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Município não pode proibir abordagem sobre gênero nas escolas

É inconstitucional trecho de lei de Foz do Iguaçu (PR) que proíbe abordagem sobre gênero nas escolas. A decisão foi tomada na sessão virtual do Plenário do Supremo Tribunal Federal que encerrou nesta sexta-feira (8/5). 

Cármen Lúcia entendeu que município interveio em matéria que cabe à União
Carlos Moura / SCO STF

Por unanimidade, o colegiado acompanhou o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que apontou a competência da União para elaborar o Plano Nacional de Educação em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os municípios.

Por isso, considerou que o município interveio no conteúdo ministrado nas instituições de ensino, matéria que compete à União.

De acordo com a ministra, ao proibir a adoção e divulgação de políticas de ensino ou disciplinas que “tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’, o município ultrapassou as balizas constitucionais pelas quais lhe é autorizada tão somente a complementação normativa para atendimento de peculiaridades locais”.

A ação foi ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil, que afirmou que a legislação municipal demonstra clara censura ao tema. O artigo 5º da lei, definiu, por emenda, que “ficam vedadas em todas as dependências das instituições da rede municipal de ensino a adoção, divulgação, realização ou organização de políticas de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa, ou ainda atividades culturais que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’”.

Em julho de 2018, o ministro Dias Toffoli, acolheu o pedido e suspendeu o trecho por entender que a supressão de conteúdo curricular trata de medida grave que atinge o direito ao saber. Além disso, afirmou que mesmo que estados e municípios não podem dispor de modo contrário ao que está na lei federal.

Clique aqui para ler o voto da relatora

ADPF 526

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TJ-RJ anula desocupação por ausência de atuação da Defensoria

A Defensoria Pública tem o dever de atuar nos litígios possessórios coletivos, como previsto no artigo 554, § 1º, do Código de Processo Civil. 

Reprodução

Por entender que a exigência legal não foi observada, a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anulou decisão que determinava desocupação de imóveis. 

A ação civil pública foi ajuizada pelo município de Macaé que pediu a desocupação de famílias das casas do programa Minha Casa Minha Vida. O município alegou que houve invasão das casas e sustentou que isso gera “danos ao meio ambiente, aos consumidores, à ordem urbanística e ao patrimônio público e social”.

Decisão de primeiro grau acolheu o pedido e determinou a desocupação dos imóveis em dez dias, sob pena de compulsória com o uso de força policial.

A Defensoria Pública, representando os moradores, alegou a presença de muitas pessoas hipossuficientes atingidas pela decisão liminar, inclusive crianças e idosos. Por isso, pediu seu ingresso na condição de custos vulnerabilis ou “guardiã dos vulneráveis”. A intervenção nessas demandas busca assegurar os direitos de pessoas ou grupos de necessitados.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, considerou os argumentos da Defensoria e afirmou que é motivo de questionamento a própria competência da Justiça comum estadual, já que há possível interesse da União ao se admitir a procedibilidade da ação civil pública.

“Não se pode admitir é que a via da ação civil pública sirva de subterfúgio para exonerar o autor de provar, por exemplo, a data do esbulho possessório, ou de atalho aos meios de defesa previstos em lei”, afirmou.

Para o relator, no caso, o município “sequer se dá o trabalho de apontar qual teria sido a data do esbulho, quanto menos comprová-la ― ônus que assume máxima relevância para apuração do caráter novo ou velho da posse, com severas repercussões sobre a possibilidade de proteção liminar”.

De acordo com o defensor público Maurilio Casas Maia, um dos estudiosos do tema, decisões como esta “devem ser comemoradas pois revelam, ainda que implicitamente, a essencialidade histórica e constitucional do Estado Defensor como custos vulnerabilis ou, simplesmente, emancipador dos vulneráveis”.

Clique aqui para ler a decisão

0068634-82.2019.8.19.0000

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Flexibilizar o regime de defesa da concorrência?

 

 

Ademir Antonio Pereira Jr. e Yan Villela Vieira

 

A pandemia do Covid-19 tem fomentado discussões sobre a necessidade de flexibilizar o direito da concorrência nacional para permitir maior cooperação entre concorrentes em tempos de crise. Para alguns, vedações a acordos entre rivais deveriam ser suspensas ou ao menos flexibilizadas para facilitar a sobrevivência de determinados setores ou para evitar interrupções de fluxos produtivos e logísticos. Nesse sentido, expressões como “cartéis do bem” ou “cartéis de crise” passaram a ocupar o debate público.

 

Esse não é um debate simples. Contudo, parece haver muita confusão sobre o tema, o que pode levar a decisões empresariais e políticas ruins – avaliações de risco equivocadas podem desincentivar ações empresariais eficientes, e alterações legislativas apressadas podem resultar em consequências negativas duradouras.

 

Assim, este artigo procura destacar que há muitas formas de cooperação empresarial admitidas pelo direito da concorrência, independente de qualquer contexto de crise. Em outras palavras, já existe uma miríade de iniciativas legítimas que podem ser exploradas, e mesmo aquelas que recaiam numa zona cinzenta não dependem de reforma legislativa para serem implementadas – o direito da concorrência dispõe de ferramentas flexíveis o suficiente para lidar com essas iniciativas diante do contexto que se apresenta.

