabilidade das regras de revisão dos contratos civis em praticamente todas as crises econômicas enfrentadas pelo Brasil nas últimas décadas e que tiveram impacto sobre a inflação ou sobre o câmbio. É o que ocorreu, por exemplo, nos choques gerados pelas políticas econômicas adotadas pelo Estado brasileiro, como a grave escalada inflacionária de 1986 [6], em decorrência do malogro do Plano Cruzado; ou a maxidesvalorização cambial de 1999 [7], que se seguiu ao abandono do sistema das bandas cambiais que até então sustentava o Plano Real. Esse entendimento também foi aplicado a crises cambiais provocadas por fatores internos, como a de 2002 [8], ou externos, como a de 2008 [9], que levaram a uma rápida depreciação da moeda brasileira no mercado internacional.

Por que não criar uma norma ad hoc de revisão contratual? O exemplo da França

Em resumo, o artigo 7º do RJET não altera substancialmente o atual panorama da revisão dos contratos civis por imprevisão, tratando-se de uma abordagem que se vale das normas e orientações interpretativas já existentes no nosso ordenamento para lidar com eventuais desarranjos contratuais gerados pela Covid-19. Essa forma de enfrentamento tem sido adotada em outros países, que também optaram por não criar novos métodos de revisão contratual aplicáveis à presente crise. É o que ocorre, por exemplo, na França.

Com efeito, a França editou uma série de medidas emergenciais para fazer face aos problemas decorrentes da Covid-19, as quais têm como marco legal a Lei nº 2020-290, “de urgência para o enfrentamento da epidemia de Covid-19”, de 23 de março 2020. Entre as intervenções promovidas na seara dos contratos, destaca-se a prorrogação geral dos prazos que suscitariam a incidência de cláusulas penais, cláusulas resolutórias e astreintes, bem como dos prazos decadenciais [10]; e a suspensão temporária das medidas de despejo e do corte do fornecimento de energia elétrica, água, e aquecimento [11]. É notável, todavia, que nenhuma dessas medidas alterou, nem mesmo em caráter temporário, as normas gerais de revisão dos contratos, previstas no artigo 1195 do Code civil.

Esse fato é até certo ponto surpreendente, tendo em vista que a França é também a pátria da histórica Lei Failliot, de 21 janeiro de 1918, que instituiu um regime excepcional e temporário que permitia a resolução de contratos cujas obrigações tivessem se tornado particularmente onerosas para uma das partes em razão dos efeitos imprevisíveis da Primeira Guerra Mundial. Por qual razão o parlamento francês de 2020 não optou por seguir o mesmo caminho para solucionar os problemas contratuais gerados pela Covid-19? A divergência pode ser explicada em função dos diferentes arcabouços legais existentes hoje e um século atrás.

À época da promulgação da Lei Failliot, a teoria da imprevisão não encontrava amparo no Code Civil e era categoricamente rechaçada pela Corte de Cassação francesa [12]. A legislação de emergência teve de suprir essa omissão, instituindo um regime ad hoc de resolução dos contratos por imprevisão. O cenário atual é completamente distinto, tendo em vista que a reforma do direito dos contratos e das obrigações, de 2016, terminou por inserir no Code Civil uma regra geral de resolução e revisão dos contratos por imprevisão. É natural que essa regra seja posta em prática durante a pandemia de Covid-19, o que torna desnecessária a criação de um regime específico para esta crise.

Os limites do artigo 7º do RJET

Outro fator importante a ser considerado quando da análise do artigo 7º do RJET diz respeito ao seu campo de aplicação, que é bastante circunscrito e abarca apenas as regras de resolução e revisão contratual previstas no Código Civil. De fato, o próprio parágrafo primeiro do dispositivo em comento estabelece que suas diretrizes interpretativas não se aplicam aos modelos de revisão contratual instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor ou pela Lei de Locações de Imóveis Urbanos (Lei nº 8.245 de 1991). A essas duas exceções, deve-se acrescer os contratos administrativos, tendo em vista que o RJET declaradamente não tratou de matérias afeitas ao Direito Administrativo ou Tributário [13].