 

De início, deve-se ter claro que nem toda forma de cooperação entre concorrentes equivale a um cartel. Cartel é um “acordo de restrição pura à concorrência”, ou seja, acordo em que concorrentes conjuntamente fixam preços, quantidades ou algum outro vetor concorrencial para aumentar margens de lucro às expensas da livre concorrência e, consequentemente, da inovação e dos consumidores, sem devolver nenhuma forma de benefício à sociedade. Empreendedores e executivos não devem, portanto, ver a proibição à formação de cartel como óbice a iniciativas de cooperação que incrementem a eficiência econômica e beneficiem consumidores. Iniciativas capazes de melhorar a capacidade de resposta à pandemia e enfrentar seus riscos à saúde e segurança tendem a ser lícitas.

 

Nesse sentido, as autoridades de defesa da concorrência norte-americanas esclareceram em orientação recente que diversos tipos de cooperação empresarial são compatíveis com a legislação concorrencial e podem ser realizados durante a pandemia. A experiência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE também mostra que diversos tipos de cooperação pensados no contexto de crise sanitária tendem a ser lícitos no Brasil, como:

 

– Cooperação para pesquisa e desenvolvimento de novos produtos ou processos, costuma ser considerada lícita e capaz de incrementar a oferta;

 

– Compartilhamento de know-how sobre questões técnicas ou definição de parâmetros e guias de tratamento sugeridos no setor de saúde tendem a ser admitidas já que beneficiam pacientes;

 

– Esforços conjuntos para advogar pautas junto ao Congresso ou órgãos do Executivo já foram reconhecidos como lícitos pelo CADE num regime democrático;

 

– Acordos para aquisição conjunta de insumos, que embora ainda careçam de parâmetros mais claros por parte do CADE, costumam ser admitidos se os compradores não tiverem grande poder de barganha ou enfrentarem poder de mercado do lado dos vendedores.

 

Todas essas formas de cooperação são admitidas desde que tenham um design apropriado e regras de governanças capazes de impedir que se subvertam em instrumentos para verdadeira formação de cartel, ou seja, fixação de preços, alocação de clientes ou troca de informações sobre preços, custos, etc.

 

Deve-se reconhecer ainda que a pandemia pode demandar formas de cooperação que não se enquadram em hipóteses sobre as quais já existe maior segurança sobre sua licitude. Mas o direito da concorrência é dotado de flexibilidade e instrumentos capazes de lidar com a análise dessas formas de cooperação.

 

Em primeiro lugar, a análise concorrencial é sempre caso a caso. Mesmo em hipóteses de cooperação entre concorrentes, admite-se uma análise em concreto dos efeitos da conduta, inexistindo condenação de cooperação “em abstrato”. Por isso, se determinada cooperação pode aumentar a eficiência e beneficiar os consumidores, deve ser admitida mesmo que gere certa limitação à concorrência – afinal, na Lei e na prática brasileira, a concorrência não é um fim em si mesmo.

 

Por sua vez, do ponto de vista procedimental, o CADE já dispõe de mecanismo para garantir maior segurança e previsibilidade às empresas: a consulta, procedimento que permite que se apresente ao CADE determinada proposta ou prática já em curso e se solicite uma avaliação a respeito. O CADE é extremamente sensível à realidade que o cerca, e tende a compreender a necessidade de priorizar casos que verdadeiramente demandem urgência, de forma que consultas urgentes para o enfrentamento da crise tendem a ser respondidas com a agilidade devida.

 

Em conclusão, com o regime de direito da concorrência atual, diversas formas de cooperação entre concorrentes podem ser realizadas, não havendo necessidade de alterações à legislação ou criação de novos procedimentos. O CADE já indicou, em Mensagem de sua Presidência, que será compreensível na análise de demandas relacionadas à crise, mas que permanecerá vigilante para coibir abusos – e é exatamente esse o papel da agência de defesa da concorrência. 

 

Ademir Antonio Pereira Jr. – Doutor e Mestre em Direito pela USP e Mestre em Direito, Ciência e Tecnologia pela Stanford University. Sócio da Advocacia Del Chiaro.

 

Yan Villela Vieira – Mestrando em Direito pela USP e pós-graduado pela Escola de Economia de São Paulo (FGV-SP). Advogado na Advocacia Del Chiaro.

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STF reafirma que Justiça do Trabalho não pode julgar ações penais

A Justiça do Trabalho não tem competência para processar e julgar ações penais. O entendimento foi firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual finalizado nesta sexta-feira (8/5).

Colegiado seguiu voto do relator, que afasta a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações penais.

No julgamento virtual, por maioria de 8 votos, o colegiado seguiu Gilmar Mendes, que apontou um confronto de textos. Gilmar propôs dar interpretação conforme à Constituição para afastar qualquer interpretação que entenda competir à Justiça do Trabalho processar e julgar ações penais.

O ministro lembrou o entendimento do relator anterior do caso, ministro Cezar Peluso, no sentido que a Constituição “circunscreve o objeto inequívoco da competência penal genérica”, mediante o uso dos vocábulos “infrações penais” e “crimes”. 

“Ao prever a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento de ações oriundas da relação de trabalho, o disposto no art. 114, inc. I, da Constituição da República, introduzido pela EC nº 45/2004, não compreende outorga de jurisdição sobre matéria penal, até porque, quando os enunciados da legislação constitucional e subalterna aludem, na distribuição de competências, a ações, sem o qualificativo de penais ou criminais , a interpretação sempre excluiu de seu alcance teórico as ações que tenham caráter penal ou criminal”, afirmou Gilmar.

Divergiram os ministros Luiz Edson Fachin e Marco Aurélio. A ministra Cármen Lúcia não teve seu voto computado — nestes casos, conforme o regimento da corte, a omissão é contabilizada como tendo seguido o relator.

Fachin afirmou que a justiça especializada trabalhista tem todos os requisitos para exercer a competência constitucional em fatos que ensejam o reconhecimento da tipicidade penal praticados na relação de trabalho. “A dimensão criminal que decorre do máximo desrespeito às normas de conduta das relações sociais, que se perfazem em relações de trabalho, também deve ser submetida ao crivo da Justiça Especializada”, afirmou o ministro. 

Por sua vez, o ministro Marco Aurélio entendeu seria impróprio interpretar o texto constitucional. Segundo o ministro, não é o caso de “antecipar ao legislador ordinário para proclamar a impossibilidade de vir a lume lei por meio da qual prevista a competência criminal da Justiça do Trabalho”.

Questão antiga

Os ministros analisaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta em 2006 pela Procuradoria-Geral da República. A PGR questionava os incisos I, IV e IX do artigo 114 da Constituição Federal, introduzidos pela Emenda Constitucional 45/04, que ampliaram a competência da Justiça do Trabalho, permitindo que resolvesse questões criminais.

Já em 2007, os ministros decidiram liminarmente pela impossibilidade de a Justiça do Trabalho avaliar tais casos. A relatoria da ação à época foi de Peluso, substituída em 2010 pelo ministro Gilmar Mendes.

Clique aqui para ler o voto do relator

ADI 
3.684

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Victor de Almeida: Os tipos de guarda no sistema jurídico

O direito de família é uma área jurídica extremamente dinâmica, eis que novas questões surgem a todo tempo, seja quanto à questão de sucessão (como por exemplo testamentos, doações e partilha de bens), bem como nas questões pertinentes ao seio familiar (matrimônio, adoção, investigação de paternidade e guarda).

No presente texto, abordaremos a questão relativa à guarda, que pode se dar de forma alternada, compartilhada ou unilateral. Contudo, há uma certa confusão, em especial com relação à modalidade de guarda compartilhada e à guarda alternada. Inicialmente, falaremos sobre a guarda unilateral, que se mostra mais recorrente nas ações judiciais que versam sobre esse tema.

A guarda unilateral está definida no início do parágrafo primeiro do artigo 1.583 do Código Civil, trazendo o seguinte texto “Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (..)”. Podemos, dessa forma, sintetizar que a guarda unilateral será exercida por um dos genitores (pai ou mãe), enquanto com relação a uma pessoa que substitua um dos genitores, podemos exemplificar com a atribuição da guarda aos avós, ou ainda aos tios, na ausência de um dos genitores.

Cabe mencionar que na guarda unilateral, em regra, é fixado o direito de visitas ao genitor que não detêm a guarda ou a quem o substituiu. A forma como serão regulamentadas essas visitas deverá sempre atender ao melhor interesse da criança, podendo ser fixada de comum acordo entre as partes envolvidas ou pelo juiz.

Por fim, é importante salientar que cabe ao genitor não guardião a fiscalização quanto aos cuidados e à forma pela qual a criança é tratada por seu guardião (entenda-se por alimentação, saúde e educação), podendo ser o caso de demandar de forma judicial para obtenção de informações e outras medidas necessárias.

No tocante à guarda compartilhada, há uma certa confusão, eis que algumas pessoas interpretam que a guarda compartilhada seria a convivência da criança por determinado período, de forma igual, na residência dos genitores, quando na verdade a guarda compartilhada não se limita a isso.

A guarda compartilhada está prevista no final do parágrafo primeiro do artigo 1.583 do Código Civil com a seguinte redação “(…) E, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Em outras palavras, a guarda compartilhada pressupõe um consenso entre os genitores, não se limitando à alternância de lares, mas incluindo também decisões e responsabilidades quanto à criação de forma conjunta. Faz-se necessária, portanto, uma harmonia entre os genitores a fim de garantir o melhor interesse do infante.

A autora Maria Berenice Dias [1] entende que essa modalidade deve ser estimulada inclusive pelo Poder Judiciário, eis que atende aos melhores interesses da criança. Inclusive, ao nosso ver, a guarda compartilhada deve ser adotada, eis que permite um desenvolvimento sadio. Entretanto, deve-se atentar sempre à situação familiar no intuito de verificar qual situação se amolda melhor à criança.