Essas ressalvas, mais uma vez, revelam a sintonia existente entre o dispositivo do RJET e a jurisprudência nacional. Diferentemente do entendimento adotado para a revisão de contratos regulados pelo Código Civil, o STJ tem admitido que a inflação e a variação cambial podem fundamentar a revisão judicial dos contratos de consumo [14], de locação [15] e administrativos [16]. Essa interpretação não será alterada pelo artigo 7º do RJET.

A exclusão se justifica na medida em que esses três gêneros de contratos são contemplados com regimes especiais de revisão, cada qual governado por princípios próprios. No caso específico dos contratos de consumo e de locação de imóveis, essas regras especiais de revisão não exigem que o evento que ensejou o desequilíbrio contratual seja “imprevisível”, o que, por si só, já bastaria para tornar inoperante a diretriz interpretativa prevista no RJET. Com efeito, o artigo 7º do RJET declara que a inflação, a variação cambial e as alterações do padrão monetário não devem ser interpretadas como “fatos imprevisíveis” para efeitos de incidência das regras de revisão dos contratos. Ocorre que, como prevê o artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, a revisão dos contratos de consumo pressupõe apenas que “fatos supervenientes” à celebração do contrato tenham tornado as obrigações assumidas pelo consumidor “excessivamente onerosas”; pouco importando se esses fatos eram ou não previsíveis. Essa diferença entre os modelos revisão civil e consumerista é plenamente compreensível: a assimetria entre fornecedores e consumidores, inerente às relações de consumo, requer um sistema mais amplo e facilitado de revisão dos contratos desequilibrados.

A função do artigo 7º do RJET

Se o artigo 7º do RJET não modifica o modelo de resolução ou revisão contratual por fatos supervenientes, e tampouco introduz uma diretriz interpretativa verdadeiramente nova, qual seria, então, a função desse dispositivo? A resposta a esta pergunta passa pela compreensão dos objetivos do RJET que, entre vários aspectos, buscou antecipar um problema prático a ser enfrentado pelos tribunais: a onda de ações judiciais pleiteando a revisão ou a resolução de contratos, que certamente se formará em razão da pandemia. A estratégia do RJET de transformar uma regra jurisprudencial em lei, ainda que de caráter temporário, pode contribuir de duas formas para a conter esse cenário de iminente proliferação de litígios.

Em primeiro lugar, o artigo 7º permitirá que o Judiciário responda de maneira uniforme aos problemas cambiários, inflacionários ou monetários eventualmente surgidos em razão da pandemia. Se é verdade que o STJ tem cumprido com esmero sua função de unificar a jurisprudência nacional, ao zelar pela coerência de seus próprios precedentes, é também verdade que, antes que os primeiros litígios relacionados à Covid-19  cheguem a esta corte superior, podem surgir interpretações contraditórias nas instâncias inferiores. O artigo 7º se antecipa a esse problema ao garantir que o entendimento historicamente adotado pelo STJ será seguido com mais rigor pelos magistrados de primeiro e segundo graus. Essa uniformidade é salutar pois assegura o tratamento isonômico dos jurisdicionado e favorece a economia processual, na medida em que evita a prolação de decisões que seriam revertidas nas instâncias superiores.

Em segundo lugar, o artigo 7º poderá contribuir para a diminuição do número de ações que versam sobre a resolução ou revisão de contratos. De um lado, porque a uniformização da jurisprudência impede o surgimento de uma “loteria judicial’, que é sempre um convite ao ajuizamento de demandas. De outro, porque o critério objetivo estampado no dispositivo será uma clara sinalização para os litigantes no sentido de que não vale a pena ajuizar uma ação que tenha por fundamento a variação cambial, inflacionária ou monetária, desencorajando esse tipo de pedido.

Os autores agradecem ao Professor Otavio Luiz Rodrigues Junior a cessão do espaço de sua coluna semanal para a publicação deste texto.

Daniel Amaral Carnaúba é professor adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (campus Governador Valadares), doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito Privado pela Université Panthéon-Sorbonne (Paris 1) e membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo.

Daniel Pires Novais Dias é professor de Direito Civil da FGV Direito Rio, doutor em Direito, com período de pesquisa na Ludwig-Maximilians-Universität München (2014-2015), e membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo. Foi pesquisador visitante na Harvard Law School (2016-2017) e no Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado em Hamburgo, na Alemanha (2015).