Por fim, no que diz respeito à guarda alternada, esta não está prevista na legislação brasileira. Ela foi uma construção da jurisprudência [2], ou seja, um conjunto de decisões judiciais sobre tal questão.

Conforme mencionado anteriormente, na guarda alternada a criança convive com os genitores de forma alternada por igual período. Entretanto, diversos autores criticam tal modalidade, tendo em vista que não atende aos melhores interesses da criança. Ademais, não é uma modalidade usual de ser fixada de forma judicial, mas somente por meio de acordo.

Portanto, a espécie de guarda a ser aplicada dependerá de cada caso concreto, valendo-se sempre do melhor interesse da criança, bem como, se possível, da conciliação entre as partes.

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A confirmação do testamento particular na crise da Covid-19

As mudanças na vida da população em decorrência das restrições impostas pelas medidas de enfrentamento da pandemia viral que assola o globo têm despertado inúmeras reflexões sobre a aplicação dos institutos jurídicos, abruptamente submetidos a um novo pano de fundo. Isto não quer dizer que da nova realidade deva nascer um direito absolutamente novo, mas que se deve pensar na adequação das antigas soluções aos novos problemas, na eventual necessidade de soluções ainda não pensadas ou, talvez, reconhecer que algumas relações apresentam maior imunidade à realidade transitória imposta pelo vírus.

Para além das questões contratuais, o funcionamento de todo o sistema de direito privado desafia reflexões. Os prazos continuam a correr enquanto não aprovado o Projeto de Lei que determina a suspensão de sua contagem (PLS 1.179/20), os débitos são devidos, alimentos devem ser pagos, a assistência material e imaterial deve ser prestada. Neste panorama, o presente ensaio se volta a uma questão que poderia parecer secundária: temendo uma fatalidade, seja na iminência mais ou menos real da finitude, como a pessoa poderia realizar um testamento válido em tempos de isolamento social?

A elaboração do testamento no Direito brasileiro exige, em regra, a presença de testemunhas da manifestação de última vontade. São duas testemunhas na presença do tabelião, no caso do testamento público (art. 1.864, II, CC); duas testemunhas do auto de aprovação no caso do testamento cerrado (art. 1.868, III, CC); e três testemunhas no caso do testamento particular (art. 1.876, §1º, CC).

Além disso, o nosso Código Civil admite um caso especial de testamento particular. O artigo 1.879 prescreve que, “em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz”.

Não há dúvidas de que a declaração de pandemia por Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde com a recomendação de isolamento social é uma situação sem precedentes que configura circunstância especial que justifica a iniciativa de elaborar um testamento sem a possibilidade das suas formalidades de praxe. Uma pessoa que sente necessidade de deixar registradas suas disposições de última vontade e está em situação de isolamento social pode fazê-lo sem a necessidade de testemunhas.

A grande questão é que esta espécie de testamento poderá ser confirmada a critério do juiz, o que passa a impressão de eventualidade. Entende-se, entretanto, que este é um poder-dever do magistrado. Confirmados os requisitos mínimos e evidenciado por outros elementos que se trata realmente da vontade do testador, o exercício da autonomia da vontade deve ser prestigiado.

Ascensão ensina que “para respeitar a vontade do autor da sucessão, há que fazer o quanto possível o aproveitamento do negócio, mesmo que haja defeitos que o inquinem”. Sobre a questão, recentemente o Superior Tribunal de Justiça julgou que “em se tratando de sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado é a preservação da manifestação de última vontade do falecido, devendo as formalidades previstas em lei serem examinadas à luz dessa diretriz máxima, sopesando-se, sempre casuisticamente, se a ausência de uma delas é suficiente para comprometer a validade do testamento em confronto com os demais elementos de prova produzidos, sob pena de ser frustrado o real desejo do testador”.

Na hipótese do art. 1.879, todavia, nem se trata de defeito do negócio, mas de abrandamento dos requisitos para a validade do testamento em decorrência de circunstâncias extraordinárias.

Caso se decida pela elaboração do testamento na modalidade do art. 1.879, é necessário que o declarante tenha o cuidado de fazer constar que o testamento foi elaborado no contexto da pandemia, anotando, se possível as razões preponderantes de seu isolamento. Esta cautela é ainda mais relevante quando não há risco de morte iminente, mas tão somente uma preocupação com doença que avança.

Quanto à forma do testamento, a lei determina que seja feito de próprio punho e assinado pelo testador. Este requisito do artigo 1.879 se opõe à flexibilidade do artigo 1.876 que, tratando dos testamentos particulares em geral, já admite que seja escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. Ensina Zeno Veloso que “as circunstâncias excepcionais, que dão ideia de urgência, imprevisibilidade, de fatos graves, podem ser as mais diversas: o testador está no meio de uma enchente, de um incêndio, num lugar isolado, sem comunicação, perdido; está no hospital, numa CTI, e sente a proximidade da morte”. Neste sentido, ele defende a impossibilidade de meios mecânicos. Porém, em casa, com acesso ao computador e à impressora, isolado pelo coronavírus, por que o uso destas ferramentas, acompanhado da assinatura, obstaria a confirmação do testamento? Nestes tempos de uso massivo do computador, embora a exigência estrita da escrita à mão não seja coerente com a ampliação das possibilidades de manifestação de última vontade, a exigência de forma deve ser compreendida como garantia da efetividade dos direitos e manifestação da segurança jurídica. A exigência de formas, em geral, não constitui restrição a direitos, mas se vincula ao exercício regular dos direitos, não devendo ser afastada por simples razão de comodidade.