Guilherme Henrique Lima Reinig é professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina, mestre e doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo e membro da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo.

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Simone Castro: Judiciário decide sobre diretor da PF?

Não. Mas pode decidir quem não pode ser.

Uma das conquistas da Constituição de 88 foi reposicionar o Poder Judiciário na distribuição das funções estatais de julgar, legislar e executar as atividades, embaralhadas durante a ditadura civil-militar. Ao longo da ditadura, o Judiciário sujeitou-se aos limites impostos pelos militares nos atos institucionais e na Lei de Segurança Nacional. O AI-5, ao tempo em que restringiu os poderes do Judiciário, ampliou os do presidente da República. Após o AI-5, os direitos políticos cassados deixaram de se sujeitar ao controle judicial. Para superar a tirania do Executivo e recuperar o que convencionamos chamar de Estado Democrático de Direito, forjado ainda na Revolução Francesa, quando se produziu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Constituição de 88 resgatou a separação dos poderes que inclui, outrossim, o controle de um poder pelos demais. Sem reservar a nenhum poder atribuições exclusivas, apenas precípuas, a Constituição garantiu a possibilidade de revisão judicial dos atos administrativos.

Está no caput do artigo 37 da CF que a administração pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Mesmo os agentes políticos estão sujeitos a referidos princípios. Não há exceção. Tanto que a Constituição prevê, expressamente, no inciso V do artigo 85, que o presidente da República comete crime de responsabilidade quando atenta contra a Constituição e a probidade administrativa.

Não se descuida que probidade é um conceito distante de possuir uma definição precisa. No entanto, há um consenso mínimo social do que seja decoro. Utilizar o cargo com a finalidade de obter vantagem pessoal ou para terceiros, em detrimento do interesse público, é uma ação que ofende a moral média. Tentar o presidente da República usar o seu cargo para obstar o andamento de investigação criminal contra seus filhos pode ser, para alguns, uma ação moralmente válida na esfera privada, mas na esfera pública é uma ação criminosa. Por isso, exceto na parte do mundo em que a res publica foi capturada, há assentimento no sentido de que pretender dificultar uma investigação criminal é uma ação que atenta contra a dignidade da sociedade, portanto, é imoral.

Poder-se-ia argumentar que, no caso específico da indicação de Ramagem para o cargo de diretor-geral da PF, haveria apenas uma suspeita levantada pelo ex-ministro Moro. Mas há fotos, há as falas do próprio presidente da República, há a divulgação de mensagens particulares trocadas e há um inquérito instaurado para apurar as acusações proferidas pelo ex-ministro. Tudo isso milita em desfavor da indicação.

Se causa estranheza o mesmo indicado não poder ocupar o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, mas poder ocupar o cargo na Abin, é porque não se percebeu que a imoralidade estava nas razões da indicação, na medida em que houve desvio de finalidade, e não na conduta do indicado. Embora a relação de compadrio não seja o melhor parâmetro para qualificar um gestor, não foi essa relação que viciou o ato de indicação de Ramagem.

Se falta consciência ao detentor do cargo político sobre os limites de sua atuação, especialmente, sobre a distinção entre o que é seu e o que é da sociedade, cabe ao Judiciário declarar a imoralidade daquela conduta que tenta se apropriar do que é de todos. O interesse da sociedade é indisponível.

Por isso, também, não há medida de comparação do caso Ramagem com outros casos em que o Judiciário interveio. Cada caso, como se diz, é um caso. A lógica poderá estar em tratar todos os casos, independentemente de suas idiossincrasias, de forma igual, ou tratar particularmente cada situação. A escolha parece ser particular. Em nenhuma situação, de qualquer sorte, haverá segurança jurídica. Aliás, não existe palavra tão oca de sentido quanto segurança jurídica. Tanto serve para resguardar o direito quanto para ocultar o exercício opressor do poder sobre os direitos.  Segura, de fato, é a certeza de que não há racionalidade nas decisões judiciais. A decisão judicial final do STF será sempre política, afinal cuida-se de uma corte política, e estará carregada, decerto, dos valores e compromissos de quem a profere. A diversidade de decisões judiciais, bem como a discussão que estamos travando comprovam à saciedade que não há interpretação da Constituição que possa ser classificada como isenta ou, de outro giro, apolítica. Politização do Judiciário é o apanágio da manutenção do status quo.