A ausência de testemunhas não se justifica somente se o declarante estiver completamente isolado e sem contato algum com outras pessoas. Isto porque, mesmo que o testador esteja no convívio de sua família nuclear durante a pandemia, há grandes chances de suas companhias sejam também seus herdeiros e legatários, o que os impede de testemunhar. Caso não sejam nomeados, a condição de testemunha pode causar um conflito no seio familiar em plena pandemia, além do desconforto geral que a própria pretensão de testar pode causar em um momento de tensão como este.

Importante ainda chamar a atenção para o cuidado com os elementos externos à declaração de última vontade. O testamento é ato formal e solene e somente a vontade ali declarada pode ser confirmada e interpretada pelo juiz. Contudo, atos que corroboram que o testamento foi elaborado e assinado pelo declarante devem ser registrados e devem ser usados para auxiliar na confirmação. A troca de e-mails e mensagens eletrônicas com amigos ou advogado de confiança sobre o conteúdo do testamento, fotos da assinatura e do local em que foi guardado o instrumento, além de vídeos complementares, podem reforçar a legalidade e a legitimidade desta espécie de testamento.

Passada a pandemia e a recomendação de isolamento social, a declaração excepcional, feita sem as formalidades legais dos testamentos ordinários, perde a sua eficácia e, caso a vontade ali manifestada seja definitiva, deve ser novamente expressada em uma das modalidades tradicionais de testamento. Neste ponto, lembra-se das lições de Zeno Veloso, que defende que o testamento em circunstâncias excepcionais se aproxima mais das formas especiais que das ordinárias de testamento. Por isso, em analogia, devem ser aplicados os artigos 1.891 e 1.895 do Código Civil, com o entendimento de que caducará o testamento se o testador não morrer e nem declarar sua vontade na forma ordinária nos 90 dias subsequentes do fim da situação atípica. Nesse sentido, ademais, é a previsão do Enunciado n. 611 da VII Jornada de Direito Civil: “O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias”.

Entende-se que o art. 1.879 traz pronta uma solução jurídica muito interessante para os que pretendem manifestar seus desejos em situação de pandemia e isolamento social.

Registra-se que o PL 1.627/2020, de autoria da Senadora Soraya Thronicke, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito de Família e das Sucessões no período da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV2 (Covid-19), foi retirado de tramitação, em caráter definitivo, a pedido da autora. Havia, nessa proposição, a sugestão de que os testamentos particulares poderiam ser escritos ou gravados, desde que gravadas imagens e voz do testador e das testemunhas, quando exigidas, por sistema digital de som e imagem. Ainda, anota que, sob pena de caducar, o testamento deveria ser confirmado pelo testador na presença de três testemunhas em até 90 dias contados da data em que cessarem as determinações emanadas das autoridades públicas impositivas de isolamento social ou quarentena. Por fim, o projeto de lei considerava o prazo de 90 dias do fim da pandemia para a confirmação das declarações feitas em isolamento.

Em resumo, o instrumento posto em lei, embora possa ser aprimorado pelo legislador, já é capaz de resolver a questão inicial e propiciar às pessoas a realização de testamento válido, com flexibilização formal extraordinária.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


“A Organização Mundial da Saúde declarou que a rápida expansão do novo coronavírus pelo mundo já se configura como uma pandemia. O anúncio foi feito nesta quarta-feira, 11, pelo diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante coletiva de imprensa.” Disponível em <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,oms-declara-pandemia-de-novo-coronavirus-mais-de-118-mil-casos-foram-registrados,70003228725>, acessado em 02.04.2020. No Brasil, em 07.02.2020 já havia sido publicada a Lei nº 13.979, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, tratando da medida de isolamento. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm>, acessado em 02.04.2020.

Ascensão, J. Oliveira. A teoria geral do negócio jurídico e o negócio testamentário. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLIV, nº 1 e 2, 2003, p. 37.

Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.633.254/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 11/03/2020, DJe 18/03/2020.

Veloso, Zeno. Testamento: noções gerais; formas ordinárias. In: Revista do Advogado, nº 112, ano XXXI, junho de 2011, p. 195.

“Além das pessoas indicadas no dispositivo genérico (CC, art. 228), é preciso endossar a tese doutrinária de que o beneficiário direto ou indireto das disposições testamentárias também está impedido de atuar como testemunha. Com isso, o familiar (cônjuge, companheiro ou parente), o amigo íntimo ou o inimigo capital do beneficiário do testamento, herdeiro ou legatário, não pode funcionar como testemunha, por contado comprometimento de sua imparcialidade.” Farias, Cristiano de; Rosenvald, Nelson. Curso de Direito Civil: Sucessões, vol. 7. São Paulo: Atlas, 2015, p. 344.

Veloso, Zeno. Testamento: noções gerais; formas ordinárias. In: Revista do Advogado, nº 112, ano XXXI, junho de 2011.

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141455.

Edgard Audomar Marx Neto é doutor em Direito e professor na Faculdade de Direito da UFMG.

Laura Souza Lima e Brito é doutora e mestre pela Faculdade de Direito da USP, graduada em Direito pela UFMG, professora na Faculdade de Direito do Uni-BH e advogada especializada em Direito de Família e das Sucessões.

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Ser chamado de devedor contumaz não dá direito a reparação moral

Advogado que se refere à parte adversária como “devedora contumaz” não fere direitos de personalidade. Afinal, esta é uma expressão comum inserida em peças genéricas, quase padronizadas, de demandas consumeristas e que não refletem a intenção de violar a honra subjetiva de ninguém.

Por isso, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que negou dano moral a uma mulher que sentiu desrespeitada e agredida moralmente pelo uso desta expressão por parte dos advogados da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL).

O relator da apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, disse que as palavras proferidas pelos advogados do CDL Porto Alegre no curso da ação consumerista (em que a autora se saiu vencedora) não têm o “condão de caracterizar excesso punível”. A seu ver, o uso da expressão se deu dentro do contexto daquela ação, na qual se discutia se a autora era ou não devedora de uma dívida com a loja.

“A bem da verdade, então, o que se percebe é que essa ação consiste em uma tentativa forçosa da autora de locupletamento indevido. E digo forçosa porque, na inicial, a autora, a fim de justificar o dano moral sofrido por ter sido chamada de devedora contumaz, chega a associar a conduta da ré a um dos períodos mais sombrio e grave já vivido por esse país – no qual pessoas foram perseguidas, torturadas e mortas por um regime autoritário”, escreveu no voto. O acórdão, com decisão unânime, foi lavrado na sessão de 22 de abril.

Como tudo começou

O litígio é desdobramento de uma ação ajuizada pela autora, em março de 2016, contra as Lojas Renner e o CDL Porto Alegre, protocolada sob o número 001/1.16.0027231-3 na 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. Naquela demanda, ela reclamou que teve o seu nome negativado junto ao cadastro do CDL Porto Alegre de forma injusta, sem notificação prévia, por um débito que não contraiu, no valor de R$ 1,5 mil. Em sentença proferida exatamente um ano depois, o juiz Sandro Silva Sanchotene deu ganho de causa à autora. Ele declarou nulo o débito e condenou a loja ao pagamento de danos morais no valor de R$ 3,5 mil.

“A autora não poderá ser compelida de produzir prova negativa de que não recebeu a 2ª via do cartão e de que não efetuou as compras, razão pela qual vai declarada a inexistência do débito e determinado o cancelamento da restrição”, registrou a sentença.

O julgador, no entanto, julgou improcedente a ação em relação ao CDL, por não vislumbrar ato ilícito que justifique o dever de reparar os danos morais. “O órgão de restrição não responde pela existência ou não do débito, uma vez que age conforme orientação dos associados [lojistas]. Sua responsabilidade está restrita à notificação prévia”, arrematou Sanchotene.

Inconformada com o valor da indenização, a autora apelou ao Tribunal de Justiça, pedindo a majoração do quantum. Na sessão de julgamento do dia 31 de outubro de 2017, os desembargadores da 23ª Câmara Cível, de forma unânime, entenderam que o valor fixado não foi razoável nem proporcional à extensão do dano sofrido, além de se encontrar muito aquém dos parâmetros fixados na Corte. Por isso, elevaram o valor da indenização para R$ 9,3 mil.

Segundo round

Quatro meses após ter ajuizado a primeira ação, a autora voltou à Justiça, agora especificamente contra o CDL Porto Alegre. É que, ao contestar aquela ação, a defesa da entidade empregou a expressão “devedora contumaz” para se referir à autora.

Neste novo pedido de danos morais, ela informou que o único débito que possui é aquele objeto da ação contra a Renner e o CDL, por indevida cobrança e negativação do seu nome em cadastro de crédito. Logo, não poderia ser chamada de “devedora contumaz”. Assim, a referência na peça processual lhe trouxe humilhação e vexame, causando abalo moral.

Sentença improcedente

A Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, na Comarca de Porto Alegre, julgou improcedente a ação. Nas razões de decidir, a juíza Luciana Torres Schneider pontuou que a manifestação do réu está dentro do contexto da ação de negativa de débito. Afinal, o nome da autora estava cadastrado no CDL por dívida não paga, o que, até prova em contrário, naquele momento, permitia tal conclusão pela parte ré.

A julgadora disse que o mero transtorno, incômodo ou aborrecimento não se revelam suficientes à configuração do dano moral. “O direito deve reservar-se à tutela de fatos graves, que atinjam bens jurídicos relevantes, sob pena de se levar à banalização do instituto, com a constante reparação de diminutos desentendimentos do cotidiano”, complementou na sentença.