Não vislumbro na decisão do ministro Alexandre de Moraes um ativismo judicial, no sentido pejorativo que a palavra carrega, mas controle de legalidade de um ato. Oportuno recordar que decorre do que designamos ativismo judicial o reconhecimento pelo STF da possibilidade de pesquisas com células-tronco, o reconhecimento da união estável homoafetiva, bem como o direito à herança desses cônjuges.  

Enfim, a judicialização da política não é um fato novo. Desde seu surgimento, e ao longo de sua história, não foram poucas às vezes que o STF foi invocado para tomar partido em disputas políticas, muitas vezes só para legitimar, mediante sua omissão, disputas partidárias.

O que parece ser novo, no contexto da Constituição de 1988, é a entrada na arena de novos atores até então excluídos. Isso incomoda.

Os partidos políticos atuarem no Judiciário em detrimento da Ágora de fato é um problema que deveríamos enfrentar para superar, mas de modo algum retirando a possibilidade de anulação judicial de um ato viciado do presidente da República.

Não reconheço a possibilidade de o Judiciário invadir a esfera de competência do Executivo, mas reconheço que, numa República que se pretende democrática, os poderes estão sujeitos ao controle pelos demais, como previsto na Constituição. Isso quer dizer que também os agentes políticos estão obrigados a respeitar a lei. A prerrogativa constitucional de indicação do presidente da República não é absoluta. Há interesses maiores a serem preservados, como a sobrevivência da sociedade, a democracia e a República.

Por que transigir em favor de uma pseudorracionalidade jurídica?

Talvez a pergunta não seja “pode o Judiciário decidir quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?”, mas “a quem as indicações do presidente da República devem servir?”.

E, no início e no final, cabe sempre a pergunta, talvez um princípio ordenador da interpretação legal: “a quem estamos servindo quando interpretamos as normas constitucionais?”.

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Demitidos com base no fato do príncipe serão reintegrados

É cabível reintegrar trabalhadores para que eles sejam incluídos em programa de benefício emergencial. Assim, garante-se o direito fundamental à subsistência sem gerar danos graves à empresa. 

Trabalhadores dos transportes foram demitidos com base no fato do príncipe
Reprodução

Com base nesse entendimento, a juíza Isabella Borges de Araújo, da 3ª Vara do Trabalho de Salvador, determinou que a Marte Transportes reintegre dez funcionários demitidos durante a epidemia do novo coronavírus. A decisão, em caráter liminar, foi proferida no último dia 30. 

A ordem foi dada depois que o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Intermunicipais de Transportes entrou com ação pedindo que os funcionários fossem readmitidos, já que a dispensa foi unilateral e sem qualquer negociação prévia. 

As demissões foram feitas com base na teoria do fato do príncipe, prevista no artigo 486 da CLT (Decreto Lei 5.452/43). A previsão permite que em situações excepcionais, quando há prejuízo financeiro desproporcional à empresa decorrente de medidas adotadas pelas autoridades municipais, o empregador poderá rescindir contratos. 

Ocorre que as dispensas aconteceram dias depois da ré formular, junto com outros trabalhadores, um acordo para suspender provisoriamente os contratos. A suspensão foi feita tendo em conta a Medida Provisória 936/20, que versa sobre políticas trabalhistas emergenciais em razão da epidemia.

No caso das suspensões temporárias, a MP prevê a concessão do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda, que é pago pela União.

Tendo isso em vista, a magistrada determinou que os 10 funcionários sejam readmitidos para que possam receber o auxílio, conforme os outros trabalhadores da empresa.

“Trata-se de premissa axiológica de manutenção de emprego digno e das próprias condições de vida, alimentação e saúde do trabalhador e da sua família, mediante suspensão contratual que não onerará excessivamente o empregador, pois a MP prevê que os custos salariais ficarão a cargo do Poder Público”, afirma a juíza. 

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0000212-51.2020.5.05.0003