Luciana observou ainda que, salvo excessos, as manifestações do advogado, em juízo ou fora dele, não podem ser tomadas como injuriosas ou difamatórias, como prevê o parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). Por fim, citou o inciso I do artigo 142 do Código Penal. O dispositivo diz que não constitui injúria ou difamação punível “a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”.

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Processo 001/1.16.0099231-6 (Comarca de Porto Alegre)

 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

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Figueiredo e Dantas: Vale a pena esperar pela LGPD?

O processo de criação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil decorreu da conscientização gradativa da importância dos dados pessoais, que hoje, em tempos de Covid-19, passaram a ser o grande “pote de ouro”.

Isso porque, mais do que nunca, considerando os reflexos gerados pela pandemia, como por exemplo o home office e as inúmeras reuniões virtuais realizadas em diversas plataformas para fins educacionais e acadêmicos, de trabalho ou até mesmo de lazer, os dados pessoais estão muito mais expostos, aumentando, portanto, em nível exponencial as chances de vazamento de informações e até mesmo disponibilização em plataformas ilícitas.

Daí a importância da implantação da LGPD para garantirmos a segurança da informação.

Contudo, com a publicação da MP nº 959, no dia 29 de abril, prorrogando a vacatio legis da Lei 13.709/18, a entrada em vigor da LGPD foi postergada para maio de 2021.

Esse movimento possivelmente decorreu da propositura do PL 1.179/20, que, entre outros pontos, dispunha sobre a possibilidade de postergar a entrada em vigor da LGPD, anteriormente prevista para agosto deste ano, sob a justificativa de não onerar economicamente as empresas nessa fase de pandemia.

Em tempos de crise, é evidente que a preocupação com custos é legítima, mas não significa que o adiamento da entrada em vigor da LGPD, tal como determinado na MP nº 959, é necessariamente a melhor solução, até porque a lei simplifica o uso compartilhado de dados e, por isso, sob uma perspectiva mais ampla, minimiza custos, já que facilita a interpretação e aplicação da norma.

Além disso, esses “custos”, se aplicados corretamente no tratamento dos dados, podem trazer certa vantagem de mercado às empresas que adotarem as medidas previstas na lei, tornando-as mais competitivas em um futuro próximo, o que, em tempos de crise, será um diferencial.

Ou seja, a entrada em vigor da LGPG poderia potencializar mais os benefícios do que os aludidos “custos”. Assim, o adiamento determinado na MP pode não trazer qualquer vantagem seja às empresas, seja aos consumidores.

O professor Nicolo Zingales, da FGV Direito Rio, cita um bom exemplo das consequências e desvantagens do adiamento da LGPD, como a opção do Governo Federal pelo não monitoramento da quarentena, por questões de privacidade e proteção de dados, com dados de geolocalização de forma agregada por provedores de serviços de telecomunicações, o que seria possível com a LGPD, respeitando-se alguns princípios básicos da lei, como, por exemplo, o da anonimização, representando, portanto, o artigo 4º da MP nº 959 um grande retrocesso, inclusive para o mapeamento de dados da pandemia.

Outro bom exemplo do retrocesso trazido com a publicação da MP que acabou por determinar o adiamento da entrada em vigor da lei por 2 anos é a possível perda de oportunidades do Brasil no que tange às transações envolvendo dados pessoais de nível internacional, que hoje são realizadas com contratos e códigos de condutas por empresas que garantem a segurança desses dados e que, com a entrada em vigor da lei, teriam a regulação e segurança necessárias para o processo.

Contudo, mesmo com o adiamento, e principalmente em tempos de pandemia, na medida do possível, a ideia é que as empresas iniciem a conformidade do tratamento de dados o quanto antes, até porque sua aplicação/implementação demanda tempo, implantação de sistemas, adaptação ao novo cenário econômico e um acompanhamento jurídico de qualidade.

A questão que fica é: apesar da postergação formal possibilitada pela MP nº 959, se a LGPD traria segurança jurídica, clareza e até mesmo oportunidade de negócios, vale mesmo a pena esperar?

 é sócia fundadora do escritório FF Advogados e responsável pelas áreas de Direito Privado com foco em contratos, Contencioso Cível, Arbitragem, Imobiliário, Família e Sucessões.

 é advogada do escritório FF Advogados e atua nas áreas de contencioso cível e Direito Imobiliário.

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Ação pede que bancos cumpram promessa de adiar pagamentos

O Instituto de Defesa Coletiva (IDC) ajuizou ação para pedir que a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) cumpra as medidas anunciadas para a prorrogação do pagamento de dívidas de clientes com os bancos durante a pandemia do coronavírus. 

Ação propõe prorrogar medida de enfrentamento à pandemia divulgada em 15 e 16 de março, por mais 60 dias
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A ação civil pública foi protocolada na 23ª Vara Cível de Belo Horizonte nesta sexta-feira (8/5). O instituto alega que a publicidade da Febraban é enganosa, pois direciona o consumidor a erro.

De acordo com o instituto, a Febraban informou em 15 de março que haveria prorrogação do prazo de pagamento dos empréstimos e financiamentos de clientes pessoas físicas, micro e pequenas empresas por 60 dias. No entanto, desde essa data crescem as reclamações de consumidores que pediram a prorrogação e não estão sendo atendidos.

O instituto aponta que as justificativas para os bancos não atenderem são diversas, desde a celebração do contrato com o banco ter sido feita fora da agência, estar adimplente com o contrato, mas com data de vencimento próximo ao pedido, até ter firmado contrato com banco financiador integrante do grupo econômico.

“As instituições financeiras estão tão somente renegociando os contratos, com a inclusão de juros moratórios e outros encargos decorrentes da operação. Na verdade, há uma nova manobra para majoração dos lucros dos bancos a qualquer custo, sendo extremamente lamentável na conjuntura atual do nosso país com a pandemia do Covid-19”, explica o advogado Márcio Mello Casado.

A ação pede que as ofertas disponibilizadas no site da Febraban e dos bancos garantam a prorrogação de contratos de empréstimo e financiamento, sem a incidência de qualquer juro moratório ou remuneratório, ou encargo de nova operação de crédito.

Também pede que sejam criadas regras para aplicação das medidas de forma isonômica, sem qualquer discriminação para a prorrogação dos contratos de empréstimo e financiamento, explicitando quem são os consumidores contratantes que têm esse direito, quais são as condições contratuais para exercer esse direito, quais são os encargos e qual é o custo efetivo total incidente.

A ACP propõe também prorrogar a medida de enfrentamento à pandemia divulgada em 15 e 16 de março, por mais 60 dias, a partir de seu término, com base na “omissão de informações precisas e essenciais aos consumidores clientes que não tiveram acesso aos dados para a repactuação contratual”. 

Clique aqui para ler o pedido

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STF derruba normas que proíbem homens gays de doar sangue

Viola o direito à igualdade e não discriminação proibir que homossexuais doem sangue. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de normas com esse teor.

ReproduçãoSTF derruba norma de que gays só poderiam doar sangue se ficassem 12 meses sem transar com outro homem.

Pela regra vigente até então, gays só poderiam doar sangue se ficassem 12 meses sem transar com outro homem. O julgamento virtual encerrou nesta sexta-feira (8/5), com placar de 7 votos a favor de derrubar a exigência contra 4.

A maioria do colegiado acompanhou o relator, ministro Luiz Edson Fachin, que entendeu que as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) além de violar a dignidade humana, também tratam esse grupo de pessoas “de forma injustificadamente desigual, afrontando-se o direito fundamental à igualdade”.

O julgamento começou em 2017, ocasião em que Fachin votou pela inconstitucionalidade. Em seu voto, o ministro afirmou que as regras “violam o direito à igualdade e à não-discriminação dos homens homossexuais à medida que estabelecem restrição quase proibitiva para a fruição de duas dimensões de direitos da personalidade: o de exercer ato empático e solidário de doar sangue ao próximo e o de vivenciar livremente sua sexualidade”.

Fachin também apontou para o regramento internacional do qual o Brasil é signatário e frisou a importância de segui-lo. Ele foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Posições contrárias

A divergência foi aberta pelo ministro Alexandre de Moraes que, embora concorde com a inconstitucionalidade dos dispositivos, ressalvou que o sangue doado deve ter um tratamento especial. 

Moraes entende que após a triagem e questionário individual, o sangue coletado deverá ser “devidamente identificado e somente será submetido aos necessários testes sorológicos após o período de janela sorológica definido como necessário pelos órgãos competentes, no sentido de afastar qualquer possibilidade de eventual contaminação”.

Também divergindo, o ministro Marco Aurélio apontou que embora o risco na coleta de sangue de gays “não decorra da orientação sexual, a alta incidência de contaminação observada, quando comparada com a população em geral, fundamenta a cautela implementada pelas autoridades de saúde, com o fim de potencializar a proteção da saúde pública”.

O ministro Ricardo Lewandowski abriu outra linha de divergência. Para ele, o Supremo deve adotar postura de contenção sobre determinações das autoridades sanitárias “quando estas forem embasadas em dados técnicos e científicos devidamente demonstrados”.

Além disso, afirmou que o STF “deve guiar-se pelas consequências práticas da decisão, nos termos do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, evitando interferir em políticas públicas cientificamente comprovadas, especialmente quando forem adotadas em outras democracias desenvolvidas ou quando estejam produzindo resultados positivos.

Lewandowski foi seguido pelo decano, ministro Celso de Mello.

Normas discriminatórias

A ação foi ajuizada pelo PSB em 2016 para questionar a Portaria 158/16 do Ministério da Saúde e a Resolução 34/14 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que restringem a doação dependendo da orientação sexual.

As normas determinam que os homens homossexuais são inaptos para a doação de sangue no período de 12 meses a partir da última relação sexual.

O partido afirma que a situação é discriminatória, ofende a dignidade dos envolvidos e retira deles a possibilidade de exercer a solidariedade humana com a doação sanguínea. Representou o partido o advogado Rafael Carneiro.

Clique aqui para ler o voto do relator.

ADI 5.543